Espectáculo comunitário junta centenas de pessoas em A-dos-Negros

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A comunidade de A-dos-Negros (Óbidos) viveu, a 18 de Maio, momentos únicos com o espectáculo Bona Dea, que envolveu cerca de 150 actores e revisitou a festa “Os Maios”.
Durante mais de duas horas foram calcorreadas ruas e largos, visitadas casas, fontes e eiras para se apreciar dança, música, canto, teatro e contadores de histórias, num espectáculo único que cria laços comunitários.

No próximo ano o projecto prossegue numa outra freguesia.
”Todos os anos, neste dia, a aldeia aguarda a chegada do vento quente que traz o ar carregado de perfumes especiais. Aqui, neste dia, tudo muda com a chegada da Bona Dea. Alguns dizem que são os tambores da terra a prepararem os campos…” Assim começava o espectáculo percurso, criado pela actriz Mafalda Saloio com a comunidade de A-dos-Negros e um conjunto de grupos artísticos locais.
A dança, a música, a dança, o canto, o teatro físico, os contadores de histórias, foram algumas das linguagens utilizadas durante o percurso pela aldeia, onde durante mais de duas horas, o público foi convidado a visitar as ruas, as casas, os largos, as fontes e o coreto, que foi palco do culminar  da celebração.
Pelo percurso, no meio da vinha encontrava-se a banda filarmónica, sem farda, a tocar, ou um pouco mais à frente, numa eira, o rancho folclórico dançava dança contemporânea. As casas da terra abriram as suas portas  e janelas para a banda actuar e, num jardim, crianças interpretavam a dança de pau de fita.
Na antiga escola primária da terra, Manuel Freire declamou cinco poemas encadeados de Fernando Pessoa e António Gedeão, junto a diversas fotos antigas de populares da aldeia.
A contemporaneidade esteve também presente com a escultura de Isabel Lima (antes patente na Galeria Ogiva) que representa uma noiva sem rosto, envolta em arame farpado, que foi escolhida para ser a Bona Dea, a deusa romana da fertilidade, terra mãe.
A escultura acabou por ser levada em ombros, como se de uma procissão se tratasse, por cima de uma passadeira de flores. Durante o percurso os populares atiravam pétalas através das janelas, ornamentadas com colchas.
“Quisemos criar um espectáculo à  volta destes rituais mas ligá-lo à contemporaneidade, mostrar que as nossas memórias se podem articular com a actualidade”, explicou a professora Celeste Afonso, uma das responsáveis, juntamente com a antropóloga Teresa Perdigão, pelo projecto Maiando o Maio, que integrou este evento. “Foi muito bom, emocionámo-nos várias vezes, sobretudo com os comentários das pessoas”, destaca Celeste Afonso.
A festa terminou com todos no largo do coreto, com a Bona Dea junto à fonte, com as suas oferendas, numa simbologia também à sagração da água.

Valorizar a tradição dos Maios

O projecto Maiando o Maio começou a ser delineado em finais de 2011 pela professora Celeste Afonso e a antropóloga Teresa Perdigão. “A intenção deste o início é a de valorizar esta tradição dos Maios, que continuava a existir em Óbidos e que estava em vias de desaparecimento no concelho”, recorda Teresa Perdigão, dando nota que a manifestação pública desta intenção mútua foi em Maio de 2012, com iniciativas dentro da vila. Os Maios ou Maias são uma festividade ancestral ligada à celebração da vida e da natureza.
Este ano a tradição voltou a cumprir-se na noite de 30 de Abril para 1 de Maio, com os populares a irem apanhar as flores no campo e depois enfeitar as ruas e aldrabas das portas da vila. Mas, como este ritual se processa a partir da meia noite e é demasiado tarde para manter as pessoas, pensaram em dinamizar um evento numa freguesia do concelho e, desde logo surgiu a vontade de contactar a actriz Mafalda Saloio para conceber o espectáculo. A jovem caldense tem trabalhado muito com as comunidades e participou no Arraial, o projecto desenvolvido por Madalena Vitorino com a comunidade no âmbito de Guimarães, Capital Europeia da Cultura.
“Depois foi o trabalho necessário de encontrar  apoios de boas vontades”, lembrou Teresa Perdigão, destacando o sucesso dos encontros com as bandas, grupos, associações culturais e recreativas, que desde logo mostraram interesse em participar.
O trabalho de Mafalda Saloio com a comunidade começou ainda antes do Natal do ano passado, com reuniões e conversas com as pessoas, onde lhes foi pedida a participação e também que abrissem as suas casas e que pusessem colchas à janela. Dias antes do espectáculo foi colocada uma explicação do que iria ser feito na caixa do correio de cada uma das casas da aldeia.
A-dos-Negros foi a localidade escolhida para este ano, mas o objectivo é dinamizar projectos nas várias freguesias do concelho, sempre com a envolvência da comunidade e de associações diferentes que queiram participar. “Escolhemos A-dos-Negros porque já possui um trabalho feito de recuperação das fontes, é uma aldeia bonita, acidentada e com um presidente de Junta muito activo e que desde logo pensámos que acolheria a nossa ideia”, resume Teresa Perdigão.
Este projecto assenta no trabalho voluntário, mas contou com o apoio da Óbidos Criativa e do Instituto de Estudos e Literatura Tradicional. F.F.