2020 Ano entre parêntesis…

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Na História da Humanidade irá aparecer o ano de 2020, como o ano entre parêntesis, onde tudo pôde acontecer de imprevisto e nada aconteceu do que estava previsto, ou quase nada.
2020 é um número redondo, como se costuma dizer, ainda por cima bissexto, em que estava prevista a realização do acontecimento mundial desportivo que comemora a Paz e até este evento foi adiado e certamente será realizado em 2021: as Olimpíadas.
No momento em que escrevo, 24 de Março deste ano de todas as incertezas, a expectativa mundial ao nível da saúde das pessoas, ainda não está bem descortinada, pois apesar de na China, de onde a pandemia teve origem, provavelmente por um acto gratuito de imprevidência popular, no resto dos continentes a doença alarga-se e parece não ter limite.
Só na literatura de ficção ou no cinema de horror, algum criador mais lúgubre ou maléfico poderia imaginar uma situação de horror e de incerteza absoluta como esta, tanto para ricos como para pobres, para poderosos como para párias, para cientistas como para ignorantes, para gentes do hemisfério sul como do hemisfério norte, do Ocidente como do Oriente, das democracias como dos países autoritários.
Feliz ou infelizmente a lógica da coisa, se ela existe, é totalmente ilógica, havendo em tudo um grau imenso de imponderabilidade e de medo, pelo desconhecido que está na nossa frente.
Tanto a situação sanitária vai estar duramente marcada para os próximos tempos, como a situação económica e social, não vai ter igual, não se podendo utilizar qualquer modelo anterior, para saber o que se deverá ou poderá fazer no futuro.
Quando a crise económica de 2008/09 surgiu nos Estados Unidos com o Subprime e a Lemon Brothers logo muitos, especialmente especialistas, recordaram a crise de 1929 da Grande Depressão, que era sugerida como indicador e marcador do que não se devia fazer para evitar males maiores. Mesmo assim, as marcas profundas que atingiram, há uma década, a sociedade e muitos países quer do mundo desenvolvido, como do menos desenvolvido, teve um custo elevadíssimo e ainda hoje estão muitos a pagar duramente as consequências.
Desta vez, e estamos a escrever como que num instante onde tudo deflagrou e ainda não se conhecem mais que as consequências iniciais da pandemia, em que morrem diariamente centenas de pessoas em países que se julgava assegurada a segurança e a qualidade de vida. Se e quando a pandemia chegar, com igual intensidade, aos países onde estas condições básicas não existem, iremos fazer o balanço de tudo.
Quando se continuam a gastar milhões em guerras, conflitos e outras adversidades, criadas pelo engenho ou malvadeza de uns, verifica-se que a Natureza consegue, certamente involuntariamente, mas como consequência de tudo o que nós lhe temos feito ao longo de milénios, mostrar quem é que determina o desígnio das coisas.
Acreditamos piamente na papel dos Homens na Sociedade e nos avanços científicos e tecnológicos que o mesmo Homem tem desenvolvido aos longo de toda a história da Humanidade. Mas quando alguns dos mais sapientes nos dizem que estamos a ultrapassar os limites, como tem sido feito nos últimos anos com a ameaça das alterações climáticas, ainda há uns “cérebros perturbados”, para não lhes chamar outra coisa mais feia, que tentam desmentir as evidências científicas.
Com o surgimento desta pandemia, assistimos incrédulos a tanta irracional decisão, a tanta incoerente afirmação, a tanta estúpida afirmação, de tantos que se julgam portadores da verdade e das certezas. Mesmo nas nossas comunidades próximas e nas nossas rodas de amigos e conhecidos, assistimos e lemos afirmações que demonstram uma total insensibilidade e muitas vezes ignorância, talvez fruto dos medos e dos temores daquilo que não conhecem (ninguém conhece) e que tanto temem, que até acreditam em tudo o que lhe dizem sem qualquer sentido.
Quando chegarmos ao final deste período catastrófico, mas de uma catástrofe mole, de certo modo doce, até pacífica para a maioria enquanto não é atingido pela mácula, poderemos (os que lá chegarem) fazer uma análise retrospectiva e avaliar todos os erros cometidas, todas as imprevidências vividas, mas será difícil escrever a história ao contrário.
Igualmente vemos hoje uns quantos apregoarem que se deve gastar à tripa forra, como se não tivesse de haver limites para o racional, para amanhã mandarem pedras e acusarem todos aqueles que oportunisticamente se aproveitarem no momento e que outros pactuaram com isso. Não esqueçamos, a um nível muito inferior, o que se passou com a tragédia dos fogos e da reconstrução.
A pior forma de terminar uma reflexão é não saber o que dizer mais para concluir eruditamente com um pensamento positivo que possa satisfazer o seu leitor. Neste caos acabamos com a perplexidade de quem ainda compreendeu pouco do que se está a passar e que só se espanta (porque já não se indigna) com tanto egoísmo, inveja, hipocrisia, desonestidade intelectual, ganância e insensibilidade.
Contudo, para descanso das nossas consciências vemos, simultaneamente tantos, que pondo em causa a sua segurança pessoal e o seu conforto, demonstram cabalmente a sua bondade, compaixão, coragem, gratidão, humildade, solidariedade e respeito pelos seus semelhantes. Afinal no meio disto tudo o Mundo até tem gente boa!

Caldas da Rainha, 24 de Março de 2020