Escrito a Chumbo 30

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27 e 31 de julho

“A guerra acabou: VIVA A PAZ! Por todo o país grandes manifestações de alegria pelo fim do colonialismo” é o título de um artigo na primeira página da Gazeta das Caldas do dia 31.
“Por todo o país sucedem-se amplas manifestações de júbilo e regozijo perante o discurso do Presidente da República, General António de Spínola, um discurso que lança Portugal numa nova era, um discurso que permitirá a Portugal reencontrar-se consigo mesmo, com a Europa, com o Mundo. Portugal reentra na política mundial de face erguida ao reconhecer o direito dos povos da Guiné, Angola e Moçambique à independência. Portugal os seus chefes e o seu povo – vão finalmente poder libertar-se do estigma acusador de «colonialistas» com que a Europa, com inteira justeza, de resto, nos acusava. Ao reconhecer a dignidade e a autonomia dos povos africanos ainda sob seu domínio, Portugal recupera a sua própria dignidade e autonomia: a força moral de um povo que quer construir o seu futuro sem prejuízo ou exploração de outros povos”.
O jornal recorda que “o povo português estava mais que farto de uma guerra que no fundo nunca entendeu nem justificou: eis o que explica estas verdadeiras explosões de franca alegria perante as novas perspectivas de paz e progresso. O povo português não perdeu a guerra: venceu-a varrendo de uma vez para sempre as teses colonialistas que o fascismo lhe quis impor. Portugal venceu a guerra ao constatar que era uma guerra sem sentido, uma guerra contra os legítimos direitos dos povos africanos e do povo luso. Os africanos venceram a guerra ao tomarem nas suas armas a defesa de si próprios, dos seus direitos, dos seus anseios. Armas que uma política democrática e sensata teria evitado, substituídas pelo franco e fraternal diálogo. Armas que os fascistas usaram e fizeram usar. Armas que se vão calar de uma vez para sempre, porque Portugal e os (novos) países africanos vão estabelecer entre si uma estreita e fraternal colaboração na reconstrução das economias inutilmente esgotadas”.

Discurso do Presidente
Na mesma edição é dado ao leitor a conhecer o discurso do Presidente da República, General Spínola, sobre esta temática.
“Não podíamos deixar de, nesta secção, salientar hoje o importante discurso do sr. Presidente da República. importante porque traço mais claramente as linhas que o Governo Provisório vai seguir neste momentoso problema; Importante, porque clarificando posições e conceitos vai certamente facilitar e acelerar as negociações com os movimentos de libertação. Importante, enfim, porque a Nação ficou ciente de que o processo de descolonização iniciado prosseguirá, fiel e decididamente, de modo a satisfazer os anseios dos povos africanos: a independência e, ao mesmo tempo, de modo a garantir os legítimos interesses dos portugueses honestos que nas terras de Africa procuraram um nível de vida que Lisboa lhes recusava. O problema colonial, e com ele esta guerra que nos vai sugando e isolando há já treze anos, aproxima-se do fim. Do um fim que o Movimento das Forças Armadas conseguiu tornar honroso e digno para ambas as partes. Um fim que dará a Portugal o direito de ser reintegrado na comunidade internacional de que uma política míope, subordinada aos grandes monopólios, nos afastara. A hora da descolonização é uma hora grande na nossa história. É a hora nas palavras do Presidente da República, do reencontro com a sua vocação, a fisionomia e a forma de ser e de estar no mundo”, lê-se no artigo que publica alguns excertos do discurso:
«É com a mais viva emoção que dirijo ao Povo Português de aquém e além-mar na mais perfeita coerência com a nossa condição histórica e com o ideário que nos preside e nela se inspirou a declaração formal de haver chegado o momento de reconhecer às populações dos nossos territórios ultramarinos o direito de tomarem em suas mãos os próprios destinos concretizando desse modo o desenvolvimento da política de autenticidade que sempre defendemos».
«Somos um povo essencialmente pacífico que, através dos tempos, sempre buscou aventura o suprimento das suas carências. Ontem como hoje foi a procura em terra alheia de uma vida melhor que motivou os portugueses na demanda de novos mundos».
«Se na altura em que a questão ultramarina se agudizou no começo da década de sessenta houve que evitar o genocídio e criar as condições para uma solução política, esse esforço militar acabou por perder todo o seu sentido, na medida em que não foi convenientemente acompanhada no plano político em ordem a restituir o problema ao quadro dos seus verdadeiros factores. E assim se foi prolongando uma situação sem base ética que levou os militares que naquele esforço se empenharam com alto sentido da verdadeira dimensão da Pátria e de fidelidade à causa dia justiça, a marcar desassombradamente a posição que culminou com a arrancada de 25 de Abril».
«Aliás compreende-se que treze anos de guerra no clima de uma política caracterizada pela carência de autenticidade, tenham conduzido a posições de irreconciliação que estão na base do ambiente de desconfiança criado. Houve, portanto, que atentar nas características específicas do actual contexto socio-político e que acelerar o início do processo formal de descolonização, embora sem prejuízo do seu natural processamento no plano prático das responsabilidades de apoio técnico, económico, financeiro e cultural. Temos de reconhecer que, em tal clima, outra solução mais ortodoxa e formalista poderia ser considerada atitude paternalista e contraditoriamente dos princípios que propugnamos. Os povos africanos, como muitas vezes afirmei, são perfeitamente capazes de, por si sós, se institucionalizarem politicamente e de defenderem a sua própria liberdade».
«Chegou o momento de o Presidente da República reiterar solenemente o reconhecimento do direito dos povos dos territórios ultramarinos portugueses à autodeterminação incluindo o imediato reconhecimento do seu direito à independência. Precisando melhor, para que não restem dúvidas sobre a importância histórica do momento e a clareza de quanto afirmamos, quer essa declaração significar que estamos prontos a partir de agora a iniciar o processo da transferência de poderes para as populações dos territórios ultramarinos». (…) «Poderemos assim ficar no Mundo de cabeça erguida; pois que ao praticarmos este acto de fidelidade ao reconhecimento do direito das gentes, celebramos afinal a mais difícil das vitórias sobre nós próprios, sobre os nossos erros, sobre as nossas contradições. É pois este o momento histórico por que o País, os territórios africanos e o mundo ansiavam: a paz na Africa Portuguesa, finalmente alcançada na justiça e na liberdade. Porque neste momento cessaram as razões dos combates, as forças de um lado e outro poderão dar-se as mãos como camaradas de armas de nações irmãs do Mundo lusíada. A essas novas Nações, a nascer de Portugal, cuja vocação foi a de dar mundos ao Mundo, cabe-nos desejar que tudo façam para que o seu sonho se não desencante, e a liberdade, a democracia, a multirracialidade e o progresso social por que anseiam sejam uma realidade e não apenas uma motivação explorada por terceiros. Que saibam distinguir o Povo português do regime que o dominou durante meio século; que a justiça por que lutaram se reforce na dupla responsabilidade que assumem.
Não hesitará em relação a esses novos países em assumir as suas responsabilidades. Dar-lhes-emos, na medida das nossas posses, todo o apoio de que carecem. Portugal continuará sendo, para todo o cidadão dessas jovens nações, uma segunda Pátria, como é já para qualquer cidadão brasileiro. Em troca esperamos apenas continuar unidos por essa convivência sem preconceitos que faz de cada português um cidadão do Mundo. E pela língua em que sempre nos entenderemos.
“A salvação da questão ultramarina permitirá que se devolva às tarefas da paz e do progresso todo esse caudal de potencialidade, consumido ao longo de treze anos de uma guerra sem finalidade. Esse passo é dado na altura própria. Adiá-lo seria flagrante negação de nós mesmos. Não foi fácil, porém, conservar a independência de espírito que presidiu a esta decisão». (…) «Reentramos no mundo após um ostracismo de mais de uma década, reentramos com o orgulho de quem soube honrar uma tradição histórica e reintegrar-se na sociedade das nações. Possibilitamos, enfim, o quadro de pleno desenvolvimento dessa vasta comunidade espiritual e humana a que Gilberto Freire chamou o mundo que o português criou». Saiba o Povo Português colher deste facto a lição que encerra sem alardes de comício sem esse aviltamento da condição humana que decorre da agressão psicológica, sem as manifestações degradantes da consciência cívica através das quais o Homem responsável se anula perante a multidão. Cumprimos no momento próprio a nossa palavra, prosseguindo firmemente nas realizações que hão-de conduzir Portugal à Democracia e à Liberdade conscientemente praticadas. Termino formulando a todos os povos de expressão portuguesa os votos fraternos de um rápido e harmonioso desenvolvimento na Paz. Que a língua comum que falamos e quanto de bom houve em cinco séculos de convivência sejam garantia de que se manterão ao longo do tempo os laços de amizade que lhes não negaremos. E que cultivem, sem prejuízo de individualidade própria, os traços tão profundamente humanos dessa maneira lusíada de estar no mundo que constitui a verdadeira essência do Povo que nos orgulhamos de ser. Finalmente, que nesta hora grande da História da Pátria, as nossas comuns esperanças de paz, de justiça social e de progresso continuem a ser o sustentáculo da nossa fé num mundo melhor. Viva Portugal!», terminava a transcrição.

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Não aos fascistas
“25 de Julho de 1974, em Lisboa, mais de 100 mil pessoas gritaram em uníssono: NÃO À REACÇÃO, NÃO AOS FASCISTAS”, conta-nos a Gazeta. É que “apesar de ser já do conhecimento dos nossos leitores, não pode a Gazeta das Caldas deixar de referir, em termos muito breves, a extraordinária manifestação de apoio ao 2º Governo Provisório da II República. Mais de 100.000 pessoas, na sua maioria do PCP, do PS, do PPD, do MDP, e ainda do MJT e MDM, concentraram-se no Estádio 1º de Maio, em Lisboa, para manifestarem o seu total apoio ao novo governo”, conta o jornal, recordando que “discursaram Mário Soares (PS), Miller Guerra (independente, sem partido), José Felicidade Alves (MDP), Magalhães Mota (PPD) e Álvaro Cunhal (PCP). Mas mais importante e animador que os discursos foi o entusiasmo, a confiança, a força que o povo demonstrou, que nos garante o triunfo da democracia e a construção de um país novo e digno, que nos garante que O FASCISMO NÃO VOLTARÁ!”.
O jornal da terra notava ainda que “Caldas da Rainha esteve presente através de uma excursão organizada pela secção do Partido Comunista nesta cidade, e pelo MDP. Um dos cartazes das Caldas lançava o «slogan» que todo o povo repetiu: «O EXÉRCITO E O POVO FARÃO UM PAIS NOVO!”.
Acrescente-se que Caldas da Rainha também esteve “representada” na figura do padre José Felicidade Alves.

 

A F.A. Caiado
Relativamente à F.A.Caiado, esta semana a Gazeta traz um comunicado conjunto da Administração e da Comissão dos Trabalhadores da Empresa
“Na reunião que teve lugar no dia 26 do corrente mês, no Regimento de Infantaria 5, da cidade de Caldas da Rainha, a Administração e a Comissão de Trabalhadores chegaram a um acordo total. A Administração e os Trabalhadores congratulam-se pela forma como decorreram as negociações”, lê-se.

Cortes de luz na Foz
Na Foz do Arelho os cortes de luz levaram a protestos dos comerciantes. O jornal conta que “a Camara tenciona iniciar obras na rede eléctrica da Foz do Arelho, no sentido de reforçar essa rede, o que há muito se mostra ser necessário. Assim, os comerciantes da Foz foram avisados, através de uma circular, que a luz iria passar a ser cortada das 14 às 16 horas. Tal atitude provocou a indignação dos comerciantes, que vão ser arbitrariamente prejudicados. De facto, trata-se da hora de ponta, em que mais necessitam dos frigoríficos e das máquinas de café. De notar que para estes comerciantes o seu negócio se reduz praticamente à época da praia, em que o próximo mês é exactamente o mês de mais afluência. Estranho que num assunto como este os comerciantes, que tão duramente vão ser atingidos, não tenham, de modo nenhum, sido ouvidos. Não será possível passar esse corte da luz para a parte da manhã, por exemplo, das 8 às 10 horas? Tratando-se de um trabalho que se vai prolongar por vários meses, porque não iniciá-lo depois da época de praia? Deixamos estas interrogações no ar, e acentuamos a gravidade de medidas que, como esta, põem de lado os interesses de sectores significativos da população do concelho”.
Na mesma página, em seguida, a Gazeta aponta para uma “medida insólita: caixotes de lixo sem fundo na praia”. É que “foram instalados na praia recipientes onde deviam colocar-se sacos de papel para a recolha do lixo na praia. Acontece porém… que os sacos não apareceram, pelo que os recipientes do lixo… não têm fundo, e portanto, não têm qualquer utilidade. Depois de várias reclamações parece que o problema vai ficar resolvido, o que não impede, porém, de nos considerarmos no dever de chamar a atenção para factos deste género, que não contribuem de modo nenhum para desenvolver o país e a região da Foz do Arelho. Por outro lado, faz-se também notar que o sistema dos sacos de papel para a recolha do lixo supõe uma constante substituição dos sacos, uma vez que, com o calor, não só o fundo dos sacos se vai deteriorando e deformando, como o cheiro proveniente do lixo não será muito agradável… À atenção de quem de direito”.

Pequeninos nadas
Esta semana nota para um cartoon de Figueiredo Sobral contra as armas, mas também para a publicação de um perfil de Leonel Cardoso sobre o Henrique dos jornais, personagem característica das Caldas da Rainha que havia falecido recentemente.
“Há coincidências curiosas! Existiram nas Caldas duas figuras populares, ambas boas e simpáticas, embora de características diferentes e ambas com o mesmo nome… HENRIQUE! Uma, ainda a encontramos todos os dias, a todas as horas, em todos os locais. solícito, delicado, perguntando-nos pela família, informando-se do nosso estado de saúde, da Senhora e dos meninos e pronto a prestar-nos qualquer serviço. A outra, infelizmente desaparecida desta sua cidade natal, o HENRIQUE DOS JORNAIS a quem a «Gazeta das Caldas» num dos seus últimos números, muito justamente, prestou a sua homenagem, pela pena cheia de humanidade, de António João Freitas. Apesar disso, apeteceu-me voltar de novo à Gazeta, aos meus pequeninos nadas para reproduzir uns versos e uma caricatura que aqui foram publicados em 5/9/1967 assinalando, à semelhança de outros jornais da capital, os seus cinquenta anos de ardina! Ao reproduzi-la, apenas sugiro que lhe acrescentem mais duas redondilhas, feitas agora ao ler emocionado, a notícia do seu falecimento”, lê-se, antes de um poema:
“Cinquenta anos a gritar,
p’rós jornais apregoar,
numa voz forte e roufenha…
admira que resista
o mais velho «jornalista»
desta cidade estremenha.
Mas resiste, felizmente,
e percorre, sorridente,

com a sua boina à espanhola,

os mais distantes locais,
com revistas e jornais
na sua velha sacola.
Mas o que mais enternece
e pouca gente conhece,
são os sentimentos nobres
deste homem pobre e de bem
que, do pouco que ele tem…
faz muito em favor dos pobres!
E’ por isso, com prazer,
que aqui lhes vimos trazer,
com seu ar bonacheirão
o HENRIQUE, o «jornalista»,
que embora sem dar na vista.
é homem de coração!…

P. S. Julho de 1974

Usou sempre, atrás da orelha,
um cravo de côr vermelha,
que lhe dava ar juvenil…
Foi, pois, ele o percursor
do uso dessa flor…
no 25 de Abril!…
Este «pequenino nada»
chega a ter certa piada
e traduz esta verdade:
– O HENRIQUE, esse homem bom,
conseguiu o raro dom
de em todos deixar saudade!…”, escreveu Leonel Cardoso.

Para a semana trazemos mais artigos escritos a chumbo. Até lá.

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