
Capitão que joga no clube desde 2001, vai reformar-se e quer ver Mata Encantada, amanhã, no último jogo em casa
O capitão do Caldas SC, Thomas Militão, vai pendurar as chuteiras no final desta época, depois de mais de 400 jogos pelos alvinegros. Foram milhares de minutos, muitos jogos, cortes e passes, alguns golos, muitas alegrias e também tristezas. Foi, literalmente, sangue, suor e lágrimas. Em entrevista ao nosso jornal, Militão recorda os 24 anos com a camisola do clube do seu coração.
Thomas Militão, Capitão do Caldas, 417 jogos feitos a nível sénior. Como é que estás a viver este momento de despedida?
Com muita emoção, são muitos sentimentos misturados, nostalgia… É o acabar… São 24 anos, porque eu entrei no Caldas em setembro de 2001, são muitas emoções, porque realmente passei aqui coisas neste clube, desde a formação até ser capitão dos séniores, muitas vivências, conheci muitas pessoas e, ao pôr um término na minha carreira futebolística depois destes 24 anos, obviamente que me vem muita coisa à cabeça e aos olhos muitas lágrimas também, porque é o relembrar de tudo o que vivi desde que comecei a jogar futebol aqui no Caldas.
O que é o melhor que se leva do futebol? São as pessoas?
Não tenho dúvida nenhuma que é as pessoas, porque eu sou muito apegado às minhas origens, às pessoas, e se calhar talvez tenha sido isso que me fez nunca sair do clube, porque realmente eu sou muito apegado às minhas origens e às pessoas em si. E as pessoas aqui do Caldas, todas, foram especiais para mim e nunca quis virar as costas. Por isso não tenho dúvidas nenhumas que quando um jogador de futebol acaba a carreira, o que ficam são as vivências, as memórias, mas principalmente as pessoas, as amizades que se criam.
Há quanto tempo pensas em te retirares e porquê?
Fui pai já há quase quatro anos, do meu pequenote, do Oliver, e os anos vão passando e passa tudo tão rápido, é como no futebol, passa tudo rápido, quando damos por ela já estamos idosos para o futebol e na vida é um pouco também assim, se não aproveitarmos… A decisão passa muito por aí, por eu querer tomar conta do meu filho, passar mais tempo com ele. É uma decisão pessoal, não é física. É estranho um jogador com 33 anos, quando está no melhor momento para a posição que joga, e fisicamente ainda muito apto, deixar de jogar, mas é uma decisão pessoal.
O que é que segue na tua vida? Tens a tua empresa?
Sim, neste momento, a seguir ao término da carreira futebolística, não me vejo a fazer outras coisas, porque quero aproveitar um pouco o que o futebol me privou, ou seja, quero aproveitar o tempo para estar com a família e os amigos. Em termos de trabalho, porque o Caldas deu-me esse privilégio de conseguir jogar, fazer aquilo que eu mais amo e preparar o meu futuro, vou-me dedicar ao meu trabalho, à minha empresa de jardinagem.
No futuro ponderas ser treinador ou dirigente?
Sim, eu tenho a certeza absoluta, e a minha família e os meus amigos, quem me conhece sabe que eu dificilmente não irei voltar a esta casa, é muito difícil. Não é para já, neste momento não sou capaz de ter alguma responsabilidade no clube, mas mais tarde ou mais cedo tenciono voltar, porque a minha história enquanto jogador foi esta, eu tenho uma dívida de gratidão para com o clube, e acho que ainda posso vir a fazer mais alguma coisa, ser útil também noutras coisas, não sei se será como treinador ou dirigente, mas tenho a certeza que irei voltar. Para já, irei estar muito presente e estar aqui na bancada sempre. Se o clube precisar de mim para algo, irei estar. Ser dirigente, diretor ou treinador requer muito tempo, muita responsabilidade e, se há pessoas que gabo, são os diretores, principalmente das camadas jovens, que passam muito tempo e sem ganhar nada. É o verdadeiro amor à camisola.
Fazes a formação a médio, mas acabas como defesa…
Sim, comecei como um “10” e fiz quase toda a formação como “8” e “6”. Depois um dia o Mr. Sérgio Vala chamou-me para os juniores e faltava um defesa central. Acabei por jogar a central e correu bem. No final da época voltei aos juniores para fazer cerca de 15 jogos e foi sempre a central. A partir daí fui sempre defesa.
Em 2001, quando entraste para o Caldas, havia uma figura, que ainda hoje detém o recorde de mais jogos pelo clube, o Hermes. A certa altura falaste em atingir a marca dele. Apesar de não o alcançares, foi uma inspiração?
Foi e vai ser sempre. Ninguém se pode esquecer de quem é o Hermes no Caldas e eu olhei sempre para ele com muito respeito. Até determinada altura da minha carreira ainda sonhava em ser jogador profissional e os convites que apareceram, financeiramente compensavam muito, mas não era isso que ia mudar a decisão. Depois, a seguir ao ano da Taça de Portugal, decidi que ia ficar para sempre, até pendurar as botas, no Caldas. Foi aí que eu falei que gostava de atingir os números que o Hermes teve. Não o consegui, mas sinto-me um privilegiado, porque acho que me posso sentar na mesma mesa que ele, que é, para mim, um nome enorme na história do clube.
O momento alto da tua carreira terá sido a caminhada na Taça, em que vimos a Mata Encantada em torno de uma equipa que entrou para a história do clube e do futebol português. Como foi viver esses momentos e depois a eliminatória com o Benfica?
Sim, isso é indiscutível, a campanha da Taça de Portugal, para quem viveu mesmo como adepto, mas principalmente aqueles que fizeram parte daquele grupo, é o momento alto de todas as nossas carreiras, porque, alguns ainda são novos, mas mesmo assim é difícil conseguirem viver algo daquele género. Foi o momento mais alto, mas depois tive aqui muitos momentos bons, como o jogo contra o Benfica, a própria subida à Liga 3. Um dos melhores momentos que eu tenho no futebol foi quando era a extinção do campeonato da 3ª divisão e o Caldas, se não subisse, porque para mim considero que foi uma subida, se não subisse ia cair às distritais e nós conseguimos. Guardo esse momento como um dos mais especiais.
Em miúdo certamente sonhaste com o Benfica, o Sporting, o Porto ou o Real Madrid. Vestiste esta camisola sempre, não conheceste outra, mas teres levado o teu clube, de coração, a viver estes momentos, concretiza-te em termos futebolísticos? Faltou alguma coisa?
Não, não te vou mentir, se calhar em certos momentos da minha carreira, já enquanto sénior, sentia que, naquele momento, podia-me faltar algo que não estivesse a conseguir viver, mas, ao dia de hoje, depois de ver tudo o que vivi e o que passei neste clube, não, acho que sou talvez um dos jogadores mais realizados com a carreira que teve, porque consegui viver momentos espetaculares no clube do meu coração. Ao passar tantos anos no clube da minha vida, acabo realmente muito realizado e sem arrependimento nenhum de não ter ido para outros clubes. Hoje em dia digo que tenho uma carreira muito bonita, invejável, porque é cada vez mais raro. Acaba por não se ter outras vivências, mas tem-se muita felicidade, porque estamos rodeados das pessoas que gostam de nós. Para mim é o mais importante.
Como é que vês a evolução no clube nestes 25 anos?
Acho que o clube a nível da organização cresceu muito, mas faltou acompanhamento a nível de infraestruturas. Um clube como o Caldas, que tem tantos atletas nas camadas jovens, não pode ter só um campo sintético para treinar e um relvado para a equipa sénior. No patamar que o clube está é impossível e o Caldas tem feito milagres atrás de milagres ao longo destes anos. Na nossa altura nós tínhamos muito mais campos para treinar, hoje em dia o clube só tem um sintético. Naquela altura, em 2001, havia o FCC, a Quinta da Boneca e, mais tarde, também o Campo do Campo, ou seja, houve muitos campos para a formação do clube treinar e, hoje em dia, o clube continua com os mesmos atletas, ou mais, e tem menos infraestruturas. Acho que as pessoas competentes deviam repensar isso e se calhar oferecer ao clube, porque merece dado que envolve muita gente, muitos miúdos.
Recuemos à tua estreia como sénior, como é que foi entrar pela primeira vez na equipa?
Foi o cumprir de um sonho, obviamente. Nós quando estamos na formação, vamos sempre sonhando em ser jogadores de futebol profissionais e ir para outros patamares, mas todos nós quando fazemos a formação durante tantos anos, sonhamos sempre representar a equipa sénior e foi o concretizar de um sonho e de um objetivo. Foi com muita felicidade. Lembro-me que ainda era júnior e já tinha treinado com os séniores. Um dia ligaram-me a dizer que ia ser convocado para ir aos séniores e o meu coração palpitava, era uma alegria enorme, portanto, imagina como é que foi quando entrei, mesmo num resultado não tão positivo para o Caldas, contra o Oriental. Jogar 10 minutos pela minha equipa e, depois, um jogo inteiro, foi algo que ficou gravado na minha memória, no meu coração.
Como foi a primeira vez que envergaste a braçadeira nos séniores, dado que na formação, desde o 1º ano já eras capitão
Sim! Foi com o Mr. Luís Brás, na época 2014-15, num jogo aqui em casa contra o Mafra, uma época memorável, também uma das que guardo para sempre na minha memória e uma das melhores, porque conseguimos ir ao playoff de subida à segunda liga. Eu fui capitão aqui contra o poderoso Mafra, que na altura acabou por fazer também um grande campeonato e nós ficamos à frente deles na 1ª fase. Lembro-me que os capitães eram o Rui Almeida e o Fábio Sabino e eu era o terceiro capitão e, nesse jogo, o Mr. rodou a equipa, e eu era titular, mas joguei e fui eu que assumi a braçadeira. Também é um momento grande, tenho fotos guardadas desse dia, obviamente, e é um dia que jamais esquecerei.
Recordo-me de ouvir, vindo da bancada, o ‘Allez Thomas’ da tua mãe e lembro-me do teu pai, a dar do seu tempo, enquanto diretor das várias equipas, essa base familiar foi fundamental?
Foi, é o pilar que eu tenho. O meu pai é que me deu a escolher, entre os vários clubes e eu, sem saber explicar, escolhi o Caldas, e assim foi. E o meu pai fez muitos esforços, principalmente ele, que era quem me levava sempre aos treinos, e depois até começou a passar a ser diretor do clube e mais tarde treinador. A base principal vem da minha educação, que os meus pais me deram, de ser uma pessoa humilde, trabalhadora e não virar a cara à luta. O Allez Thomas vem da minha mãe, e vem desde sempre, se a minha mãe estiver na bancada mesmo agora, eu com 33 anos, vai-se ouvir esse Allez Thomas que me dá força para tudo.
Recorda-nos os teus treinadores e algumas histórias deles?
Tenho do Mr. Nelinho, que foi o meu primeiro treinador aqui no Caldas, mas foi uma das pessoas que mais me marcou, porque foi o meu primeiro ano e nunca mais me esqueço da maneira como ele me recebeu. Lembro-me que andávamos nós a correr à volta do campo, e ele com uma canazinha na mão, sempre a dizer ‘corram, corram’ e depois dizia assim: ‘vocês são uns copinhos de leite, o único que é um leão é o que vem da aldeia’, que era eu. E depois também não deixava ninguém cumprimentá-lo só com um aperto de mão, tínhamos que lhe dar um beijinho na cara. Mas tenho muitas vivências com todos, e todos eles, quer tenham estado mais ou menos tempo comigo, têm um lugar especial no meu coração, foram muito importantes no meu crescimento. Obviamente com uns relaciono-me mais do que com outros, mas seria injusto da minha parte destacar ou contar histórias só de um. Obviamente que o Mr. Zé Vala, é o mister dos misters, porque foi aquele com quem passei mais anos, foram nove, posso colocá-lo um bocadinho à parte, mas todos foram importantes e, desde que subi a sénior, nunca me esqueci de nenhum. Hoje em dia, cruzo-me com eles e trato-os sempre por mister, não é pelo nome, e vai ser sempre até eu estar aqui e até nos cruzarmos. Infelizmente o Mr. Valdir já não está cá, mas vai ser sempre o meu mister também. Todos eles foram de extrema importância para o meu crescimento, tal como os diretores, desde as camadas jovens, porque nós éramos miúdos, passámos muitas horas com essas pessoas e incutiram-nos valores muito importantes para o nosso dia a dia.
Histórias com o Mr. Vala?
Eu sei que o Mr. é muito nervoso e vive muito o jogo, nós temos essa ligação, somos muito parecidos nisso. E ele até é mais nervoso do que eu, vive as coisas com mais intensidade. Lembro-me de um jogo em Mafra, um lance entre mim e um jogador do Mafra ao pé do banco deles, e eu caí com o adversário, depois de uma entrada mais dura minha. Fiquei sozinho e o banco do Mafra a encurralar-me, a empurrar-me e a primeira pessoa que chegou lá, ao seu jeito, foi o José Vala, e dispersou toda a gente. É uma imagem que vou ficar para sempre, que é ficar encurralado no meio dos adversários e o Mr. chegar lá e empurrar toda a gente.
O que é que esperas para o último jogo em casa?
Eu não espero que seja algo muito diferente do que são os nossos jogos em casa, mas obviamente gostava muito, que foi algo que se calhar nos faltou ao longo desta época, que é termos o verdadeiro ambiente da Mata Encantada, é algo que nós todos, jogadores, treinadores, direcção, mas também e principalmente, os adeptos, e eu agora que vou fazer parte dessa equipa, temos que repensar, porque muitas vezes nós vencemos jogos é pelo ambiente que se vive na Mata e este ano sentiu-se que a Mata estava um pouco sossegada demais. Se calhar nós, enquanto equipa, não conseguimos motivar os adeptos, empolgá-los, mas eu queria que fosse um dia da Mata Encantada. Gostava de me despedir enquanto jogador, porque nunca me vou despedir enquanto pessoa e adepto, mas enquanto jogador gostava de sair daqui com muita gente e, acima de tudo, esse espírito das pessoas estarem na bancada a gritarem pelo seu clube e depois estarem aqui fora, no ambiente que a Mata Encantada nos habituou sempre. ■