Alfredo

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Nuno Ricardo Fernandes
professor universitário

Quando fecho os olhos, consigo escutar o ritmo da leitura do meu avô Alfredo. Baixo, quase para si, mas percetível para quem estivesse no mesmo espaço.
Na verdade, como aconteceu a tantos na sua época, o seu tempo de escola foi curto. A vida de então assim o exigia. Talvez com alguma sorte, a arte de juntar letras e depois palavras desenvolveu-se com a ajuda de um padre, o que fez com que a leitura de jornais nacionais e locais passasse, para sempre, a fazer parte da sua vida. Talvez, por isso, ritmo cadenciado de uma leitura sussurrada, a que me habituei desde cedo.
Este seu costume passou, também, a fazer parte da minha vida. O hábito de ler, de seguir com atenção a informação pela televisão, sendo, em dias de chuva, as viagens de carro para a escola acompanhadas da rádio, quase sempre à procura da notícia.
Tudo isto, bem antes do ritmo alucinante de hoje, em que a informação é ao segundo e a urgência é voraz em ser o primeiro, mesmo que, por vezes, seja incompleta ou errada.
Na verdade, esta vontade de querer saber o que acontecia, não só na sua região, mas também no mundo, era, para o meu avô, uma forma de exercer a sua liberdade. Com ele, habituei-me a ler, a ouvir, a ver e, sobretudo, a ter um olhar crítico, sendo treinado pelas perguntas que então me ia fazendo. Sem o saber, desta forma, aplicou um fio de filigrana no que seria parte do meu futuro.
Na primeira década deste século, no nosso concelho, existiam 4 jornais locais. Hoje, o panorama é, infelizmente, diferente. Um único título continua a sair quinzenalmente para as bancas. Outro tornou-se digital e perdeu-se nas guerras políticas, inicialmente na oposição e, mais recentemente, na promoção da política do partido que sucedeu. O meu avô, com a morte dos jornais, diria que ficámos mais pobres no acesso à informação.
Por isso, a necessidade de olhar para a imprensa local regional em Portugal é imperativa. O Re/Media.Lab, da Universidade da Beira Interior, teve essa preocupação e, em setembro de 2020, apresentou um estudo, à então base de registos da ERC – Entidade Reguladora da Comunicação, tendo chegado à seguinte conclusão: dos 308 municípios portugueses, em 57 (18,5%) deles não existia qualquer jornal, rádio ou televisão registados. A maior parte destes municípios localiza-se na zona interior do país, zonas onde a desterritorialização é mais intensa e, por consequência, os vínculos entre a sociedade e o seu território de origem se quebram. Exemplo disso, é o distrito de Portalegre. Dos 15 concelhos, 7 não têm qualquer órgão de comunicação social.
Estes dados podem ser um ponto de partida, para se discutir a importância dos jornais e das rádios locais e regionais que subsistem em Portugal. São estes media que asseguram o espaço público de debate, questionando os poderes políticos, económicos e sociais. Através do seu relato, ao abordarem as virtudes e expondo os problemas sociais de cada localidade, apresentam uma alternativa discursiva aos media nacionais. Garantem, igualmente, o acesso à informação, acompanhando o debate político, como sucedeu, um pouco por todo o país, nas últimas eleições autárquicas. De igual modo, relatam as tradições de cada terra, assegurando, assim, a sua ligação à sociedade. Igualmente, funcionam como um repositório da memória coletiva. Com o seu relato de proximidade, ligam-se à população residente, e aos que, por diferentes razões, foram viver para outros locais.
Ao existirem, estes jornais, que relatam a proximidade, garantem um direito regular de liberdade aos seus leitores, reconhecendo-lhes estes um papel fundamental. ■

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