Visto da Foz: Óbidos,1973 – uma decisão a caminho

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Alberto Costa
advogado

Cerca de um mês antes da reunião do movimento dos capitães em Óbidos, tinham-se realizado, a 28 de outubro de 1973, «eleições» legislativas. Completam-se agora cinquenta anos. As três opções submetidas a votação em Óbidos tinham ficado assentes, numa reunião anterior, no rescaldo dessas «eleições», que aparecem muitas vezes omitidas, ou minimizadas, nos relatos da conspiração.
Estava longe e obviamente não posso testemunhar acerca do modo como elas decorreram. Mas há elementos suficientes para saber que foram «eleições» duras, com permanente contestação da guerra colonial, na linha das prioridades definidas no III Congresso de Aveiro, muita repressão – e com a oposição democrática a concluir, lucidamente, e ao contrário de 1969, não haver condições mínimas para a ida às urnas. Com isso desafiou mesmo uma fantástica penalização da desistência – suspensão dos direitos políticos por cinco anos – surgida no «Diário do Governo» à entrada da campanha!
Há relatos da PIDE/DGS (um, pelo menos, já publicamente referenciado e datado de 5 dias antes da reunião de Óbidos) mencionando a presença de grupos de oficiais do Exército, à civil, em sessões da campanha oposicionista …e indo ao pormenor de referir que aplaudiam quando os oradores condenavam a guerra colonial.
Isto permite compreender melhor que uma das opções submetidas à consulta (além da via das reivindicações profissionais, a mais votada, e o golpe de Estado) andasse à volta de «eleições fiscalizadas pelo Exército» – e porventura também que tivesse sido, das três, a que recebeu menos votos. O que se acabava de viver era elucidativo.
Não constituindo ainda a maioria, a reunião tornou visível – a começar, aos próprios participantes – que um número muito elevado de oficiais do Exército já tinha visto e vivido o bastante para só ver a saída no golpe de Estado. Em sintonia, também por votação, escolhia-se ao mesmo tempo, como chefe desejado para o movimento, o próprio Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas em exercício, general Costa Gomes (e não Spínola, que ficaria muito distanciado). O nome então adoptado para o movimento – Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA) – não sendo ainda o que ficou para a história, revela bem, por seu lado, o propósito de alargar o movimento à Marinha e à Força Aérea, então ainda de fora.
Já se sabe que os órgãos de soberania não faltarão em Óbidos na comemoração dos 50 anos. Importa que a mensagem que dessa comemoração saia, para ser hoje inspiradora, seja tão aderente aos factos conhecidos que nos possa surpreender e impressionar, ainda, pela verdade. O Primeiro-ministro disse no Chile, referindo-se à reunião de Alcáçovas do movimento dos capitães em setembro de 73 – cito da imprensa – que «há uma certa ironia nisto. Dois dias antes do golpe de Pinochet, os militares portugueses reuniram-se para derrubar a ditadura e devolver a liberdade». Haverá que reconhecer que em Óbidos, em 1/12/73, foi dado um passo mais, de grande relevância, nesse caminho – mas a decisão e, sobretudo, o conteúdo político e programático que viria a assumir ainda vinham a caminho. Parafraseando a célebre frase de Gramsci, só a verdade é digna de comemoração. ■ vistodafoz@gmail.com

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