«Sabores da Vida» de Joaquim do Nascimento

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Notícias das Caldas
Sabores da Vida | D.R.

Joaquim do Nascimento tem publicado livros sobre a sua terra (Pereiros) e sobre a Guerra Colonial; com este volume regressa às origens com 39 crónicas à volta de receitas gastronómicas.
Um cardápio completo (sopa, peixe, carne, saladas, doces) também na geografia – Alto Douro, Algarve, Estremadura. E um elucidário final. Várias são as páginas com referências culturais: Vermeer (17), Eça (60), Alexandre O´Neill (69), Manuel Alegre (110), Torga (135), Guerra Junqueiro (153), A Bíblia (161), Camões (177) ou Fernando Pessoa (181). Aqui a gastronomia é um pretexto para o autor exercer a ironia: apresenta-se («Os enchidos da Lídia e as minhas letras são o que de melhor se faz nos Pereiros») e conclui: «umas e outros à procura de memórias, de afectos e de sabores que o tempo teima em levar e a que nós nos agarramos para os voltarmos a apresentar, a Lídia numa mesa farta, eu num livro de memórias que dedico à gente dos Pereiros». O texto mistura a memória da apanha da azeitona com o sorriso de uma menina: «Que terá sido feito da Piedade e do sorriso que guardei dela? Sei que casou numa terra vizinha, guardou gado e fez o queijo, lavou a roupa e teve filhos, talvez o marido matasse um reixelo pela Páscoa, oxalá que os netos a façam sorrir neste fim do dia, para que se lhe abram no rosto as mesmas covinhas que eu vi nele quando tínhamos 10 anos». Passam por aqui memórias das coisas mais essenciais como o pão, o vinho, o azeite ou o queijo. Sobre o pão, por exemplo: «pão, pão era mesmo o de centeio, o único cereal que vingava nas ladeiras dos nossos montes, pele e osso na magreza de um solo pobre regado pelo suro de muito trabalho». Sobre o vinho, outro exemplo: «É o sol que faz o vinho, Pedro, disso sabia o meu avô António Bernardo que fez vinho fino, d´Além Doiro, durante uma vida, na Quinta dos Canais».

Sobre o azeite, outra memória: «O azeite servia para alumiar a Deus e os mortos também não o dispensavam no seu dia de Novembro mas servia principalmente para tornar mais gostosa a dieta magra das nossas fragas, o caldo, as batatas e o pão de centeio; entrava também nos mimos das festas do Natal e da Páscoa». Ou o queijo: «A Natália continua a fazer queijo uma ou duas vezes por ano por várias razões – para provar que ainda não perdeu a mão, porque nunca meterá a boca num cibo que outra pessoa faça e para saborear uma tigela de soro, açucarado, migado com pão de trigo». Para concluir, o pó contra a posteridade: «Eu hei-de partir e a Oliveira do Adro há-de permanecer ali por muitas mais gerações e, um dia, o neto da Celestina vai ler-lhe o que, sobre ela, escreveu o Joaquim da Senhora Adelaide».
(Editora: Padrões Culturais, Prefácio: Rui Fiolhais, Paginação: Mário Andrade)