Carlos Enxuto celebra 30 anos de carreira com prémio na Bienal de Aveiro

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O ceramista Carlos Enxuto no seu atelier onde se dedica à sua obra
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O ceramista Carlos Enxuto assinalou os seus 30 anos de carreira no mesmo ano em que foi distinguido no mais importante certame internacional de cerâmica que se realiza em Portugal: a Bienal de Aveiro. Nos últimos cinco anos, o caldense tem-se dedicado a um nicho de mercado criando serviços para chefes de cozinha.

É no seu atelier, situado no Bairro da Ponte, que Carlos Enxuto se dedica ao seu trabalho. “Aqui o tempo passa a correr”, disse o ceramista que teve disponibilidade para conversar com Gazeta das Caldas enquanto decorria uma fornada no seu forno gás. De vez em quando, a conversa parava para o autor efectuar reduções, necessárias à cerâmica de alto fogo a que se dedica. “No meu dia-a-dia vou atrás do barro e não ao contrário”, disse o ceramista, acrescentando que não há hora para começar e acabar. “Acho que não aguentava tantas horas de trabalho se fosse de outra maneira”, comentou o autor que recordou que tudo começou em 1988 com um curso de caricatura no Cencal, uma formação modular que lhe levou nove meses. Enxuto tinha então 26 anos e não tinha ainda tomado decisões sobre o seu futuro: fazia mergulho, ginásio, ajudava o pai no seu negócio.
Hoje acha que poderia ter escolhido ir para a ESAD. “Reconheço que é importante pois pode ajudar-nos a ver de outra maneira”, disse o autor em relação à frequência do ensino superior. Por outro lado, quando contactou com um livro norte-americano sobre cerâmica de alto fogo percebeu que era ali que estava o seu caminho.
No Cencal, valeu-lhe também grande reconhecimento quando criou uma das peças mais interessantes daquela formação: Mário Soares de gabardine inspirado nas suas Presidências Abertas. “Fui-me libertando de amarras estéticas e passei a trabalhar mais a cor”, contou o autor que ao longo do seu percurso se foi interessando cada vez mais pela matéria e explorando continuamente a pesquisa sobre a cor. Igualmente importante era entender “como funciona a chama dentro de um forno”, contou Carlos Enxuto que usa técnicas orientais para dar expressão às suas obras de cerâmica de alta temperatura. A sua investigação pessoal detém-se na cerâmica milenar chinesa e coreana e também japonesa.
O barro, ao ser uma matéria de forma, “podemos transformá-la e levá-la aos limites sem que ela se transforme numa panqueca dentro do forno”, contou o autor que, em 2018, se lembrou de despir as suas peças de cor e enquanto que este ano fez um estudo sobre as diferentes variações do branco.
Carlos Enxuto tanta trata o barro como se fosse uma rocha, como o mesmo lhe serve de base para usar as técnicas mais recentes de fotografia digital. Esta última técnica permite “decalcar em cerâmica com muita qualidade, o que nos permite usar imagens no barro”, disse.

Premiado em Aveiro

2019 foi um ano em grande para Carlos Enxuto. Além de estar a comemorar 30 anos de carreira, recebeu o segundo prémio da Bienal Internacional de Aveiro, certame para o qual concorreram 246 ceramistas, oriundos de 37 países. Ter ganho esta distinção para o caldense foi também “uma espécie de encerrar de um ciclo, ou melhor de um ponto de chegada” pois ao longo do seu percurso profissional, sempre trabalhou para que fosse reconhecido o facto de ser possível aliar a inovação e o respeito pela tradição.
“Não ligo muito aos prémios. Gosto de fazer o meu trabalho e fico feliz deste ser reconhecido”, disse Carlos Enxuto que foi distinguido pela peça “Olhar sem Ver”, uma obra em que o autor chama a atenção para o facto de muitas vezes “passarmos pelas coisas sem as vermos verdadeiramente”.
Pela primeira vez, o evento de Aveiro teve a chancela da Academia Internacional de Cerâmica e os dois primeiros prémios tiveram entrada directa para aquela entidade internacional. Também apreciou a exposição referente à bienal e da Enric Mestre que “é uma das minhas referências no que diz respeito à cerâmica de alto fogo”, disse, acrescentando que o barro permite que seja possível criar os mais variados tipos de peças, da escultura ao utilitário. E tem sido esta última área que Carlos Enxuto tem desenvolvido pois tem criado serviços e peças de mesa para vários chefes de cozinha para Portugal e Espanha. Há cinco anos fez um trabalho para um chefe em Barcelona e posteriormente foi convidado para trabalhar com o chefe Guilherme Stalk para desenvolver todo o serviço para o projecto de restaurante que funcionou na Pensão do Amor, no Cais do Sodré, em Lisboa.
Os profissionais visitam o atelier do autor e pedem-lhe peças especificas ou trabalham em parceria criativa. Carlos Enxuto tem desenvolvido também a área do mural ou seja continuando a desenvolver a sua escultura cerâmica.
Em muitas das suas obras, é a Natureza que inspira este autor. E tanto pode reproduzir um cardume no seu mural escultórico como em seguida está a dar o aspecto de rocha a um prato ou inspirando-se numa lapa para criar uma tigela. E esta sua capacidade tem sido elogiada por quem cozinha e que até lhe tem pedido para criar peças para pratos específicos.

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Caldas,
uma Cidade Criativa

“Ao fim de 30 anos, vou esperar para ver”, disse Carlos Enxuto, satisfeito com o reconhecimento das Caldas como Cidade Criativa da Unesco. “É uma oportunidade muito boa de dar um salto de transformação”, acrescentou o autor que espera que os agentes que vão trabalhar com autores – ceramistas e outros – deverão poder auxiliar e potenciar o facto da cidade agora pertencer a esta rede internacional. O autor referiu que chegou a receber visitas guiadas e ganhar zero. Quem vive das suas encomendas, explicou, “não pode despender meio dia de visitas e não vender nada”. Na sua opinião, é necessário planear as acções, apostar em espaços de venda onde é importante que se distinga o trabalho de cada um dos autores.
“Assisti a algo menos agradável que foi o facto de tudo o que era cerâmica ter passado para a Zona Industrial”, disse o ceramista que chegou a ser quase o único a ter um atelier de cerâmica no meio da cidade. Hoje a tendência inverte-se e a cerâmica está a voltar para o centro das Caldas, com a presença e o aparecimento de mais oficinas. Quando montou o seu atelier há várias décadas teve o cuidado de seguir várias normas europeias tais como o facto do seu forno não fazer qualquer barulho e por isso tem vizinhos naquela artéria da cidade que não sabem que ali funciona um atelier de cerâmica. Carlos Enxuto recicla todos os materiais cerâmicos com que trabalha. “O mais difícil é reciclar o gesso”, contou o autor que leva os seus velhos moldes a reciclar a uma empresa especifica.
Carlos Enxuto é presença regular na Arte da Terra, um espaço em Lisboa onde se promovem várias vertentes do artesanato contemporâneo. O autor que em 1990 recebeu o prémio Recuperação de “Formas Tradicionais” no concurso de Design Cerâmico das Caldas da Rainha, só vende peças numa loja em Lisboa e na loja da Gazeta das Caldas. Também foi um dos autores que fez parte da colecção de cerâmica contemporânea deste semanário, com a obra “Aqua Mater”, uma obra relacionada com a matriz identitária da cidade.

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