Mercado russo, que estava a crescer na região, “desapareceu”, mas as consequências mais graves podem ser a nível interno com escalada do custo de vida
O setor da hotelaria e turismo viveu dois anos de dificuldades com a pandemia de covid-19 e agora, que estava a voltar a valores próximos do pré-pandemia, a invasão da Rússia à Ucrânia e o conflito armado que já se estende por mais de três semanas está a criar uma nova ameaça ao setor.
Há consequência diretas, com o “travão” do turismo russo, que estava em crescimento na região, mas as mais graves poderão ser as consequências indiretas. É que a escalada de preços e escassez de produtos ameaçam não só a sustentabilidade da operação das empresas como a consequente subida do custo de vida poderá voltar a fazer abrandar a procura interna.
“O mercado russo era já notório na região, é óbvio que, agora, russos só temos os que vivem cá, ou em países europeus, como ainda tivemos um este fim de semana que veio de Espanha”, diz Carlos Martinho, gerente do Hotel Josefa D’Óbidos e que é, em simultâneo, presidente da associação comercial Óbidos.com.
Além do congelamento do turismo russo, o empresário realça que também se nota a ausência de reservas de mercados vizinhos da Rússia e da Ucrânia, “porque as condições aéreas não são as melhores”. “Se fosse perto de nós, também não arriscaríamos viajar”, nota.
Mas essas não serão, para o empresário hoteleiro, as consequências mais negativas da crise no leste europeu. “Com a subida do preço dos combustíveis, pelo menos os portugueses vão deixar de se deslocar, é algo que estamos a antecipar, entre outras coisas”, afirma. “Se a alimentação também encarecer, porque o combustível afeta tudo, tememos ondulações sérias no mercado nacional”, adverte.
Este é um cenário que também preocupa António José Rodrigues, diretor do EXE Hotel Óbidos, que também se localiza no concelho de Óbidos, mas fora da vila, até porque a unidade tem uma maior dependência do mercado nacional. Nesta fase, esta unidade não tem tido cancelamentos, “o que estamos a sentir é o estancar de procura. Creio que os danos possam sentir-se mais no longo prazo do que já”.
Aumento de custos
A questão dos preços tem, igualmente, consequências diretas na operação das próprias unidades. “Ao nível das compras já estamos a sentir aumentos, por exemplo no pão na ordem dos 20%, mas se subirmos os nossos preços 20% isso também vai estancar a procura”, realça, acrescentando que há efeitos imediatos, por exemplo, nos eventos que já têm orçamentos fechados e nos quais a margem de lucro vai baixar ou desaparecer. Além disso, António José Rodrigues nota que, ao fim de três semanas de conflito, já há falta de produtos nos fornecedores, “a um nível que nunca tinha assistido”.
Carlos Martinho refere que estes problemas surgem numa altura em que o setor estava a recuperar da crise causada no setor pela pandemia. “Este mês já está a ser melhor e em abril temos um crescimento expressivo de reservas”, afirma. Nesta altura, no Hotel Josefa D’Óbidos ainda não se observa cancelamento de reservas dos clientes internacionais, mas tanto o conflito, como a ameaça de novas vagas da pandemia podem colocar essa recuperação em causa. “Isso seria mais uma ‘facada’, que pode ser a derradeira para muitas empresas. Vamos ver o que o [Vladimir] Putin tem mais na manga, entrarmos numa guerra mundial, em cima da covid-19, seria uma desgraça”, adverte.
Cenário idêntico acontece no hotel dirigido por António José Rodrigues. “Estávamos a sentir retoma depois dos dois anos de para, arranca, com bons ritmos de marcações e a fazer muitos eventos e não sei se estes passos atrás não serão mais graves do que os que demos coma pandemia”, afirma. Isto porque, durante a pandemia, o encerramento dos hotéis por decreto deu acesso a apoios do Estado, que não estarão garantidos nesta fase. “Ninguém nos vai dizer para fecharmos, pode é não haver procura”, realça.
Isso pode, no limite, levar as unidades a “tomar decisões complicadas, trabalhar no limite do exequível, do sustentável, prevejo tempos que podem ser complicados”, lamenta.
Segundo os dados mais recentes do INE, em janeiro deste ano as dormidas no Oeste quase triplicaram em relação ao ano passado, com um total de 34.592 face às 12.074. Um número, mesmo assim, abaixo dos 50.590 do mesmo mês no ano de 2020, o que significa que, apesar da recuperação do setor na região já se sentir efetivamente, ainda está longe dos números antes da pandemia.