Estudantes da ESAD exploram arquivo do Youtube para criar filme sobre o Antropoceno

0
1827
noticias das caldas
Os cinco alunos de Som e Imagem que criaram “Live Anthropocene”, acompanhados do docente Mário Caeiro | B.R.

O planeta está prestes a entrar numa nova era – o Antropoceno. Por isso, cinco estudantes da Escola Superior de Artes e Design criaram um filme que mostra precisamente a pegada que o Homem tem deixado na Terra. Em vez de filmarem, decidiram usar o arquivo do Youtube. O resultado tem nome: “Live Anthropocene”.

Designa-se Antropoceno e consiste na nova era geológica da Terra. A sua tese defende que os humanos substituíram a natureza como força ambiental dominante no planeta. Fenómenos como o aquecimento global, a acidificação dos oceanos, a construção de barragens, o crescimento da população e a escassez de recursos são exemplos que marcam esta nova época que, já tendo sido identificada pelos cientistas, ainda não é oficial na história do globo.
Foi precisamente com base neste conceito que Pedro Koch, Tiago Silva, Raquel Oliveira, Miguel Leitão e Olivier Maia – finalistas do curso de Som e Imagem da ESAD – criaram “Live Anthropocene”, um filme montado apenas com imagens do Youtube. A montagem de oito minutos foi exibida no pátio do Museu Bernardo, ao longo de três horas, no dia 20 de Janeiro.
“Este projecto surgiu porque tínhamos vontade de fazer cinema com imagens de arquivo e sabíamos que a internet está cheia de tanta coisa imprópria, que bastaria uma pesquisa para se encontrarem conteúdos chocantes”, explicou Pedro Koch, revelando que os jovens apenas utilizaram 30 segundos de cada vídeo do Youtube e que o filme produzido não poderá ser usado para fins comerciais, conforme diz a lei.
O estudante contou que o grupo assumiu que as imagens publicadas no Youtube são públicas, embora reconheça que em alguns casos lhes foi dada outra conotação. Por exemplo, os planos em que surgem pessoas a sorrir são provocatórios, pois induzem ao espectador que há seres humanos a rirem-se de realidades gravíssimas. Desastres naturais (como tsunamis), maus tratos a crianças e animais, os “filhos” de Chernobyl, bombas atómicas e Auschwitz são apenas algumas referências evidenciadas neste filme. Talvez por isso, os sorrisos que interrompem a sequência de desastres sejam mesmo desconfortáveis para quem está do lado da assistência.
Este não é, contudo, um filme apenas ecologista ou sobre o holocausto. “O nosso objectivo foi chocar e chamar a atenção para algo que está à vista de toda a gente, mas que ninguém vê. Não só ao nível da realidade, mas também dos conteúdos horríveis que estão online, acessíveis até a uma criança”, disse Pedro Koch, frisando que o principal desafio foi criar uma narrativa com cabeça, tronco e membros através de imagens dispersas pela internet. “Neste caso damos ainda mais valor à montagem, pois é graças ao sentido que lhes demos que estas imagens ganham força”, acrescenta.
Os estudantes tiveram o cuidado de começar o filme com imagens muito nítidas, avançando com outras de pior qualidade, precisamente para que a composição da curta transmitisse uma sensação de degradação (à semelhança do que está a acontecer com o planeta). Além disso, o som escolhido – do compositor Stockhausen – desperta sentimentos de tensão e angústia.
Mas a ansiedade começa desde logo antes de ver o filme: para chegar ao pátio do Museu, onde ocorre a projecção, o espectador vê-se obrigado a atravessar um corredor às escuras escutando apenas o som do filme. Inicialmente, os finalistas tinham em mente compor a música de “Live Anthropocene”, mas não houve tempo até à apresentação do projecto. Futuramente pretendem que o trabalho de sonoplastia seja feito ao vivo, simultaneamente com a exibição da obra.
O trabalho destes estudantes é também um “test-drive”, no sentido em que pretende testar as primeiras reacções das pessoas ao verem filme. “É curioso que ao início algumas riem-se, dos nervos, mas depois acabam por mudar a sua expressão para choque e desconforto”, revelou Pedro Koch. A opção de transmitir em “loop” (assim que os oito minutos terminam, a curta volta ao princípio) prendeu-se com o propósito de entrar na consciência dos espectadores. “É que normalmente as imagens que mais chocam são as agressões a crianças, mas o filme retrata outras situações igualmente graves. Para ter noção disso é preciso vê-lo várias vezes”, justifica.

“FIZERAM CINEMA SEM TER FILMADO”

Mário Caeiro, professor da disciplina Inovação e Empreendorismo (para a qual os cinco jovens apresentaram o filme), descreveu o trabalho dos alunos como brilhante e frisou que o resultado final compila uma série de conceitos, como a intervenção social e a ecologia. “Pedi que fizessem algo inovador e conseguiram. O mais impressionante é terem conseguido pegar em imagens de arquivo e montá-las desta maneira”, disse, acrescentando que as imagens são vistas com a bagagem de cada espectador: “uma pessoa com 50 anos tem uma visão diferente de alguém com 20”.
Para o professor, esta obra é um exemplo não só de “activismo cultural”, mas também de que o cinema pode sair das típicas salas para a rua. “É também a prova que se pode fazer cinema sem filmar, pois o olhar cinematográfico está presente”, realçou.