«O sangue por um fio» de Sérgio Godinho

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Para Camilo Castelo Branco o poeta é quem desmente as leis fisiológicas, vivendo do princípio vital de uma única entranha – o coração. E é o coração que dá o título ao livro no seu último poema: «Até que uma tarde, manhã, noite / por impulso e por vingança / (aquela que se serve fria) / arrefece e deixa de bater / sem dar tempo aos outros de o chorarem.» Mas o ponto de partida do livro é a viagem como metáfora da vida: «Não aparecem sempre, os destroços dos actos / em cada memória flutuam / e em cada sonho se transformam / desejam o que antes desejámos / não se conformam / desaparecem levados».
O poeta sabe que não há presente na Poesia; apenas esperança (futuro) e saudade (passado). Por isso adverte sobre as ilusões: «as ilusões parecem-se com a moeda / como a moeda não têm medida certa / não se definem senão / pelo uso que delas se faz». Num Mundo violento («arma de fogo é metáfora»), o poeta pergunta: «Para que serve uma arma de fogo? / Para chegar mais depressa aos inimigos». O poeta vê, no oposto da Violência a Liberdade: «São os acordos falhados / que fazem da liberdade uma procura / uma cratera uma conquista». No oposto da Nação, vê o Indivíduo: «Quem atirou fora, na pressa, / a minha primeira radiografia, como é que eu sei?». No oposto da Vida, vê a Morte: «A morte encontra o seu projecto por entre arenas / precedida por rastos de entradas e saídas / a coisa do costume / areia no sangue». No oposto da Morte, vê o Amor: «Quando muito mais tarde / tendo aprendido as leis da perspectiva / vi os teus olhos numa clara recta / um claro dardo / curvado só por esse riso / que sabemos vir das vidas anteriores / – e o sonho, tido de véspera / me confirmou ser conforme o original – / não digo que passei a acreditar em tudo / mas acreditei em tudo nesse momento».
(Editora: Assírio & Alvim, Desenhos: Tiago Manuel)

José do Carmo Francisco

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