GAZETA DA EUROPA | Tempo para refletir sobre o bem e o mal

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Este foi um annus horribilis para todos os que se preocupam profundamente com a União Europeia e pretendem proteger, reforçar e divulgar os nossos valores. O resultado do referendo no Reino Unido foi um sinal de alarme.
Sou otimista por natureza e convicção. Em momentos conturbados como estes, o otimismo corre o risco de perder terreno em relação ao medo. E o medo, que apenas confunde o nosso discernimento, nunca será uma boa fundação sobre a qual se possa construir políticas. Pior ainda, faz-nos esquecer os motivos que temos para estarmos orgulhosos: em muitos aspetos, somos admirados por todo o mundo. Gostava que este sentimento fosse mais amplamente expresso e valorizado.

Sabemos que o que construímos não é perfeito e estamos certos em fazer alguma autocrítica. Mas também me reúno com colegas de outras regiões do mundo que estão também a envidar esforços de integração regional e ouço a sua admiração relativamente ao que já foi alcançado por nós. Nesses momentos, percebo que estamos numa viagem de longo curso, com sobressaltos inevitáveis, mas confirmo que estamos na direção certa.
Temos de estar atentos aos negociantes perniciosos de embustes, meias-verdades e puras mentiras. Não é descabido recorrer a uma perspetiva histórica. A integração económica nos últimos 25 anos permitiu níveis sem precedentes de riqueza para os nossos cidadãos, com fluxos comerciais e de capitais que são inigualáveis na história da Economia. Os Estados Membros — incluindo Portugal — foram transformados.
Estes são os factos no terreno. Uma panorâmica do verão de 2016 não consegue captar esta realidade aparentemente elusiva. Somos assaltados por dúvidas e receios que são uma resposta normal a mudanças radicais e inesperadas.
A Europa foi vítima de crises sucessivas durante um período relativamente curto mas a solução não será encontrada retrocedendo no sentido da xenofobia e do euroceticismo. O que nos fez fortes e nos fez ganhar o galardão de «estilo de vida de superpotência» do Banco Mundial foi a construção do nosso modelo económico e social. Seria tão errado como destrutivo virar agora as costas aos pilares do nosso «milagre» europeu: o alargamento económico e político combinado com responsabilidade empresarial e social, a inclusão e a solidariedade.
No entanto, podemos e devemos fazer ainda mais para restabelecer a confiança e a nossa unidade. Vamos fazê-lo garantindo a segurança que os nossos cidadãos merecem, protegendo simultaneamente o nosso espírito generoso e aberto ao mundo. Podemos enfrentar os múltiplos desafios que se nos colocam. Temos de banir as crescentes dúvidas trabalhando com mais empenho e com pragmatismo para resolver os problemas. Temos de nos lembrar de como somos fortes quando nos mantemos unidos.
Durante as férias tive a oportunidade para outras leituras que não os documentos oficiais da Comissão Europeia. Recomendo-vos o conto que li sobre a vida siciliana intitulado «O Leopardo» de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Não apenas por ser uma obra prima da literatura do século XX mas também porque continua a ser tão clarividente como sempre foi devido ao seu conselho: «Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.»

Kristalina Georgieva
Vice-Presidente da Comissão Europeia responsável pelo Orçamento e Recursos Humanos