Xilunguíne Maputo LM

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Fernando Mora Ramos

Quem é que é dono de esquinas? E de reentrâncias esconsas, ilhéus de passeio no meio do cimento? A cidade traçada a régua e esquadro é um articulado de ruas e avenidas que não engana, vais na geometria e só necessitas de fazer contas, somar paralelas com perpendiculares, de uma boa tabuada da atenção, os olhos imbuídos de faro perimétrico, nem necessitas de visão lateral. A cidade leva-te no traçado onde queres ir. É, desse ponto de vista, de uma clareza única, só mesmo um pouco das avenidas novas em Lisboa tem semelhança.
Mas entretanto a vida é outra e outra cidade surgiu de outras necessidades de vida, de sobrevivência e uma mistura de cidade precária do mercado informal formiga ao lado da outra de traçado cartesiano, aliás, instala-se nela como apropriação daqueles que nela nunca viveram e que nela não continuam a viver. E é nesse mercado que os que nada têm gastam o pouco que lhes cabe, nela os preços são alimentares, podes comer uma sandes de badjias e ficas resolvido, mais um copo de coca-cola ou uma manica pequena. E esse aparente contraste, ou essa aparente intrusão de um corpo no outro, é o curso da história, que segue a direito por linhas bem tortas – esteticamente surpreendentes pelo contraste – e nelas instala, quando instala, algum tipo de justiça, aliás sempre por vir – o mercado informal, as suas extraordinárias invenções e marketingues, as formas chamativas da publicidade imediata e o génio de meter qualquer Rossio em qualquer Betesga, constitui o sistema de artérias e veias do corpo de um povo valoroso que luta diariamente pela vida.
Onde é que encontro papaia daqui? – a da África do Sul vende-se nuns reboques instalados por todo os lados e pertence a um distribuidor central, imagino –, respondem-me: “nas senhoras”.
Tens ali uma senhora na esquina, depois da senhora da maçaroca tens a senhora da fruta, mangas e papaias, massalas. É verdade e não há melhor papaia. Na cidade, estes comércios de senhoras a solo, são os únicos em que encontras a boa fruta moçambicana, a que ainda está longe de calibragens e falta de sabor industrial, fruta aguada demais, rega científica.
A cidade dos dumbanengues, centros comerciais de pequena escala, os mercados meio informais de outra escala e a infraestrutura das senhoras da fruta, fritos e legumes, garante alimentação possível a milhares de bocas. Aí, nessa cartografia “excrescente” desenhada a olho e dedo, medida a passo e pernas, há mesmo quem seja dono de esquina por usocapião. As duas cidades tocam-se mesmo se, em boa verdade, conjugam fronteiras de um divórcio amigável.

Fernando Mora Ramos
fernando.mora.ramos@gmail.com