António Alves – O tenor que faz da rua a sua sala de espetáculos

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O tenor António Alves a atuar em Óbidos, onde costuma estar vários dias por semana, entre as 13h30 e as 15h30
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Descendente de uma família ligada à cerâmica, sempre teve um “impulso obsessivo pela música”. Atualmente pode ser ouvido à entrada da vila de Óbidos

António Alves sempre teve fascínio pela música, mas só aos 50 anos decidiu mudar radicalmente de vida e dedicar-se a esta arte. Do pop passou ao canto lírico e atua na rua, perante quem passa e para alguns momentos, ou bastante tempo, para ouvir algumas das árias das óperas mais conhecidas. A porta de entrada na vila, em Óbidos é local de espetáculo várias vezes por semana para este cantor, a solo, ou em conjunto com a professora e amiga, Mayya Rud.
Natural de Porto de Mós, nasceu num ambiente de cerâmica artesanal. O pai era operário e a mãe era doméstica, mas começou a pintar peças cerâmicas, que colocava para venda à beira da estrada, na Cruz da Légua. Ao fim de semana conseguia arrecadar um bom rendimento e a família começou por montar uma pequena olaria, em 1957. António Alves nasceu dois anos depois e, enquanto a mãe pintava loiça e ele estava “deitado dentro dos vasos”, recorda o artista que cedo aprendeu o ofício de oleiro. Como sempre gostou de estudar, António Alves prosseguiu estudos e acabou por se licenciar em Psicologia, continuando a ajudar na atividade da família aos fins de semana e nas férias.
Foi em Coimbra, durante a faculdade, que se ligou mais à música, com a Tuna Académica. “Acho que passava 2/3 da minha vida naquele local. Era capaz de estar horas e horas de volta da guitarra, adorava o som”, recorda António Alves.
Terminada a licenciatura e o mestrado, continuou ligado à empresa onde se ocupava da organização dos recursos humanos e era responsável pela comunicação, sobretudo com o mercado externo, quando começaram a exportar. Uma candidatura a fundos comunitários, em finais da década de 80, permitiu à empresa crescer. Compraram uma antiga fábrica de tijolo e criaram a Vale do Sol, onde se manteve a trabalhar até 2005 (e como sócio até 2016). O cansaço levou-o a afastar-se, mas a música nunca o abandonou. Antes, na década de 90, já tinha criado a banda Sacerdotes de Alquimia (que lançou um álbum em 1997), mas que acabaria por desaparecer pois “a vida na empresa e na banda não era conjugável”.
Em 2009, com 50 anos, António Alves decidiu investir na música. Inscreveu-se na Academia de Música de Alcobaça e começou a estudar canto. O professor incentivou-o a estudar canto lírico e desde então tem aprofundado conhecimentos com vários docentes e cantores, a última das quais Mayya Rud, de Leiria.

Parte das vezes, as atuações são em dueto, com a professora e amiga Mayya Rud, residente em Leiria

Com a pandemia, em 2020, os concertos que tinham foram todos cancelados e decidiram ir cantar para a rua. “Ela já tinha experiência porque andou vários anos a cantar na rua, por Espanha e Alemanha, com um grupo, eu aproveitei a onda e comecei a cantar com ela”, conta António Alves, recordando que a primeira atuação foi na Praia da Vieira. Seguiram-se locais como S. Martinho do Porto, Nazaré e, depois, Lisboa, onde atuaram durante vários anos, junto à Brasileira, no Rossio. “Este contacto direto com as pessoas é das experiências melhores da minha vida”, partilha o cantor, recordando que, pelo meio, houve algumas fugas à polícia que, mesmo “com a licença, vinham chatear-nos, e por vezes queriam tirar-nos a coluna”.
Canta regularmente em Óbidos, entre as 13h30 e as 15h30, e nas Caldas, sobretudo aos fins de semana, na Rua das Montras. Durante duas horas de espetáculo interpretam diversos trechos de óperas, sobretudo os mais conhecidos do grande público. “Cantamos uma média de 15 a 20 horas por semana”, conta António Alves, “sempre em plenos pulmões, sem microfone”. O domínio da técnica permite-lhe também estar horas a cantar, em pé e ao frio, e, no final, “ainda interpretar as “árias mais difíceis”.
É o carinho do público a maior recompensa que tem. “Ainda ontem [quarta-feira] uma senhora parou à minha frente, quando estava a cantar Nessum Dorma [ária do último ato da ópera Turandot, de Puccini], esperou até ao fim e exclamou: maravilhoso. Depois a filha veio dizer-me que a mãe era cantora de ópera, e eu fiquei emocionado”, partilha o tenor que não se vê a fazer outra coisa na vida.

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Aulas e peças de teatro
Para além de cantar, António Alves também dá aulas de teatro na Academia Sénior da Batalha e escreve peças de teatro, a última das quais sobre os sem-abrigo, que será apresentada ainda este mês. Encontra-se também a fazer pesquisa para uma outra, sobre as Invasões Francesas, conta o autor que acalenta o sonho de ver as suas peças serem representadas por atores profissionais.
António Alves está ainda ligado ao grupo de teatro de Porto de Mós, como ator, onde está a ensaiar o Auto dos Anfitriões, de Camões, para assinalar os 500 anos do seu nascimento. ■

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