Vergílio Alberto Vieira (n.1950) é poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta, crítico literário e autor de livros para a infância. Celebrou os 45 anos de edição de poesia com «Todo o trabalho toda a pena» dado que o primeiro livro («Na margem do silêncio») é de 1971. Nestas dez narrativas dois dos títulos são da autoria de Sophia de Mello Breyner («Todas as cidades são navios») e Marguerite Yourcenar («O último acampamento do nómada»). Dou o nome de «narrativas» mas sem esquecer as lições de Italo Calvino: «Estou convencido que escrever prosa não deve ser diferente de escrever poesia; em ambos os casos é a busca de uma expressão necessária, única, densa, concisa, memorável».
Cada uma das dez «narrativas» faz uma homenagem a um autor: Chuan-tzu, Sapho, Epitecto, Fernando Pessoa, Jorge Luís Borges, Vergílio Ferreira, Mário Cesariny, Dinis Machado, Clarice Lispector e Herberto Helder. Sendo «a literatura uma homenagem à literatura» o ponto de partida do livro de Vergílio Alberto Vieira é a vida («Fumando o último cigarro, dou-me conta de que passei parte da noite à janela do meu quarto») não uma vida em abstracto mas uma vida que se escreve: «A contradição é regra e escrever a mais suspeita forma de estar só».
As perguntas são fortes («Ninguém sabe onde começa o mundo. Em que lugar da terra repousa a vida?») e as respostas só podem ser as do Estoicismo («Não cedas companheiro ao prazer») ou do Amor: «As mulheres as mulheres, não irradiam certas mulheres aquele aroma que só algumas flores, uma vez por outra, oferecem?»
Memória de um lugar que já não existe (o «Expresso» onde minha filha Ana Maria ia todos os dias tomar um café com livreiro José Vicente) existe na página 85 deste livro uma revisitação que não se pode perder: «Ao Expresso onde às oito, tmg – sôr Assumpção, ao telefone – cairá o pano, Albertini, o acrobata, lá estará, olhem só este agora – para medir a temperatura de Deus, entre as demais, e depois será Verão, para que Lisboa, em camisa, esteja com ele e não arrefeça o carioca de limão, pedido à lista, já se vê, enquanto comentado, até que chegue mais algum porque à quarta é certo, anda a roda, e lá fora o bronzeado cauteleiro faz-de-conta-que-dá-sorte aos pombos revelhudos que a Dona Rosa adoptou há anos até que a morte e a Santa Casa os separe para sempre.»
(Editora: Companhia das Ilhas, Direcção: Carlos Alberto Machado, Foto do autor: Sérgio Granadeiro).