“Há sempre perdas no envelhecimento, nem que seja de energia ou saúde. Mas o envelhecimento implica também ganhos que devem ser valorizados”. A mensagem foi deixada por Maria Barroso, presidente da Pro Dignitate – Fundação de Direitos Humanos, no decorrer das III Jornadas Técnicas da Santa Casa da Misericórdia das Caldas da Rainha.
Ao segundo dia de seminários, que este ano decorreram entre os dias 1 e 3 de Março, Maria Barroso salientou que devido aos avanços da tecnologia da ciência, homens e mulheres vivem cada vez mais anos, o que traz vantagens e problemas.
Se nalguns locais a tradição de apreço e respeito pelos mais velhos atravessou os tempos – “ainda hoje se diz em África ‘quando um velho morre, uma biblioteca enorme desaparece’” – o certo é que em Portugal muitos idosos morrem em total abandono e solidão.
De acordo com a responsável da Pro Dignitate, há que encontrar o papel dos mais velhos em contextos e estruturas familiares bem diferentes da norma de há algumas décadas. “Em muitas famílias, os idosos deixaram de ter o lugar nuclear que tiveram noutros tempos”, lamentou.
Numa altura em que se sucedem as notícias de idosos encontrados mortos em casa, a octogenária, que muitas vezes usou a expressão “os velhos como eu”, apelou a que sejam tomadas medidas para que os seniores não estejam sozinhos. E para isso, há que atribuir aos mais velhos papéis positivos, pois eles são guardiões de “um património de sabedoria que seria um erro perder”.

O que fazer, então, para contrariar a triste sina a que parecem estar condenados tantos seniores? Para Maria Barroso, “é preciso estabelecer constantemente o diálogo entre novos e velhos, para que os idosos não sejam empurrados para um local de solidão”. E quem pensa que o contacto entre gerações beneficiará apenas os mais velhos, desengane-se. “Para abrir caminhos para o futuro, é preciso saber o que está atrás. É preciso que os jovens saibam os caminhos que nós percorremos e o que vivemos para estarmos onde estamos hoje”, defende Maria Barroso, garantindo que os jovens têm muito a aprender com os mais velhos, tal comos os mais velhos podem aprender muito com os mais novos.
Se nos idosos se atenua a solidão, nos jovens a partilha com outras gerações “torna-os mais humanos, ajuda-os a crescer”. É preciso, por isso, “educar os jovens, para que eles passem do eu solitário, para o nós solidário”.
Mas não são só o isolamento e o abandono que hoje afectam uma parte significativa da franja mais envelhecida da população portuguesa. Uma franja que, tendo em conta as previsões do Instituto Nacional de Estatística, deverá representar cerca de metade da população nacional em 2020.
“Foram precisos dez anos para que o fenómeno da violência contra os idosos saísse da ignorância”
Nos últimos anos reconheceu-se que muitas vezes a violência doméstica tem como vítimas, não apenas as mulheres e crianças (aquelas de que mais se fala), mas também os idosos. A este tipo de criminalidade juntam-se os roubos, insultos, maus tratos e privação de direitos de que muitas vezes os seniores são vítimas, tanto por parte de familiares, como de pessoas estranhas.
Para Maria Oliveira, da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), “foram precisos dez anos para que o fenómeno da violência contra os idosos saísse da ignorância em que se mantinha”, e para isso terá sido decisiva a consagração de 1999 como o Ano da Pessoa Idosa. o reconhecimento da violência sobre os idosos levou a um “grande aumento” dos processos registados na APAV. Se em 2000 o número de processos não passava das duas centenas, em 2011 a associação contou com 749 processos. “Apoiámos mais de seis mil pessoas idosas vítimas de crime”, diz Maria Oliveira.
Hoje é já reconhecido que “qualquer pessoa idosa pode ser vítima, independentemente do seu estatuto social, crença ou religião”. Para contrariar a escalada de violência sobre os mais velhos, a responsável da APAV deixou perante a plateia uma chamada de atenção para a urgência de denunciar os casos de que se tem conhecimento.
Em pleno Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade entre Gerações, a Santa Casa da Misericórdia das Caldas da Rainha dedicaram o segundo dia do encontro aos Idosos. No dia anterior, houve lotação esgotada para ouvir falar sobre as crianças, ficando o terceiro dia das jornadas subordinado às organizações.
O Inatel da Foz do Arelho foi mais uma vez o local escolhido para o encontro, que contou a cada dia com cerca de 120 pessoas na assistência, entre cuidadores, educadores e professores, técnicos de diversas instituições, psicólogos e sociólogos.
Joana Fialho
jfialho@gazetadascaldas.pt