Nas Caldas da Rainha choveu com intensidade na passada sexta-feira, mas a água que até provocou uma enxurrada nas ruas da cidade não passou de uma simples gota em relação às necessidades, atendendo ao cenário de seca que se tem agravado ao longo deste ano. No final de Outubro, 80% do território nacional estava em seca extrema – Oeste incluído – e o restante em seca severa. Se por enquanto as consequências ainda são reduzidas e não está em causa o abastecimento aos lares, caso chova pouco no resto do Outono e no Inverno, as próximas campanhas agrícolas podem ser afectadas.
O principal problema que a falta de chuva tem criado na região sente-se à superfície: as charcas que os agricultores utilizam para regar as suas culturas estão completamente secas e os leitos das barragens estão em níveis muito baixos.
As chuvas dos dois primeiros dias de Novembro não tiveram grande influência sobre este problema. O mês passado foi o mais seco dos últimos 20 anos e foi também o Outubro mais quente desde 1931, segundo os dados publicados no resumo climático do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Emídio Silva, engenheiro agrícola, diz que tem clientes preocupados com a próxima campanha “porque têm a charca vazia e sem água não terão fruta”.
O problema não afecta tanto os produtores que têm furos para captação de água, mas mesmo esses já começam a ter níveis de água baixos.
Emídio Silva nota que esta é uma questão cíclica e recorda que no Inverno passado também se verificou, mas depois as chuvas de Abril foram suficientes para reencher as charcas. “Os calibres das culturas de sequeiro foram bons”, realça, acrescentando que nesta fase o que se sente “é mais a insegurança e ansiedade que se gera em relação ao ano que vem”.
Se chover dentro dos parâmetros normais no que falta do Outono, então no Inverno e na Primavera, o problema deixa de se verificar. Mas caso a seca se mantenha ou agrave, os próprios lençóis freáticos também vão ser afectados. É que à medida que estes descem, sobe o nível de sais na água. E embora não seja ainda de prever que na região falte água nas torneiras, nem que esta se possa tornar imprópria para consumo, o mesmo não se pode dizer em relação à rega porque as plantas são mais sensíveis à presença desses sais.
O engenheiro agrícola diz também que no Oeste o problema não é tão grave como noutros pontos do país. Por exemplo, nas zonas onde se cultivam cereais “há um investimento feito nas sementes e em adubo e se não chover os prejuízos são grandes”.
No Oeste, nesta altura, as culturas mais significativas são a couve e os bróculos, que necessitam de água, mas as parcelas plantadas são mais pequenas, o que também ajuda a controlar as necessidades de água.
O sistema de rega que está a ser construído para a barragem do Arnóia, em Óbidos, e que deverá estar a funcionar em 2019, será nessa altura mais um aliado para os agricultores da região para minimizar este tipo de questões, mas até lá só mesmo a chuva lhes pode valer.
MUITA ÁGUA DESPERDIÇADA
Carlos Mendonça, engenheiro agrónomo especialista na questão das águas, também tem recebido de vários agricultores o sentimento de preocupação em relação à falta de água. “Temos clientes a dizer que mais um mês sem água e começam a ter grandes prejuízos, e não há previsão de quando possa começar a chover”, alerta.
E mesmo que chova, há outra questão que pode dificultar a reposição dos níveis dos lençóis freáticos, que tem a ver tanto com a seca, como com os incêndios. “Não há vegetação na superfície e sem ela a água não se infiltra – vai escoando até chegar ao mar”, observa. Porém, este problema não se coloca tanto na nossa região, na qual os solos são mais arenosos.
O especialista em recursos hídricos e de rega diz que há um alheamento geral em relação ao problema da água porque “onde há gasta-se sem limite, só que os lençóis estão todos ligados”, pelo que o problema de falta de água numa região acaba por nunca estar isolado, observa.
Carlos Mendonça aponta o dedo directamente aos resorts de golfe da região, nomeadamente o West Cliffs (no Vau), que “tinha como condição aproveitar água da ETAR do Casalinho, mas a mesma entidade [Câmara de Óbidos] que disse que o campo tinha que aproveitar essa água, agora permite que se regue com água boa para consumo”.
O mesmo se aplica aos sistemas de rega dos espaços verdes públicos, como jardins e rotundas. E até aponta uma solução. “Devia aproveitar-se a água das bombagens das caves de edifícios, que é boa e é encaminhada para os esgotos”. Carlos Mendonça refere mesmo o caso de dois clientes em São Martinho do Porto, onde em dois prédios o sistema de bombagem retira da cave cerca de 40 mil litros de água por hora que depois é desperdiçada.
“Só quando começar a faltar água nos furos é que as câmaras se vão preocupar”, lamenta, acrescentando que os bons políticos têm que saber prever e prevenir este tipo de problemas.
UM OUTUBRO
EXCEPCIONALMENTE QUENTE
O Resumo Climático do IPMA relativo ao mês de Outubro diz que este foi extremamente seco e excecionalmente quente em Portugal continental. Foi o Outubro mais quente dos últimos 87 anos (desde 1931), com o valor de temperatura média do ar cerca de 3° acima do normal. O mês foi afectado por duas ondas de calor, entre os dias 1 e 16 e entre os dias 23 e 30. Registaram-se novos recordes de temperatura máxima e mínima: no dia 15 os termómetros passaram dos 35º e houve noites com temperaturas acima dos 20º.
Foi ainda o mês mais seco dos últimos 20 anos com uma precipitação correspondente a menos de 30% do valor considerado normal.
A consequência deste cenário foi o agravamento do índice meteorológico de seca. Em Setembro, o mesmo boletim indicava que 11,5% do território estava em seca fraca ou moderada, 81% em seca severa e 7,4% em seca extrema. Um mês depois, 75,2% do território está em seca extrema (incluindo a zona Oeste) e o restante em seca severa.
O IPMA acrescenta que em situações de seca anteriores se verificou no início do outono “um significativo desagravamento da severidade”, exactamente o oposto do que sucedeu este ano.
Em relação ao Oeste, o panorama melhora quando se trata do teor de água no solo, que se encontra entre os 20% e os 40%, um dos níveis intermédios. Na zona do Valado dos Frades, onde a cultura de hortícolas tem muita expressão, o teor de água no solo sobe para entre os 40% e os 60%.
Vamos fechar a torneira à seca
O cenário de seca extrema que o país atravessa levou o Ministério do Ambiente a lançar uma campanha de sensibilização em conjunto com a Águas de Portugal, a Agência Portuguesa do Ambiente e o ERSAR para promover práticas de poupança de água.
“Vamos fechar a torneira à seca” tem por objetivo consciencializar todos os portugueses de que um minuto de desperdício de água é o suficiente para garantir as necessidades básicas diárias de 1 milhão de pessoas.
A campanha alerta que um minuto de torneira aberta representa cerca de 12 litros de água e que, se cada português mantiver a torneira aberta desnecessariamente durante esse tempo representa um desperdício de 120 milhões de litros de água.
A campanha vai estar em jornais, na rede multibanco, em canais digitais, na rádio e televisão, entre outros meios. Foi também criado um microsite (www.fecheatorneira.pt) que terá informação sobre a seca e conselhos úteis para utilizar bem a água.