Desde criança que tinha o sonho de dar aulas e as abóboras da mãe foram as primeiras alunas que ensinou...

A paixão de um professor pelo ensino pode ser aquilatada de muitas maneiras, mas há gestos que dispensam as palavras. Depois de oito anos à frente do Agrupamento de Escolas Rafael Bordalo Pinheiro, Maria do Céu Santos apresta-se para deixar o cargo, optando por não se apresentar a concurso, porque tomou uma decisão simples: quer terminar a carreira na sala de aula e, precisamente, na escola onde estudou.

Quando se candidatou, em 2014, estabeleceu como prazo “ficar apenas quatro anos” do primeiro mandato. “Nunca tive o propósito de vir para a direção com o objetivo de ficar até à minha reforma”, assegura a professora, que tinha objetivos “muito bem definidos e, ao fim do primeiro mandato, já os tinha atingido”.
As prioridades passavam por “criar o espírito de agrupamento”, que era recém-criado, melhorar “a imagem da escola, que era vista como de segunda escolha” e tinha “professores e funcionários descontentes” e um “aspeto muito descuidado”. Passados quatro anos, o cenário mudara radicalmente, com um aumento crescente de alunos e um “sentimento de mudança notório”, pelo que tinha “vontade de sair” da direção. Acedeu, todavia, ao pedido do Conselho Geral do agrupamento e foi reconduzida para mais quatro anos. Neste ano letivo, poderia ter voltado a candidatar-se, mas a voz do coração chamou-a à sala de aula. “Gosto muito da gestão, mas há algo que gosto muito mais: o lecionar”, explica a caldense, que já tinha sido vice-presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas da Atouguia da Baleia e, por isso, sabia bem o que esperar como diretora de um agrupamento. Contudo, o chamamento do ensino revelou-se mais forte.
“Ser professora é a minha paixão desde sempre. Desde criança, quando as abóboras da minha mãe eram as minhas alunas, que queria dar aulas. E sinto muita falta desse contacto com os alunos”, salienta Maria do Céu Santos, que, nestes oito anos ,tentou, por diversas vias, continuar a fazer o que sempre sonhou. “Cheguei a pedir aulas aos meus colegas, porque precisava mesmo de dar aulas e, muitas vezes, dei aulas quando os professores faltavam. Era uma necessidade”, assume a docente, que, no final do ano letivo 2017/18 tentou conjugar a direção do agrupamento com uma turma. Sem sucesso. “No final do 1º período, reconheci que não era possível compatibilizar as duas vertentes”, assume.
Na hora da saída do gabinete, a diretora tem o “sentimento de dever cumprido” e agradece o facto de ter tido uma “equipa fantástica” na direção, além da mobilização que sentiu dos professores e funcionários. “A escola mudou muito, tornou-se uma referência regional, nacional e até internacional”, considera Maria do Céu Santos, que entende, ainda, que as pessoas “não se devem eternizar nos cargos”.
“Seja nos partidos, nas empresas ou nas escolas, deve haver uma renovação. Um diretor não deveria estar mais do que 8 anos e a lei permite que esteja até 16. É tempo a mais”, refere a docente, que jamais esquecerá a primeira aula que deu. Foi em 1982, no Bombarral, e quase foi impedida de chegar à sala de aula de uma turma do 9º ano por uma funcionária… diligente. “Tinha 20 anos e os alunos 15. A escola tinha uma escadaria só para professores e disseram-me que não podia subir por ali. Mas mostrei, orgulhosamente, o livro de ponto e lá pude subir e dar a aula, embora muito nervosa, obviamente”, recorda a docente, que terminou o curso enquanto trabalhava e se apaixonou por uma profissão “que mudou muito, mas manteve a essência”. “Continuo a acreditar que uma boa história pode substituir um gadget tecnológico e fico até um pouco preocupada quando noto que há professores que bloqueiam quando se apercebem que não há Internet na escola. O comunicar com os alunos é o essencial”, resume a docente, para quem “cada aula é um desafio”. “Temos um plano de aula, mas que pode ter de ser ajustado no imediato e esse improviso também é algo de muito interessante nesta profissão”, frisa.
Em setembro, volta “apenas” à condição de professora e, entre os muitos desafios que tem pela frente a lecionar uma disciplina do curso Técnico de Ação Educativa, ambiciona continuar a ajudar os jovens com os quais se cruza nas salas de aula a encontrar um rumo: “Muitos alunos chegam apenas com o objetivo de concluir o 12º ano e, depois, acabam por seguir para o ensino superior. É um privilégio crescer com eles e assistir à mudança”. ■