Especialistas nacionais querem desenvolver medicamentos capazes de travar vírus do sarampo, zika, dengue ou VIH

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Desenvolver medicamentos capazes de chegar a partes muito protegidas do corpo, como o cérebro ou os fetos, no caso de grávidas, e de impedir vários tipos de vírus de causarem danos nesses locais é o objetivo do projeto NOVIRUSES2BRAIN, um trabalho liderado por Miguel Castanho, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) e Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que conquistou um financiamento de 4,2 milhões de euros no âmbito do mecanismo de financiamento europeu FETOPEN, e que vai ter agora o seu arranque oficial.
Os vírus transportados pelo mosquito-tigre (género Aedes), como o zika ou o dengue, aos quais se juntam o vírus do sarampo e VIH, são algumas das ameaças para o cérebro, seja em maior ou menor grau, e alvos deste trabalho. Miguel Castanho destaca o vírus zika, causador de microcefalia em fetos em desenvolvimento e, mais próximos da nossa realidade atual, o vírus do sarampo e o HIV, “cujos alvos principais não incluem o cérebro, mas que, por vezes, se alojam neste, causando danos. O sarampo, em particular, é uma preocupação porque sucedem-se surtos devido a correntes sociais anti-vacinação e não existe qualquer medicamento disponível para o combater. O nosso esforço para desenvolvimento de um novo medicamento é uma esperança para o combate difícil contra o sarampo que se adivinha para o futuro”, esclarece.
Mas mesmo as doenças até aqui geograficamente mais distantes de Portugal começam a chegar até nós. Com as alterações climáticas e a expansão das colónias de mosquito-tigre para norte, o sul da Europa, incluindo Portugal, está cada vez mais sob ameaça de surtos de zika, dengue, chikungunya e febre amarela, entre outros. Sendo os vírus transmitidos pelo mesmo vetor (neste caso, o mesmo tipo de mosquito), é possível a co-infeção com vários tipos de vírus, daí a importância reforçada de conseguir combater várias espécies de vírus com o mesmo medicamento”.
O investigador confirma que resultados preliminares já provaram que é possível a determinadas moléculas que inativam vírus chegarem ao cérebro. “Portanto, está provado o potencial de chegar ao cérebro e o potencial de inativar vírus, mas falta o mais importante: demonstrar que essas moléculas funcionam e são seguras numa infeção real, num animal. Dito assim parece simples e rápido mas não é. O conjunto de procedimentos para uma prova científica de eficácia e segurança (toxicologia favorável) é moroso e complexo.”
É esse trabalho que o grupo, liderado pelo IMM e composto ainda por um grupo de investigadores da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, e pela empresa alemã SYNOVO, tenta levar a bom porto. Um desafio que Miguel Castanho descreve como “muito difícil, mas muito importante. Difícil, porque o cérebro e os fetos são áreas naturalmente muito protegidas pelo corpo, logo difíceis de lá fazer chegar medicamentos quando estes órgãos são infetados. Importante, porque os vírus que se alojam no cérebro podem causar danos neurológicos irreversíveis. Recentemente, uma epidemia de vírus zika na América do Sul levou ao nascimento de bebés com microcefalia. Outros vírus, como dengue, sarampo ou HIV têm, por vezes, consequências a nível neurológico. É importante pois conseguir um medicamento que confira proteção contra todos estes vírus simultaneamente”.
O objetivo é então neutralizar estes vírus, ou seja, “retirar a capacidade de infetar células, logo, tornar o vírus numa entidade neutra, sem perigo. Para o doente, isto pode querer dizer um medicamento preventivo, que protege as infeções, ou um medicamento curativo, isto é, que inativa vírus já presentes no corpo”.