
Moçambicano veio às Caldas da Rainha para encerrar a exposição que esteve patentena Casa dos Barcos
Veio “cheio de medo”, mostrar os trabalhos que produz às Caldas, “a cidade dos mestres”, disse João Donato, o moçambicano que trocou a pesca pela cerâmica no encerramento da exposição “Esperamos a noite ser” na Casa dos Barcos, no Parque D. Carlos I. Apreciador da cerâmica caldense, o artista considerou que a presença na cidade lhe permitiu confrontar com o trabalho de grandes artistas.
Foi com o apoio do Teatro da Rainha que o ceramista, de carreira internacional, teve oportunidade mostrar a sua cerâmica que contas histórias recentes relacionadas com a sua vida pessoal e com o que se passa no seu país, nomeadamente com a violência a que está exposta a população de Cabo Delgado, ainda sujeita aos ataques de terroristas islâmicos.
A exposição, que esteve patente durante um mês na Casa dos Barcos, foi um sucesso com visitas de grupos de várias escolas do concelho das Caldas.
“Estou inchado de vaidade!”, afirmou o artista, quando soube que a mostra tinha sido visitada por gente de todas as idades e que teve oportunidade de conhecer de perto as 57 peças organizadas nos núcleos “Dormindo com cobras”, “Escondidos nos mangais” e “Nos caminhos do mar”.
Estes três referem-se apenas à situação que se vive em Cabo Delgado. Mas há outros núcleos como “1972 – Alojamento Temporário” cujas peças já foram apresentadas na exposição “Itinerários”, no Centro Cultural Português em Maputo. Neste trabalho, João Donato reproduziu em cerâmica as várias prisões por onde passou, quando andou “nas aventuras ligadas à independência” do país.
As peripécias são inúmeras, como naquela vez em que viajou para a Zâmbia, mas foi apanhado por não ter documentos.
Além de ter sido preso, também foi expulso “como acontece hoje aos imigrantes ilegais que chegam à Europa”, referiu o artista que, com 19 anos, se tinha juntado à guerrilha que lutava pela independência de Moçambique. Fê-lo por “estar cansado de ver as injustiças e as desigualdades que existiam” no país.
Em 1974, João Donato estava em Lisboa, a tentar “dar o salto”, mas a chegada da independência às antigas colónias fê-lo mudar de ideias e regressar ao país de origem.
Da pesca para a cerâmica
A vida profissional de João Donato começou na pesca artesanal. Tinha, inclusivamente, carta de moço pescador e, durante vários anos, esteve ligado a este tipo de pesca específico em Cabo Delgado nos idos anos da década de 1980.
“Depois senti algo dentro de mim que me levou a deixar a pesca…Sentia-me um serial killer de peixes…”, contou este autor à Gazeta, enquanto mostra uma peça relativa a esta época da sua vida e que designou “Máquina Assassina de Peixes”.
O moçambicano abandonou, entretanto, a atividade e passou a trabalhar em pesquisa social e estatística. A vida trouxe-lhe a perda trágica do seu filho de 19 anos, num acidente de mota e o autor decide partir para o Brasil, onde tinha uma filha a estudar. “Fui para me sentar no colo dela e para procurar algo que me desse paz de espírito e que me ocupasse mãos e mente….”, contou. E foi na cerâmica que encontrou a necessária terapia e o que é certo é que nunca mais a largou. “É viciante… É pior que cocaína!”, referiu o ceramista, que viajou depois para Londres onde estudou e trabalhou como técnico de cerâmica até 2011.
“Percebi nessa época que já sabia o suficiente para contar as minhas histórias com barro”, contou este ceramista que regressou a Maputo, onde agora vive e trabalha.
João Donato conta atualmente com 11 exposições individuais dentro e fora do seu país e tem participado em várias exposições colectivas no Brasil, Moçambique, Portugal, Reino Unido e Suécia.
“Quero voltar!”
Durante os dias em que veio às Caldas para o terminus da mostra, o artista visitou vários espaços caldenses, o Parque, as termas e fez, também, algo que muito lhe agrada. “Andei pelos ruas sozinho, apreciando as lindas fachadas das casas”, contou.
Entre os museus da cidade, foi o da Cerâmica que mais encantou João Donato. “Gostei muito da coleção, mas precisaria no mínimo de uma semana para me sentar, pensar e criar as minhas histórias em relação ao que vi….”, afirmou, lamentando que o tempo disponível não lhe tenha permitido visita mais demorada. Mas assegura que quer “voltar!”
Antes das Caldas, João Donato expôs estas peças em Coimbra, no Centro Cultural Penedo da Saudade do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC). Agora foi convidado para realizar nova exposição em Tomar.