
Depois da Estónia, onde foi considerada uma livraria do Futuro, a Bichinho de Conto representou Portugal no festival em Paris, depois de 20 anos de ausência do país naquele certame. Trabalhar na disseminação da cultura é o que move a livreira, ilustradora e editora, Mafalda Milhões
A livraria Bichinho de Conto foi convidada a representar Portugal no Festival do Livro de Paris, no Grand Palais, certame onde há 20 anos este país não marcava presença. A organização do stand luso foi centrada nas edições infanto-juvenis e contou com uma exposição de ilustração portuguesa contemporânea, ciclo de cinema, um debate sobre “as alegrias da democracia” e um atelier literário para crianças.
Pouco tempo antes esteve em Riga, na Letónia, num encontro mundial de livreiros, onde a Bichinho de Conto foi considerada, pelos pares, uma livraria do futuro pois reúne uma série de pressupostos ligados à economia da atenção. Ou seja, “uma livraria onde tu possas olhar o mundo, teres horizonte, viveres em paz, folhear livros entre gerações”, exemplificou a livreira Mafalda Milhões.
No encontro foi convidada a participar no painel “Bookstore Behind the Cities”, sobre projetos em zonas de baixa dimensão e densidade. “Foi muito interessante porque estávamos num painel com duas livrarias especiais, que possuem serviços agregados”, explicou Mafalda Milhões, especificando que o Bichinho de Conto é uma livraria que continua a dedicar-se exclusivamente aos livros e fora dos grandes meios urbanos, na localidade dos Casais Brancos, uma aldeia do concelho de Óbidos.
O acesso à informação, a prevalência do papel e do livro, o perfil do leitor, a utilização da Inteligência Artificial também foram temas abordados. No próximo ano o encontro será em Verona (Itália). “Nós vamos participando e acompanhando a Organização Mundial de Livreiros porque nos interessa perceber, também dentro da nossa profissão, quais são as discussões e as partilhas de trabalho dos nossos pares”, referiu, partilhando exemplos de destruição em Gaza ou de superação na Ucrânia. Mafalda Milhões deu o exemplo de um livreiro de Kiev, que abre a livraria em período já de guerra e, inclusive, já alargou as instalações. “A livraria funciona como casa cultural e nós sentimos muitas semelhanças com o projeto, na medida em que são livreiros ativos e agentes culturais presentes no território”, salienta a livreira.
A também ilustradora, editora e autora participou recentemente numa conversa na Sociedade Nacional de Belas Artes, inserida num ciclo dinamizado pelo artista Francisco José Vilhena, onde este documenta a vida e o trabalho artístico dos convidados, que depois participam num evento aberto ao público. A conversa é “bebida e nutrida”, explica Mafalda Milhões, que levou vinho de Murça (Trás os Montes), de onde é natural, e partilhou a história do avô, o soldadão Milhões (herói da Primeira Guerra Mundial), e da vida dos antepassados ligada ao campo.
Livraria em antiga escola
Apesar de ter livraria online, que permite vendas para várias partes do mundo, Mafalda Milhões defende a “porta aberta”, como local de encontro das pessoas. “São os sítios onde as pessoas podem encontrar outras que pensam da mesma forma, que têm o mesmo sentido e procuram interesses semelhantes”, refere, caracterizando-a como uma espécie de “lugar seguro”.
A antiga escola primária dos Casais Brancos, convertida em livraria, mantém a traça original e foi recuperada com os materiais de raiz. A funcionar há 16 anos, está fechada desde 28 de fevereiro, data em que foi entregue o documento de proposta para ocupação do edifício e resposta à hasta pública, cujo processo ainda se encontra a decorrer.
“Temos um profundo respeito pelo edifício que nos acolhe, ainda para mais sendo uma escola do plano centenário, que nos diz muito”, salienta a livreira, acrescentando ao preservar o espaço estão, de alguma forma, a prolongar a memória daquele que continua a ser um espaço de conhecimento e de partilha.
Mafalda Milhões vai continuar a participar em eventos internacionais com a Bichinho de Conto e, além disso, também está a produzir conteúdos, quer para eventos quer de curadoria, ligados à ilustração, arte contemporânea, entre outras, com diversas entidades culturais a nível nacional. “Trabalhamos sempre na disseminação da cultura, levando a cultura portuguesa, mas também deixando entrar as outras culturas”, refere a livreira que possui uma grande ligação ao Brasil, através de projetos de mediação da cultura.