Crónicas de Bem Fazer e de Mal Dizer – LXX

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Gazeta das Caldas
Isabel Castanheira

VISITA ÀS CALDAS DE UM FOLHETINISTA DE MÉRITO

 

Júlio César Machado [1835-1890], nascido em A-dos-Ruivos, folhetinista e romancista fez toda a sua vida em Lisboa nos meios ligados à imprensa, desde revisor passando por tradutor e dedicando-se depois ao romance. Muitas vezes o destino das suas viagens era o que hoje apelidamos de Oeste, e deixou-nos um numeroso conjunto de textos em que as Caldas da Rainha são objeto da sua escrita. Como já sabemos Júlio César Machado era amigo de Bordalo Pinheiro, tendo inclusivamente sido seu padrinho de casamento.
Dos muitos livros que escreveu, em 1862, deu à estampa “Scenas da Minha Terra”, editado por José Maria Correia Seabra, situada na Rua dos Calafates, 110, em Lisboa. A páginas 32, passa a relatar:
“Em quanto às Caldas da Rainha, assim que eu lá chegava, a primeira coisa que fazia era ir procurar a Malhoa!

Nas Caldas há três hospedarias notáveis: a do Miranda, que é a melhor; a do José Paulo, que é sofrível; e a da Malhoa, que é detestável. Mas nem o José Paulo nem o Miranda são «históricos», e a Malhoa é «clássica»; logo escolho a Malhoa… Consta-me de mais a mais que o sr. José Estevão e Rodrigues Sampaio, é para ali que costumam ir todos os anos, e visto a Malhoa ter sido a parte política do jornal, que eu colaboro com mais efetividade, quero que ela tenha também o folhetim!
A Malhoa é uma velha pequena que propõe sempre bifes com salada para prato do meio, tem dois quadros na sala de jantar, representando a rainha Santa Isabel dando beija-mão, e um paliteiro de louça sobre a mesa, com a forma de um enorme coração sobre uma tripeça!…
Caldas da Rainha é inquestionavelmente uma linda vila; grave, vistosa, enfeitada. O passeio é cem vezes mais bonito que o de Lisboa: chamo um passeio ser bonito, ter muitas árvores e muita água; isto é, – muita frescura e muita sombra.
[…] O que poderia evitar-se com infinita vantagem para o passeio das Caldas, é a maldita azenha, que empesta o ar, e que faz que o passeio seria lindíssimo… se não cheirasse mal! Pela felicidade de quem me está lendo aqui empreendo eu já dois votos, – são a desejar-lhe que não caia nunca em duas coisas, servir de neto n’uma toirada, e tomar banhos das Caldas! Ah! Como aquelas águas são ascorosas! Tentei visitar o hospital, que é realmente um estabelecimento de uma utilidade infinita e de recomendável caridade, mas fugi a correr do primeiro quarto de banhos em que entrei: que atmosfera insofrível de noite de ingestão! O hospital tinha nessa ocasião cento e oitenta e três doentes; oitenta e três mulheres, e cem homens. Dispensei-me de os ver. Como é feio um reumático! E como devem ser feíssimos cento e oitenta e três reumáticos… reunidos!
Depois de visitar a rua da Olaria, em que há um ramo de porta em porta, como prometendo um futuro monumento a Baco; de examinar os clássicos bois de louça e as bilhinhas de segredo; de comer cavacas para me encher de «côr» local; e de visitar o club, que é no tempo dos banhos o ponto de reunião da sociedade elegante, dei Caldas por vista. Antes de a deixarmos, porém já que falei do club, consintam que eu registe uma circunstância galante: no club durante o verão, dança-se todas as quintas feiras por obrigação, e todas as noites por devoção: a 15 de Agosto dá-se o chamado baile grande: como a afluência é enorme, pede-se ao governo a casa da convalescença, contigua ao hospital, por mais espaçosa, e ali se dá a festa – do que resulta que o baile do club… não é no club!…”
Agora vou andar para aí de nariz no ar a ver se ainda encontro algum ramo pendurado numa porta, entro, e tomo um copinho, que faz frio…

 

Gazeta das Caldas
Júlio César Machado
1835-1890