“Há duas realidades em Óbidos: uma dentro das muralhas e outra fora das muralhas”

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Três décadas depois de ter sido vereador da Cultura, eleito pelo PS, Luizinho Leal está de regresso à cena autárquica em Óbidos, como cabeça de lista da CDU. Em entrevista, define prioridades e faz uma radiografia dos principais problemas do concelho

O candidato da CDU à Câmara de Óbidos ambiciona chegar ao executivo municipal para fazer a diferença no próximo ciclo eleitoral no concelho. Em entrevista, apresenta as prioridades para um mandato em que pretende fazer história e levar a CDU, pela primeira vez, a ter assento no executivo municipal.

O que leva um antigo vereador do PS há mais de 20 anos a candidatar-se, agora, pela CDU à Câmara?
Esta candidatura surgiu na sequência do desafio que me foi colocado, há quatro anos, pela CDU no sentido de poder colaborar na candidatura à Junta da Amoreira. Fiquei surpreendido com o convite, mas não podia dizer que não e fui eleito para a Assembleia de Freguesia. Desta feita convidaram-me para a Câmara e respondi que aceitaria se não tivessem mais ninguém. Assim aconteceu. Venho um pouco maltratado da política, pois quando saí em 1989 da vereação sofri algum ostracismo. Não gosto de políticos, mas olhei para aquelas pessoas, que me parece que vinham com boas intenções, e, se ajudei paróquias, ajudei muita gente, não era por terem a foice e o martelo que não iria ajudá-los. Participei na vida autárquica da Amoreira, onde considero que fiz um trabalho discreto e muito eficaz. Como costumo dizer, vamos trabalhar por dentro das instituições. Alugo a minha propriedade intelectual e a CDU dá-me um espaço para exercer um dever de cidadania.

E que propostas concretas tem a CDU para apresentar ao eleitorado?
O social é a minha prioridade. Óbidos é um concelho que tem tem pobreza. Mas é uma pobreza encapotada, envergonhada, que, por vezes, contradiz os grandes eventos. Em Óbidos há duas realidades: uma dentro das muralhas, para inglês ver, e outra um pouco abandonada e em que falta investimento nas sete freguesias. E tenho de olhar para as pessoas que lá vivem com pensões baixas e com uma economia muito à base dos serviços e com uma agricultura em declínio. Se me perguntam como vou resolver isto? Respondo que é através da educação, da arte e da cultura.

A CDU nunca elegeu um vereador para o executivo municipal. Acredita que é desta?
Não sei. O cenário é muito adverso. A CDU tem tido uma votação a rondar os 400 votos e precisamos de mais de 600 para eleger um vereador. Era importante que acontecesse, para que possamos ouvir o povo, reflitamos e apresentemos propostas na Câmara. A política autárquica está empestada com maus vícios e más práticas. Não trago vícios. Quero contrariar esta tendência, quero ajudar a resolver problemas das pessoas e não faço promessas. Aliás, o verbo prometer é proibido para mim. Trago apenas empenhamento, disponibilidade e vontade.

Também nunca houve tantas candidaturas à Câmara. Isso pode colocar em causa o objetivo?
De certo modo, sim. A candidatura do BE vai, provavelmente, subtrair à nossa. Mas não peço votos. O facto de haver seis candidaturas pode transformar o cenário eleitoral em Óbidos.

Há um processo que se arrasta e que tem a ver com a Lagoa de Óbidos. O que tem falhado? Vontade política do Governo ou falta de capacidade reivindicativa do poder autárquico?
Costumo dizer que há Ministérios que são impenetráveis: a Saúde, a Educação, o Ambiente. Por vezes, o poder local mostra os seus alaridos, mas não consegue mudar nada, porque alguns Ministérios não permitem. Desde 2004 que se desenrola a candidatura da Lagoa de Óbidos a área ambiental protegida, mas a CDU tem na sua posse um estudo, datado de 2014, que resolveria muitos problemas e está na gaveta. Por que não avança? Talvez porque limita a construção nas margens… E de onde vem a grande receita dos municípios? Do IMI. Sei que houve um candidato que falou da compra de uma draga pelas Câmaras, mas isso é um disparate.

E em relação aos empreendimentos de luxo construídos junto à margem sul? É a favor ou considera que são um atentado ambiental?
Fui escuteiro e tenho uma relação especial com a natureza. Temos de preservar a natureza. Repare na desmatação que foi feita… O limite já foi ultrapassado e não sei como vamos fazer para corrigir o problema. Mas há 200 mariscadores que dependem daquela Lagoa e sei que alguns admitem migrar para o Alqueva. Andamos a brincar com coisas sérias. A covid-19 veio autoregular a humanidade e temos de estar atentos aos sinais.

“Venho um pouco maltratado da política, pois quando saí da vereação sofri ostracismo”

“Há uma pobreza encapotada, envergonhada, que contradiz os grandes eventos”

 

É um homem das artes, foi vereador da cultura. Como analisa a política cultural do concelho e de Óbidos?
Não gosto de políticos, embora tenha tido uma boa relação com os presidentes de Câmara. Mas considero que muitos políticos, quando estão no poder, ‘embebedam-se’ com o poder e, depois, ‘tontos’, fruto da bebedeira, fazem disparates. Não consigo aceitar que Óbidos não tenha um vereador da Cultura. Fui vereador da Cultura em tempos muito adversos [1986-1989], com um orçamento anual de 1.500 contos [7.500 euros], mas tínhamos um festival de música antiga, em parceria com a Gulbenkian, e foi assim que a Câmara de Óbidos começou a ganhar notoriedade. Hoje em dia, não concordo com estes eventos e não entendo a necessidade de ter uma Óbidos Criativa. Precisamos de um vereador da Cultura e não de fazer uma empreitada a uma empresa. Para mim, não é necessária uma Óbidos Criativa.

Falemos de saúde. Onde deve ser construído o novo Hospital do Oeste?
É mais um Ministério impenetrável… Pergunto por que razão Óbidos não tem um Centro de Saúde que abre às 08h00 e fecha à meia-noite? Ajudaria a evitar que as Urgências das Caldas ficassem ‘entupidas’. Sobre o Hospital, queremos é que ele seja construído. Onde? Para nós é indiferente. O importante é que venha o mais rápido possível.

A desertificação da vila é um tema recorrente. Que soluções tem a CDU para resolver o problema?
Nos Censos de 2011, a população ativa no concelho era de cerca de 5.300 e a população pensionista, em 2017, era de 4.700 pessoas, num concelho com 10 mil eleitores. Há uma desertificação evidente. E os concelhos à volta de Óbidos têm mais eleitores. Se isto se mantiver, e porque a agregação de municípios é uma inevitabilidade, o concelho de Óbidos vai ser ‘engolido’. Caldas continua a ter muita hegemonia em Óbidos e muito por culpa de nós, obidenses, que fomos incompetentes. Mas a desertificação não é apenas na vila. É também no concelho. E num concelho de litoral… Tem muito a ver com a política de habitação.

Falou da agregação de municípios, mas não deveriam os municípios trabalhar mais em parceria?
Deveriam trabalhar em conjunto em vários domínios, nomeadamente nos transportes e na educação. No caso da Lagoa de Óbidos, temos um problema grave, que é o da pressão urbanística. As Câmaras das Caldas da Rainha e Óbidos deveriam abordar estas temáticas em conjunto.

Que opinião tem sobre a nova NUT?
Para mim é uma forma de descentralização encapotada, mas que pode ser positiva se os nossos autarcas estudarem bem os dossiês e forem capazes de se articularem. Como sabemos, dois terços do investimento dos municípios é feito com fundos europeus. E isso, na perspetiva de uma nova NUT, pode ser vantajoso para os concelhos. ■

“Defendo um turismo cultural e não o turismo de chinelo”

Contrário à política dos grandes eventos, quer colocar os obidenses “a pensar”, despertando uma consciência cívica

Luizinho Leal aponta outros caminhos para a economia do concelho, que não se resumam ao turismo. Aliás, para o candidato da CDU, há uma inflexão que é necessária para este setor e que ficou mais patente com a crise provocada pela pandemia.
“Sou adepto de um turismo cultural, que não seja o turismo do chinelo e da mochila. Sou adepto de um turismo que não seja pela compactação dos turistas”, advoga o cabeça de lista da CDU, para quem Óbidos “tem uma riqueza enorme que os outros concelhos não têm: um castelo”. “E uma riqueza histórica que está a ser negligenciada, por causa dos grandes eventos”, sustenta.
Admitindo não ser “nenhum Messias”, mas com vontade de “apresentar ideias”, Luizinho Leal, que nasceu na Serra D’El Rei, há 66 anos e foi eleito para a Assembleia de Freguesia da Amoreira há quatro anos, quer colocar os obidenses a refletir sobre o futuro do concelho.
“A proposta que faço é pensar, para que as pessoas tenham consciência cívica”, sublinha o candidato, que trabalhou na Câmara de Óbidos com Pereira Júnior, um presidente que “defendia o concelho”, mas que tinha “um odiozinho com as Caldas”.
“Também defendo o meu concelho, mas podemos estudar pontos de convergência e dirimir divergências”, salienta o professor, homem ligado às artes, que foi franciscano e para quem é “fundamental avaliar o que se faz”, pensando em estratégias de atuação que permitam “diminuir a pobreza” no concelho: “Sei que esta palavra pode chocar muita gente, mas é a verdade”.

Candidato diz que é fundamental avaliar as decisões políticas

Esta entrevista pode ser ouvida amanhã, sexta-feira, na antena da 91FM e vista nas redes sociais da rádio e da Gazeta durante o fim de semana.
Na próxima edição, o entrevistado é Vítor Marques, candidato do movimento Vamos Mudar à Câmara das Caldas da Rainha. ■