Cristina Soares
Consultora de Comunicação de Ciência
Há umas semanas, quando se deu o terramoto em Marrocos, o nosso Ministro da Administração Interna veio à televisão dizer que Portugal tinha “binómios cinotécnicos disponíveis capacitados, nomeadamente, para detecção de corpos”. “Binómios cinotécnicos” parece ser algo com ar de uma equação críptica saída da NASA ou do CERN. Mas não. Não desfazendo, dado que cumpre uma função crucial após um terramoto, um binómio cinotécnico é uma equipa composta por um homem (ou mulher) e um cão, ambos com treino para detectarem corpos debaixo de escombros.
O que me intriga é por que razão alguém com funções de Estado, que faz uma declaração que será ouvida pelos contribuintes (alguns deles seus eleitores), opta por usar um palavreado complexo destes. Será que foi a informação que os seus assessores lhe enviaram, e ele não teve tempo sequer para pensar como é que diria aquilo de uma forma mais simples? Ou será que assim (o senhor ministro ou os assessores) acham que dão um ar mais importante ao facto, que isto de mandar homens e cães para um sítio qualquer pode ter um ar de dia de caça?
Efectivamente é algo que me intriga.
“Oh, já se sabe que os políticos só sabem dizer palha e conversa da treta”, estará a pensar o caro leitor, não é verdade?
Acontece que este gosto que temos pela complicação da linguagem não é um exclusivo dos nossos representantes políticos. Por exemplo, quantos emails ou cartas é que o caro leitor (ou cara leitora) começam por “Venho por este meio?”. Pois, acredito que bastantes. E diga-me, o que é que isto quer dizer? Ah, muito bem, que através deste email, carta (ou artigo de jornal) vem dizer-me qualquer coisa. Não o quero desiludir, mas a partir do momento em que eu abro um email, carta ou jornal, eu já percebi qual é o meio que estamos a usar para comunicar. Ou seja, é algo que usamos porque sim, porque sempre fizemos assim, mas que, honestamente, tem tanta serventia como a conversa da treta de alguns políticos. E quantas vezes é que o leitor já “acusou a recepção” de alguma coisa? E acusou-a de quê? Homicídio? Furto? Coitada da recepção, muito a acusam…
Esta minha pequena ironia serve apenas para lembrar este nosso gosto que temos e que nos faz fugir o pezinho para a complicação e para o formalismo. Afinal, somos todos pessoas com estudos e convém que escrevamos com toda a talha dourada e rococós decassilábicos, até para que os nossos pais dêem por bem empregado o dinheiro que gastaram com a nossa educação. E para que os outros percebam que somos pessoas muitíssimo cultas.
Tudo muito certo, nada contra. Mas… e será que neste exercício de escrita formidável parámos para pensar um minutinho sequer em quem nos lê ou nos ouve? Que, digo eu, é quem tem de perceber aquilo que dizemos. Ou estamos demasiado concentrados no vício das nossas formatações de linguagem?
A linguagem que usamos para falar com alguém não deve ser nunca um muro, especialmente daqueles muros que guardam os feudos e os quintalinhos de privilégio. A linguagem deve ser uma ponte. Entre nós e os outros.
Mas, tal como o outro senhor que escreveu um poema a comparar outro binómio (de Newton) com a Vénus de Milo, disse:
Há é pouca gente a dar por isso.
Com os melhores cumprimentos (tiveram sorte, podia ter-vos dado os piores). ■