Homenagem a um amigo

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Foto de: Valter Vinagre (1991)

Cessou o convívio sempre tão cordial, mantido com o Doutor José de Sousa Machado, ao longo de décadas. Perante a triste realidade que representa o seu falecimento, persistirá no nosso íntimo e sempre com saudade, a memória de um Homem que viveu a Vida praticando o Bem, dignificando a sua profissão, que exerceu de forma abnegada, em cumprimento dos princípios que distinguem a condição de ser Médico.
Conhecemo-nos no final da década de 60, época em que o Dr. Sousa Machado passou a residir nas Caldas da Rainha, após ter estado em Alfeizerão onde prestou inestimáveis serviços clínicos à sua população, motivo do respeito e do carinho que lhe dedicaram.
Nas Caldas da Rainha firmou a sua credibilidade, marcando relevante presença nas Instituições onde trabalhou, sendo reconhecido o seu ânimo de servir com despresunção e humanidade. Aconteceu assim no Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, nos Serviços Médico-Sociais, na Santa Casa da Misericórdia das Caldas da Rainha, na Associação de Socorros Mútuos Rainha D. Leonor.
Assim aconteceu também no Hospital Sub-Regional ainda na época que precedeu a sua integração no Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, em Março de 1971. Com a criação do CHCR, foi incluído no respectivo Quadro de Pessoal, na área da Medicina, um núcleo de Clínicos cuja actividade era justamente referenciada na comunidade, como muito prestigiante para os próprios, é certo, mas sobretudo, para a Profissão que abraçaram e serviram com denodo. Lembro aqui, com o maior respeito, os nomes dos Drs. Simões Palma, Sousa Machado, Rosado Lourenço, Fernando Ferreira, que, em conjunto, asseguraram o movimento assistencial do Serviço até 1983, ano em que o Quadro Médico do CHCR beneficiou do provimento de um número significativo de lugares do Quadro, inclusive na área da Medicina Interna.
Mantendo, em contínuo, o seu vínculo formal ao CHCR o Dr. Sousa Machado aceitou integrar o núcleo de Médicos do Serviço de Hidrologia, na época em que no Hospital Termal se observavam clinicamente e tratavam, acima de 8000 Doentes ano. A partir de 1989, foi nomeado, por mérito próprio, Director Clínico da Estância Termal, funções que desempenhou até à data da sua aposentação, em 1994. No exercício do cargo confirmou o seu pendor humanista, revelado, não apenas na forma de acolhimento dado aos Doentes, mas também na relação estabelecida com os seus pares e demais colaboradores, prezando, com o seu conselho e quando oportuno, a sua formação e a melhor identificação com a especificidade das patologias de que são portadores os Doentes que frequentam as nossas Termas. Na sua qualidade de Director Clínico da Estância Termal, o Dr. Sousa Machado subscreveu anualmente o respectivo Relatório Clínico, cada um dos quais contendo um prefácio de sua autoria. Guardo com muito afecto, cada um dos exemplares que sempre enviou, com dedicatória, ao então Director do CHCR.
Pelo sentido de respeito pela Instituição que se orgulhava de servir, permito-me registar apenas, algumas das passagens contidas em três dos seus prefácios.
No prefácio do Relatório Clínico do ano de 1989, estão inscritos bastantes considerandos que se iniciam todos pela expressão “Nesta vertiginosa corrida”. No último deles podemos ler:
“Nesta vertiginosa corrida é tal a velocidade com que atravessamos a estrada da vida, que quando damos por nós, estamos na última passagem de nível e verificamos que nem tivemos tempo para apreciar a paisagem
E por tudo isto é enternecedor contemplar os espaços de convívio das Estâncias Termais, onde os aquistas irmanados numa mesma esperança de vida, oriundos das zonas mais díspares, e dos mais variados grupos etários, vão amenizando as dores, as queixas os males, com a partilha generosa de costumes, culturas e, sobretudo, de simples e transbordante humanidade.
Sente-se que, aqui, o tempo parou, que o amanhã não foi vivido ontem e que hoje é realmente hoje”.
Nesse ano de 1989, foram examinados e tratados no Hospital Termal, 8574 Doentes, dos quais frequentaram o ambulatório 5157, tendo estado internados 3432. No total frequentaram a Estância pela primeira vez, 2454 Utentes.
No Relatório Clínico do ano de 1990, o respectivo prefácio faz uma síntese histórica do Hospital Termal desde a sua fundação e termina com uma reflexão de inteira actualidade: “O Tratamento Termal é uma realidade muito positiva no arsenal médico, que não deve ser minimizado, antes encorajado e apoiado. Assim o comprova a procura dos Doentes por este tipo de tratamento que perdeu o seu empirismo, para se tornar numa valiosa arma terapêutica, assente em bases fisiopatológicas. Hoje conquistou um merecido lugar clínico, cultural e socioeconómico, na perspectiva de um renovado Termalismo”
Quando da sua aposentação, em 1994, o Dr. Sousa Machado, no seu habitual prefácio do Relatório referente a 1993, historiou as motivações que levaram à fundação das Misericórdias, confirmando que o Hospital Termal não só serviu de Misericórdia local, como também foi precursor e inspirador da Fundação das Misericórdias, pela Rainha D. Leonor.
Nesse ano foram examinados e tratados no Hospital Termal, 7778 Doentes, provenientes de 18 Distritos do Continente e das Regiões Autónomas, dos quais 3200 frequentaram o Hospital Termal pela primeira vez.
Não me pareceu inapropriado trazer à colação estas mensagens. Nelas se evidencia o propósito do seu Autor, o de honrar o nosso passado assistencial, histórico e cultural, de honrar o nosso Hospital Termal, sem deixar de lhe perspectivar um futuro mais promissor.
Não tendo nascido nas Caldas da Rainha, o Dr. José de Sousa Machado foi, de facto, um verdadeiro Caldense, revelado pela sua plena identificação com as causas que representam as verdadeiras raízes fecundantes da nossa Comunidade.
Neste ensejo, recordar o Dr. José de Sousa Machado tem o significado de respeito e de muito apreço, que interiorizamos com a comoção provocada pela sua irremediável perda.
À Querida Amiga Maria José, aos seus Filhos, Luís, Teresa, Cristina e Nuno, bem como a toda a Família, as nossas mais sentidas condolências.

Mário Gonçalves