João Matias e Carolina Mafra rumaram a Valência, na sua viatura, dispostos a dar o que tinham: a vontade de ajudar as vítimas que perderam tudo nas maiores cheias do século em Espanha
A notícia da devastação provocada pela tempestade Dana na província de Valência, a 31 de outubro, deixou em alerta o casal João Matias e Carolina Mafra. Têm amigos naquela cidade e contactaram-nos logo para saber se estavam bem. A resposta foi afirmativa, pois encontravam-se fora de Valência, mas outros amigos que já estavam a fazer voluntariado no local relatavam que as coisas eram “muito mais sérias” do que transparecia na comunicação social. Então o casal de namorados, que estava “sem compromissos” na altura, decidiu pegar no carro e partir para a zona da catástrofe, para ajudar quem precisava. Ele, residente na freguesia de Alvorninha, e ela, em Santarém, partiram na quarta-feira (6 de novembro) rumo a Valência. Ao aproximarem-se da zona sudeste da Espanha começaram a ver a autoestrada ainda cheia de lama, carros parados nas bermas, muita destruição e lixo acumulado. “Mas, quando entramos nas povoações, aí sim, percebemos o grau de destruição e o mais impressionante é que, passados cinco ou seis dias de ter acontecido a catástrofe, ainda estava tudo destruído”, conta João Matias, dando conta do atraso na resposta, por parte das entidades oficiais, àquela que é considerada a pior catástrofe natural que atingiu a Espanha neste século. Em poucas horas choveu o equivalente a um ano.
O primeiro dia foi o mais confuso, reconhece Carolina Mafra, porque não conseguiram encontrar um ponto de encontro de voluntários e acabaram por ser encaminhados para um dos sítios onde era necessária mais ajuda: Aldaia. Aí colaboraram na limpeza de uma escola e, no dia seguinte, seguiram de carro para Algemecí, para onde levaram mantimentos, a pedido do posto de distribuição da Cruz Vermelha, e foram ajudar a população na limpeza. “Ali sim, o nível de destruição estava noutro patamar, estava tudo virado do avesso, uma semana depois parecia que o desastre tinha acontecido no dia anterior”, recorda o jovem casal que, logo à entrada encontrou pessoas a remover carros e a esvaziar garagens, o que também fizeram. João Matias e Carolina Mafra ajudaram também a arrumar donativos num centro de reabilitação animal, que foi bastante afetado, e que agora está convertido em ponto de distribuição de mantimentos para diversas zonas.
“Estivemos a descarregar camiões, carregar fardos de palha… a ajudar no que era preciso. E não é necessário procurar muito, basta andar um pouco”, conta a jovem, acrescentando que depois regressaram ao centro de Aldaia, pelo lado sul e, voltando a deparar-se com a destruição, permaneceram a ajudar a limpar as ruas. “Senti que tivemos um momento de conexão com a população, estávamos todos a trabalhar em conjunto e havia pessoas a cantar e a incentivar”, recorda Carolina Mafra, dando nota do bom acolhimento que sempre tiveram.
“Perguntamos se precisam de mais duas mãos e toda a gente fica super grata e há muitos lençóis pendurados nas janelas a agradecer aos voluntários”, partilha, salientando que a mensagem que mais se vê é “Só o Povo salva o Povo”.
O casal regressou na passada segunda-feira a casa porque tem compromissos profissionais, mas a vontade era continuar em Valência para ajudar porque “sentimos mesmo ainda há tanto por fazer e as localidades estão ainda completamente viradas do avesso”. João Matias, de 30 anos, trabalha na área da hotelaria, e Carolina Mafra, de 28 anos, é educadora de infância. Já ambos tinham participado em ações de voluntariado, mas esta foi a primeira vez numa escala tão alargada, contam à Gazeta das Caldas.
Saúde pública é preocupação
Durante os dias em que estiveram em Valência ficaram alojados na casa dos amigos, pois de outra forma seria muito difícil ficarem instalados. “Existem muitos voluntários e é difícil acolher todos pois muitos dos equipamentos também ficaram destruídos”, reconheceu João Matias. O casal nunca se sentiu inseguro, mas também permanecia nos locais até ao anoitecer, uma vez que não tinha equipamento para poder ajudar à noite. As preocupações são, atualmente, a nível de saúde pública. “Agora começa a aperceber-se que o que se foi acumulando ao longo de todos estes dias começa a originar problemas e a primeira coisa que salta à vista quando chegamos é o cheiro nauseabundo”, conta Carolina Mafra, especificando que as pessoas estão em contacto direto com a lama, que está muito contaminada.
De regresso a casa trazem um sentimento de “impotência e de alguma revolta”, por verem a população sem o devido acompanhamento das autoridades. E foi também essa grande união, e revolta, do povo que conseguiram presenciar na grande manifestação de sábado à noite, que juntou mais de 130 mil pessoas a pedir a demissão do presidente do governo regional, Carlos Mazón, e responsabilidades na tragédia que já fez mais de 220 mortos na comunidade valenciana. ■