Comércio tradicional é a alma das Caldas da Rainha

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Lídia Matias é de Alenquer, mas vem às Caldas regularmente fazer compras

O comércio continua a ser um dos capitais de atratividade da cidade. Para os munícipes e para os visitantes

Catarina e Alexandra Ramos são da Matoeira, na freguesia de Vidais, e vieram às Caldas ao sábado de manhã. Um ritual que se repete todas as semanas. “Durante a semana trabalhamos, ao sábado vimos sempre às compras à Praça, ao talho, damos a voltinha a tudo”, refere.

“Precisamos de trabalhar todos juntos para que esta cidade, que já é boa, seja ainda melhor”

Maria João Luís

Este não é um ritual estranho. É algo que é uma característica marcada de uma cidade que é motivo de orgulho para os munícipes que residem nas freguesias rurais e que alimentam, também eles, a forte vertente comercial da cidade. E não é só ao fim-de-semana, como nota Carlos Silva, proprietário da Drogaria Aliança. “Durante a semana as pessoas vêm à cidade, por exemplo para ter uma consulta, e fazem as suas compras”, refere.
Catarina Ramos diz que, ainda mais nesta altura de pandemia, ir ao comércio tradicional “é mais fácil, porque há menos filas”. A jovem caldense diz que “é muito bom ver que as pessoas continuam a preferir a Praça aos supermercados”, uma tradição que dá vida à cidade.

“Os clientes das freguesias e dos concelhos limitrofes são fundamentais”

Dulce Tomás

Numa quinta-feira de manhã, encontrámos Lídia Matias, que veio de Alenquer de propósito para fazer compras. Veio com a mãe e diz que é um hábito que têm desde que se lembra. O que há de diferente nas Caldas é “o atendimento, muito mais personalizado” e a oferta de lojas, diferenciada da das grandes cidades, “onde parece que as pessoas andam todas com as mesmas coisas”. Quando cá vem, costuma passar uma manhã ou uma tarde inteira e não dispensa um passeio pelo Parque D. Carlos I.

“Nós sabemos o que as pessoas precisam, no supermercado não há isso”

Carlos Silva

Já o que atrai a alfacinha Lara Mendes foi uma visita profissional, mas encontrou uma loja que não há em mais lado nenhum e aproveitou para fazer compras. Conhece as Caldas há cerca de dois anos, no âmbito da atividade profissional no ramo da medicina dentária. Tempo suficiente para ter percebido, e elogiar, a dinâmica da cidade. “Há pessoas a morar no centro, o que é fundamental. Há uma aproximação da comunidade e tudo o que gira à sua volta. Tendo esse atendimento centralizado, as pessoas não precisam de procurar noutros locais e isso faz a cidade crescer”, destaca.

Aprimorar atendimento
A qualidade do atendimento do comércio caldense é um dos pontos mais destacados pelos clientes e é, também, ponto de honra para os comerciantes.
Pela Drogaria Aliança, que labora há mais de 100 anos no topo da Praça da Fruta, já passaram várias gerações de clientes e, embora o negócio já tenha visto melhores dias, o proprietário Carlos Silva diz que ainda há lugar para este tipo de comércio, porque há quem precise de ajuda na escolha dos produtos que vende e que não se encontra nas grandes superfícies. “Muitas vezes a pessoa nem sabe que produto precisa, diz para que quer o produto e nós vendemos, isso não acontece nos supermercados”, descreve.

“Temos uma oferta diversificada de comércio e serviços, isso é bom para todos”

Dores Figueiredo

A Tinturaria Lavandaria Press, de Dores Figueiredo, é outro exemplo cuja diferenciação é uma mais-valia. “O meu trabalho é mais com roupas de casamentos e de festas, como não há muitas casas a fazer isto, continuamos a ter os clientes, que continuam a vir de cidades como Leiria ou Torres Vedras”, afirma, acrescentando que a diversidade traz gente de fora e isso é bom para todos.
No negócio de Carlos Silva, estes já são tempos diferentes de há 30 ou 40 anos, “quando vendia aqui ao sábado de manhã 100 contos. Hoje é preciso uma semana para fazer isso”, refere. Mas é suficiente para manter a porta aberta.
Também Dulce Tomás, sócia-gerente da Túnica, empresa com mais de 50 anos de atividade no ramo da puericultura, refere que hoje o movimento não é o mesmo de outros tempos. A cidade perdeu, sobretudo, clientes das cidades de maior dimensão à sua volta, embora mantenha muita força junto dos concelhos mais próximos e das freguesias do próprio concelho, que são “preponderantes para o nosso comércio”, afirma.
A empresária considera que é preciso manter uma aposta clara no atendimento, mas também que é necessária uma maior união dos empresários para proporcionar uma experiência de centro comercial aos clientes, com as vantagens inerentes ao comércio tradicional.
Maria João Luís, proprietária da sapataria Bom Tom, também defende uma maior aposta na atualização dos comerciantes quanto ao atendimento, através das ações da associação de comerciantes (ACCCRO). “Temos que nos atualizar sempre, porque a exigência dos clientes está sempre a mudar e, se não soubermos acolher bem as pessoas, elas desaparecem”, adverte.
No caso da Bom Tom, Maria João Luís refere que ainda há clientes a vir de Santarém e Abrantes, cidade com dimensão, mas sem a variedade que existe nas Caldas. Algo que tem que ser valorizado. “Temos de nos unir todos, comerciantes e outros organismos para criar eventos e tornar esta cidade, que já é muito boa, ainda melhor”.

Estacionamento e acessibilidade
Habituados a conviver com a azáfama do comércio estão os caldenses, que veem na atividade uma mais-valia. Exemplo disso é Ana Oliveira, que vive no centro da cidade e diz que não faz compras noutro local. “É uma cidade com muito por onde escolher e ganha claramente com isso”, acredita.
Ana tem uma filha a estudar em Setúbal, que faz questão de trazer colegas para conhecer as Caldas. “Adoram o Parque, da Mata, da Praça da Fruta e aproveitam para fazer compras cá. Aliás, muitas vezes ela tem que levar coisas que lhe pedem”.
Jorge Céu não é caldense de nascença, mas adotou a cidade há 40 anos e sente que, se não for a dinâmica proporcionada pelo comércio, “a cidade morre”. Só lamenta que a restauração e as esplanadas não acompanhem as necessidades das pessoas que visitam a cidade ao domingo. Jorge Céu acredita que, hoje, a cidade “está muito bem, está uma cidade agradável de se viver”.
Mas estes dois caldenses não deixam de apontar falhas, que afetam o próprio comércio. Ana Oliveira refere que a falta de estacionamento no centro é “um problema grave”. Já Jorge Céu lamenta que as obras estejam a bloquear as entradas da cidade, “o que coloca problemas a quem não conhece”. ■

Eventos como o Natal dinamizam cidade e comércio

Uma das características que permite comprovar a importância do comércio no dinamismo da cidade é o facto de serem os próprios comerciantes, através da sua associação, a ACCCRO, a dinamizar alguns eventos que atraem visitantes, de entre os quais o programa de Natal é o mais relevante.
Luís Gomes, presidente da ACCCRO, fala da importância destes eventos “a vários níveis”, a começar na animação que proporciona aos próprios caldenses, que devem ser os primeiros a vivenciar a sua própria cidade. Mas o objetivo de eventos como a animação de Natal, os festivais gastronómicos e outros eventos pontuais, passa também por atrair visitantes para o comércio. “Ao realizar os eventos estamos a fazer coisas diferentes, a vender a cidade para o país inteiro, e com isso aumentamos as trocas comerciais”, afirma o presidente da ACCCRO, acrescentando que “o nosso foco é que a cidade se eleve como um todo”.
O dirigente associativo recorda que o comércio é uma tradição ancestral da cidade. “É a nossa essência, o saber receber bem as pessoas. Temos uma grande tradição na ourivesaria, na roupa, nos calçados, além de um conjunto largo de serviços”, nota Luís Gomes, que acrescenta, ainda, a importância da Praça da Fruta em toda esta dinâmica.
Mas a cidade, e o seu comércio, não se podem limitar a viver dessa identidade criada ao longo de muitos anos. “É preciso pensar na modernização do nosso comércio”, adaptá-lo às novas tendências, sem perder a tradição que o caracteriza, defende.
Luís Gomes acredita que essa renovação vai surgir, até porque “há renovação no nosso comércio, há jovens a surgir com projetos e ideias novas”, e também porque o comércio caldense se tem mostrado resiliente, mesmo nesta altura de dificuldade. “Em pandemia, chegámos ao número de associados mais elevado dos últimos 15 anos, o que é muito satisfatório”, destaca o presidente da ACCCRO.

Programa de apoio municipal
Tinta Ferreira, presidente da Câmara das Caldas, também destaca o papel fundamental que o comércio teve no desenvolvimento da própria cidade, desde os tempos da fundação.
“Desde a fundação como cidade termal, a perspetiva de acolhimento de pessoas levou a ter coisas para que estas usufruíssem. Assim nasceu e floresceu o comércio das Caldas”, lembra o autarca.
Apesar da proliferação de grandes superfícies, Tinta Ferreira acredita que foi fundamental para a preservação do comércio tradicional a cidade não ter acolhido nenhum centro comercial de grandes dimensões.
Nesta fase, com a pandemia, o presidente do município diz estar ciente das dificuldades do comércio, “mas temos a crença que, se a situação melhorar e a vacinação resultar, as pessoas vão reaver a sua vida”, o que resultará na recuperação dos negócios.
Tinta Ferreira adiantou que a autarquia está em vias de lançar um programa de apoio ao comércio e serviços, “dentro do que são as possibilidades do município, que será um contributo interessante para as empresas e é uma forma de sermos resilientes”. ■