
Primeira iniciativa da Agência Neves recordou Manuel Ginioux de Campos, antigo administrador do Hospital Termal das Caldas da Rainha
O cemitério de Nossa Senhora do Pópulo, nas Caldas da Rainha, foi o palco de uma iniciativa inédita que pretende dar a conhecer a história da cidade através das vidas de quem ali repousa. Promovida pela Agência Funerária Neves, a primeira visita guiada realizou-se no passado sábado e teve como figura central Manuel Ginioux de Campos (1803-1862), administrador do Hospital Real das Caldas da Rainha nos últimos anos da sua vida.
A visita foi conduzida pelo arquiteto, investigador e historiador Jorge Mangorrinha, que sublinhou a importância da valorização da arte funerária e da memória coletiva, comparando a experiência com visitas semelhantes que têm lugar noutras cidades e países. “A arquitetura cemiterial é cada vez mais valorizada, não só em estudos científicos, mas também através destas visitas que resgatam figuras esquecidas e reforçam a identidade das cidades”, explicou.
Manuel Ginioux de Campos, natural de Coimbra, foi recordado como um homem com fortes convicções liberais, que chegou a ser preso pelas suas ideias políticas. Fugiu da prisão com a ajuda da irmã, exilando-se em França e depois na Inglaterra, onde permaneceu até à restauração do regime liberal em Portugal, em 1834. Regressado ao país, exerceu vários cargos ligados à administração pública e ao comércio, antes de se retirar para a sua propriedade nas Caldas da Rainha, na Quinta das Laranjas.
Durante o breve período em que esteve à frente do Hospital Termal, Ginioux de Campos foi responsável por chamar o engenheiro Pedro José Pézarat, que tinha já desenhado os banhos de São Paulo, em Lisboa. O plano original previa um único edifício balnear com internamento, mas Ginioux considerou-o megalómano e propôs uma separação inovadora: um balneário dedicado aos tratamentos e outro espaço para internamento — ideia que antecipa o modelo moderno dos serviços de saúde termal.
“Foi o primeiro impulso concreto para separar banhos e internamento nas Caldas”, explicou Jorge Mangorrinha, sublinhando que esse projeto visionário acabaria por influenciar a arquitetura local, nomeadamente edifícios com frontões característicos do século XIX. Alguns desses edifícios, como os antigos Pension Hotel Cautelas e Hotel Palace, hoje abandonados ou em ruína, seriam descendentes indiretos dessa visão termal.
Arte, memória e património
Além do percurso biográfico, a visita guiada serviu para destacar a importância artística do espaço cemiterial, cuja estética atravessa diferentes períodos. “Esta sepultura tem uma estética de meados do século XIX, muito distinta das mais modernas aqui ao lado”, notou o historiador, apontando para contrastes entre jazigos tradicionais e outros de traço mais contemporâneo.
A iniciativa da Agência Funerária Neves visa tornar regulares estas visitas guiadas, recuperando a memória de outras figuras que moldaram a história das Caldas da Rainha. A proposta insere-se numa tendência crescente de turismo cultural e de valorização patrimonial, que já ganhou expressão em cidades como Porto e Lisboa. “Via vários cemitérios com visitas, e ficava um bocadinho triste de nas Caldas não haver, porque há aqui muita memória”, sublinhou Jaime Neves, promotor da iniciativa e que está já a preparar a próxima, que poderá acontecer dentro de um mês.