“No mundo digital não há comunidades enraizadas. Predominam as comunidades de partilha de interesses”, disse Luísa Arroz

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Luisa Arroz
Luísa Arroz falou sobre o espaço digital e as novas formas de comunicar
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De que forma é que mundo digital está a influenciar o nosso quotidiano? Há novas formas de estar por causa da internet? O cidadão que produz conteúdos e os coloca on-line está a mudar a forma de estar nas sociedades? A resposta a estas questões (ou a tentativa de  encontrar novas tendências) foi dada por Luísa Arroz, a 24 de Novembro, nos Capristanos, durante a terceira tertúlia do ciclo “O mundo mudou”, promovido pela associação Património Histórico.

“O mundo não só mudou como está em mudança, em transição”, disse Luísa Arroz, explicando que actualmente nos situamos algures entre as tradições passadas que “ruíram perante os nossos olhos” e algo que ainda está por chegar.
A oradora avisou que não vinha propor futurologias distópicas ou utópicas nem referir carros voadores ou máquinas pensantes num planeta Terra ambientalmente destruído ou salvo. Preferiu “reconhecer entre o nevoeiro algumas linhas de tendência desta época de transição que hoje se atravessa”.
Nos finais do século XX aprendia-se a paginar um texto, a escrever uma notícia num jornal, a construir uma música, ou a produzir um vídeo. Actualmente uma pessoa com um mínimo de literacia digital, “consegue sem dificuldades produzir qualquer um destes objectos”, disse a oradora.
Citando Andrew Keen, a convidada referiu que alguns autores falam do Culto do Amador, outros preferem rotular como a mass-amadorização da produção cultural. Ou num slogan simples mas que considera significativo: From Mass Media to the Media of the Mass.
Hoje em dia, qualquer pessoa – mais ou menos criativa mais ou menos literata ou analfabeta – consegue colocar o que cria nas redes sociais. E é este o novo espaço que é, em simultâneo, uma rede de distribuição de conteúdos gerados pelo utilizador. Referindo Zizek, salientou que a nova luta de classes hoje se constata entre quem detém estes meios de produção e está on-line e quem já não detém esses meios de produção e está off-line.
O lugar digital é agora um sítio sem fronteiras nem comunidades enraizadas nos lugares da tradição no qual predominam “comunidades de partilha de interesses”. Luísa Arroz sublinhou a máxima de Isaac Asimov – publicada num texto da Newsweek, em 1980 – que referia que “o anti-intelectualismo tem sido o fio constante tecendo o seu caminho através da nossa vida política e cultural, nutrido pela falsa noção de que a democracia significa que “a minha ignorância é tão boa como o teu conhecimento”.
Esta citação fez também sentido para a oradora na terça-feira das eleições norte-americanas, altura em que a sua esperança de que o século XXI iria ser o século da igualdade entre homens e mulheres se desvaneceu. E também faz sentido sempre que acompanha os conteúdos gerados pelo utilizador dado que nas redes sociais “nada distingue a minha ignorância do teu conhecimento ou vice-versa”. O que serve de distinção é o numero de “likes” e de partilhas. No fundo o que conta são as audiências, ou seja, o tráfego gerado a partir dos conteúdos colocados on-line.
Entre outros temas, a docente também chamou a atenção para o facto de, segundo Andrew Keen, no campo da produção cultural, se aponta para o fim das lojas tradicionais de música e das livrarias que estão a ser substituídas por plataformas on-line.
O mundo digital permite hoje conhecer todos os hábitos e características sócio-demográficas das audiências. “Podemos saber quase tudo: quem são, onde vivem, com quem vivem, de quem ou do que gostam, para onde vão de férias, que restaurantes preferem música ou de um livro”, disse a convidada, recordando que informação é poder e que há “um poder cada vez mais oculto no próprio aumento exponencial da informação disponível”.

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Uma nova Caverna de Platão

A crescente vida digital leva-nos ainda a uma nova escala de sentidos. Vivemos reduzidos à visão do ecrã e à audição de um som comprimido. A oradora diz que em grande parte das experiências, é-nos retirado o tacto, o olfacto e o paladar. “Dar-nos-á outras coisas, mas não nos consegue dar a totalidade da experiência”, disse Luísa Arroz, acrescentando que será em busca dessa totalidade que se aposta actualmente nas experiências imersivas. Estas são uma tentativa de mobilização total do corpo que, no entanto, ainda não deixou de ser uma redução das potencialidades sensitivas. “Os óculos para ver em três dimensões a partir do telemóvel (que custam 10 euros) até às inovações da Playstation 3D bastante mais caras são um reflexo desse desejo”, disse a docente. Ao mesmo tempo, quando se olha as imagens das pessoas com estes óculos que têm o campo da visão condicionado e que se encontram alheados do real e do ambiente que as envolve, lembram de imediato os homens agrilhoados numa gruta onde apenas lhes era dado a ver as sombras dos objetos verdadeiros. Estes “cegos” que vêem ou jogam qualquer coisa são, por isso, “uma espécie de versão moderna de alegoria da caverna de Platão”, rematou a oradora.
Após a intervenção, houve várias perguntas do público que animaram o debate. O ciclo de conferências do PH terá continuação em Dezembro, com Fernando Mora Ramos, um dos responsáveis pelo Teatro da Rainha.

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