UM LIVRO POR SEMANA / 629 – «Hoje é tudo falso e outras crónicas» de António Souto

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Gazeta das Caldas
| D.R
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O mais recente livro de António Souto (n.1961) inclui 31 crónicas e o título é retirado da página 13: «Os currais ruíram e já não há eira nem quem chegue lume à caruma, nem adega, nem mesa grande, nem quem se sente nela. Hoje é tudo falso, tudo tão distante…» Como género literário a crónica, sendo um híbrido, concorre com o poema, o conto, a notícia, a reflexão, o apontamento. A citação inicial de Eça de Queirós em 1867 dá uma ideia do fascínio da crónica: «A crónica é como estes rapazes que não têm morada sua e que vivem no quarto dos seus amigos». Na página 15 o autor refere o seu gosto pela música: «Tive há muitos anos um gira-discos que comprei em segunda mão. Eu não era um especialista em música nem sequer tinha um género musical de eleição.» Na página 21 outro registo, o do sofrimento: «Partilham-se testemunhos e consolos. Descobrem-se as fragilidades e os limites da vida. Experimenta-se o sofrimento próprio e alheio. Aprende-se o sentido da palavra e do silêncio, da confiança e da esperança.» Há também um lugar para a memória e para o passado. Primeiro a memória: «A seguir ao relógio que o meu avô me ofereceu no dia do meu exame da quarta classe, o camião de ferro amarelo foi talvez a minha maior relíquia da infância» Depois o passado: «Os rebuçados de hoje já não sabem a nada nem têm crianças que os procurem ou que os saibam descascar como segredos.»
Apenas mais dois exemplos no registo desta cartografia pessoal do autor. Por um lado o Natal: «Começo a ficar cansado de ouvir e ver tanto natal quando chega a quadra natalícia, como se não houvesse mais nada para ver e ouvir». Ou o Mundo: «Até uma certa idade pensamos que o Mundo é todo nosso, que somos o centro dele, que tudo quanto nos rodeia parece estar a mais, refugo.»
Afinal o mesmo Mundo onde o Padre António Vieira falava dos peixes grandes que comem os pequenos em vez de serem os pequenos a comer os grandes tal como já Almeida Garrett referiu os 200 pobres que são precisos para fazer um rico.
(Editora: On y va, Capa: Rui Fiolhais sobre mural de Joe Iurato, Grafismo e paginação: João Paulo Fidalgo)

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