“Morte e Vida Severina” marcou há 40 anos jovens caldenses que integraram elenco

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“Morte e Vida Severina”, a peça de João Cabral de Melo Neto foi representada nas Caldas da Rainha, por um grupo de jovens estudantes da Escola Industrial e Comercial das Caldas da Rainha em 1972.
Este ano passam 40 anos desta representação e Gazeta das Caldas numa colaboração conjunta com a ESAD.CR, vai assinalar esta data a 19 de Abril, pelas 18h30, com uma sessão na escola que visa recordar como foi aquela experiência teatral, antes do 25 de Abril.
A sessão contará com o apoio cultural da Fundação Joaquim Nabuco, sediada no Recife – que funciona sob a égide do Ministério Federal da Educação e da Presidência da República brasileira – que autorizou a difusão do filme em banda desenhada intitulado “Morte e Vida Severina”, de Miguel Falcão e que dará início à sessão comemorativa.
“Morte e Vida Severina” foi representada em Portugal em 1966 pelo Grupo de do Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e que contou com música do então estreante, Chico Buarque. Quem assistiu a esta peça, na capital foi o caldense, Manuel Gil que no ano seguinte, depois de finalizado o curso de Engenharia Electrotécnica, veio para a sua terra natal, dar aulas na Escola Industrial e Comercial das Caldas da Rainha.
Propôs então a um grupo de finalistas a representação daquela peça, em 1966, que tinha obtido assinalável êxito no IV Festival Internacional de Teatro de Nancy (França) onde acabou distinguida com o primeiro prémio do teatro universitário.

Manuel Gil durante um dos ensaios na escola

Aquele docente, que dá um depoimento à Gazeta das Caldas sobre a encenação da obra, passadas quatro décadas, acabou por adaptar um pouco a história à realidade portuguesa, o que acabou por ditar uma representação única naquela escola caldense – o grupo e encenador tiveram que pedir guarida ao CCC – tendo a peça depois sido representada noutros locais da região e do país, como em Évora, no Festival do Teatro Amador.

Peça “uma obra-prima da língua portuguesa”

O caldense Manuel Gil tinha acabado de se formar em Engenharia Electrotécnica e começou em 1971 a dar aulas na Escola Comercial e Industrial. Tinha 24 anos.
Como estava ligado ao teatro universitário do Instituto Superior Técnico como actor e tinha ficado muito bem impressionado com a apresentação da peça “Vida e Morte Severina” não hesitou na escolha. “Era uma peça lindíssima e por isso decidi encená-la na escola”, disse Manuel Gil que então juntou um grupo, contando com alunos finalistas dos dois cursos da escola: Comercial e Industrial.
Recorda que a música desta peça, parte dela era cantada, pertencia a um estreante que era “completamente desconhecido”: Chico Buarque.  Uma das canções que despertou maior entusiasmo foi “Funeral de um Lavrador” tal como conta o livro que acompanha a colecção deste cantautor, que está a ser editada presentemente em Portugal pelo jornal Público.
Como tinha visto o espectáculo “quis encená-lo de forma diferente”, contou Manuel Gil acrescentando que uma

Algumas imagens da estreia da peça que decorreu em 1972 no ginásio da então Escola Comercial e Industrial das Caldas da Rainha

questão que se colocou de imediato era se “iríamos representar com sotaque brasileiro. Achámos que não. Concordámos que iria ser com  “pronúncia caldense””, disse o então encenador.
Houve ensaios da peça durante três ou quatro meses e nela terão participado mais de dezena e meia de pessoas. Interessante foi o facto dos participantes na peça terem incluído músicos e “contado com o apoio de estudantes e professores de outros sectores da escola, como dos trabalhos oficinais”.
Os fatos dos actores foram feitos em serapilheira e como dos adereços (a peça era feita em arena logo não tinha cenários) fazia parte um caixão, este foi feito nas aulas de marcenaria. A iluminação da peça contou com o trabalho dos alunos de Electricidade.
“Morte e Vida Severina” foi estreada no ano seguinte, no final do 2º período, no ginásio da escola. “Morte e Vida Severina” era representada em arena.  “Creio que nas Caldas foi a primeira vez que se apresentou assim uma peça. Não era nada usual”, disse o encenador. À primeira apresentação no ginásio da escola assistiram centenas de pessoas. “Estava muita gente e as condições sonoras eram péssimas”, relembrou.
Como a encenação de toda a peça – que retratava as más condições de vida dos migrantes no Brasil – foi feita na escola, “não tivemos que passar pela Censura”.
Se fosse para apresentar à cidade, no Teatro Pinheiro Chagas, “então teria que ir ao crivo”. As peças de teatro nas Caldas “estavam sempre todas retalhadas, frases que não podiam ser ditas e havia palavras que eram, pura e simplesmente, proibidas”.
“Morte e Vida Severina” foi representada depois no CCC ainda como alunos da escola numa sessão reservada aos sócios da colectividade caldense
“Houve pressões para não voltar a ser interpretada”, contou Manuel Gil acrescentando que o director Eduardo Loureiro, os apoiou para a representação mas não permitiu novos espectáculos.
“Foi por isso que fomos pedir depois para fazer a peça sob a égide do CCC (Conjunto Cénico Caldense)”, recordou Manuel Gil. O grupo queria continuar a representar pois a peça teve êxito e como tal merecia ser vista noutros locais do concelho e até fora. Assim foi representada nos Vidais, em Alfeizerão, na Usseira de Óbidos, no Bombarral e foi também apresentada em Évora.  No Festival de Teatro Amador realizado nesta cidade alentejana, o espectáculo foi apresentado no ginásio da escola técnica que “estava completamente lotado com as condições sonoras ainda piores  do que na escola caldense”.
Depois da representação, fazia-se sempre um debate. Mas esta sessão de partilha de ideias não chegou ao fim pois “fomos avisados de que estavam elementos da Pide na assistência a fazerem perguntas”, recordou Manuel Gil.
Manuel Gil que ainda encenou peças no CCC e mais tarde nos Pimpões considera a peça “lindíssima” tendo mesmo considerado “uma obra prima da língua portuguesa”.

Natacha Narciso

nnarciso@gazetadascaldas.pt