Baseada num documento de 1507, dá a conhecer a Confraria do Espírito Santo, a sociedade de então e permite recriar um quarteirão dentro da vila, no final da Idade Média
Apresentado a 19 de outubro, no Folio, o livro “Tombo e Compromisso da Confraria do Espírito Santo da Vila de Óbidos” reúne o conjunto de bens daquela confraria que esteve na génese da Santa Casa da Misericórdia de Óbidos, fundada em 1511. A obra, que os historiadores Ricardo Pereira e João Pedro Tormenta acreditam ter sido escrita em 1507, foi mandada fazer por D. Leonor e tem a chancelaria do rei D. Manuel I. Constituído por 16 fólios, os investigadores só possuem 15, pelo que não lhes é possível identificar o nome do autor.
Ainda assim, destacam a sua “riqueza” histórica, que lhes permitiu encontrar 50 topónimos de origem medieval, da vila e arredores, bem como identificar o nome de quase meia centena de pessoas que viveram em Óbidos, há cerca de 500 anos, e as respetivas profissões, caracterizando a sociedade desse período.
A minúcia do documento possibilitou-lhes também “reconstruir um quarteirão medieval dentro da vila”, permitindo ter uma ideia de como seria parte de Óbidos no final da Idade Média. Essa reconstrução foi feita, na prática, pelo arquiteto e elemento da mesa administrativa da Misericórdia, José Duarte, que pegou na descrição do documento e desenhou a capela, a albergaria (que tinha a função de prestar assistência aos doentes mas também aos passantes, em peregrinação), a adega, casa grande, quintal interior, mas também uma grande olaria. Este quarteirão ficaria localizado na zona que compreende a Igreja da Misericórdia, antigo Hospital e a Casa de Malta.
“O Tombo podia ter sido escrito hoje, parece a descrição de um prédio na Conservatória, com as confrontações, localização e o tipo de terreno”, explicou José Duarte, acrescentando que eram também indicadas as medidas, ainda que em varas.
Aquele que é o segundo documento mais antigo de Óbidos tem a descrição de todos os bens da Confraria. Estes tinham a particularidade de se situar, sobretudo, no lado direito do concelho, verificando-se que do lado do mar, o território praticamente não era habitado, concretizou José Duarte.
De acordo com João Pedro Tormenta, trata-se de um documento de transição. “Escrito sobre as albergarias e os hospitais da Confraria do Espírito Santo, que vêm da Idade Média, faz uma passagem para o futuro, que é a obra da Misericórdia”, explicou. O historiador falou também do carácter centralista imposto por D. Leonor à vertente assistencialista, num passo de modernidade.
O livro agora lançado aborda ainda o aparecimento e difusão do culto do Espírito Santo, que foi muito importante na Idade Média, e que em Óbidos existiu até às lutas liberais. “Temos documentação suficiente para saber como o culto era feito aqui em Óbidos, nomeadamente a sua principal festividade na vila”, salientou o historiador.
Esta é a 17ª publicação da Santa Casa da Misericórdia de Óbidos e, no próximo mês, será lançada mais uma obra. O seu provedor, Carlos Orlando, lembrou a importância que a mesa administrativa tem vindo a dar ao arquivo e património da Santa Casa, a par das respostas na área social. E deixou mesmo uma proposta: “a Misericórdia de Óbidos gostava de ser uma das pioneiras a sugerir a 15ª obra de misericórdia, para a proteção e divulgação do património das misericórdias”.
O responsável lembra a dedicação da fundadora das misericórdias, a rainha D. Leonor, à educação e à cultura, destacando que a monarca possuía a maior biblioteca do país. ■