A liberdade de imprensa e os seus limites na Gazeta antes e depois da revolução

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Alvo da censura durante o Estado Novo, a Gazeta das Caldas já foi alvo de alguns processos por abuso da liberdade de imprensa após a revolução de 25 de Abril. Mas nunca foi condenada

A passos largos a caminho do centenário, a Gazeta das Caldas já viveu quase tantos anos sob um regime de liberdade de imprensa como em tempos em que esta era, apenas, uma miragem.
A censura que vigorou durante o Estado Novo, visou as páginas da Gazeta, como de tantos outros títulos nessa altura em que a liberdade de expressão era limitada.
Defensor dessa liberdade de expressão, a redação tentava encontrar, com algum engenho, formas de evitar o lápis azul, o que lhe valeu alguns processos. “Houve conflitos com a censura a certa altura, que conheço por ter ido aos serviços de censura da Torre do Tombo”, conta o atual diretor, José Luiz de Almeida e Silva.
Sem as tecnologias que permitiam o envio das páginas do jornal via rede de telecomunicações, que só chegaram mais tarde, o jornal tinha que seguir para o censor, em Leiria, por autocarro. “Intencionalmente, ou não, por vezes as provas iam atrasadas e o jornal saía antes de ser analisado, o que até levou a algumas queixas contra o jornal, mas nunca deu em nada”, recorda o diretor.
Estas queixas não ficaram sem resposta. Também a direção do jornal fez queixas à União Nacional, partido que suportou a ditadura, por perseguição ao jornal, “o que demonstra bem como funcionava o regime…”, comenta José Luiz de Almeida e Silva, recordando que artigos visados até continham “críticas muito ingénuas”, mas que acabavam por ser visados, “porque eram vistos por alguém que não percebia o teor do que estava escrito”.
Escrever numa altura em que o conteúdo dos jornais era censurado era duplamente penalizador. Primeiro, porque quem escrevia já procurava fazê-lo de modo a que os artigos passassem, o que já lhes retirava algum rigor em temas mais sensíveis. E depois porque, mesmo assim, ainda acabavam por ser cortados.
A Revolução de 25 de Abril trouxe a liberdade total. “Cada qual escreve o que quer”, sublinha José Luiz de Almeida e Silva, embora isso possa ter, depois consequências.
O jornal enfrentou, no período pós-revolucionário, alguns processos por abuso de liberdade de imprensa, o primeiro ainda em plena década de 1970, já como o atual diretor na direção do jornal. “Foi um litígio numa grande empresa de refrigerantes das Caldas. Publicou-se uma carta de uma parte dos sócios e a outra parte interpôs um processo por considerar que o jornal tinha publicado factos que não eram verídicos”, recorda José Luiz de Almeida e Silva. O jornal foi ilibado, até porque não fez nenhuma interpretação dos factos, limitou-se a ser palco dessa expressão de um dos lados. Depois desse, houve mais alguns, “não muitos”, nota o diretor da Gazeta, e quase sempre por artigos de opinião de colabores externos e não por artigos produzidos pela redação.
“Tentamos sempre ouvir todas as partes, em relação aos diversos temas”, de modo a que a liberdade de imprensa não entre em conflito com os direitos das entidades envolvidas no facto noticioso, reforça. O que não impediu de até a rubrica Zé Povinho, sem paralelo na imprensa regional e que tem um tom satírico, ter suscitado queixas na Entidade Reguladora da Comunicação…
O cuidado que o jornal tem em proteger os direitos e liberdades chega ao ponto de, ao contrário do que sucede na esmagadora maioria dos títulos, pedir o contraditório na rubrica “Correio dos leitores”, sendo esta outra marca identitária da quase centenária Gazeta.
Nos últimos anos, as ameaças de processos por abuso da liberdade de imprensa têm diminuído. “As pessoas começaram a perceber que a liberdade de imprensa é um valor, e deixou de haver essas reações”, acredita o diretor da Gazeta, que associa, também, este dado à ascensão das redes sociais, onde as críticas “são mais violentas e as pessoas têm poucos meios para se defender”.
O que José Luiz Almeida e Silva não tem dúvidas é que, entre ter artigos visados pela censura ou alvo de processos por abuso de liberdade de imprensa, a segunda hipótese será sempre a escolha. ■

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