“Um século de Gazeta, uma memória pessoal”

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Joaquim Paulo
Ex-Diretor Adjunto da Gazeta das Caldas

Escrever estas linhas para a edição do centenário da Gazeta é mais do que um exercício de memória ou de celebração do centenário da minha Gazeta. A convocatória do Carlos Querido, porém, obrigava a uma reflexão profunda porque este jornal que o leitor tem nas mãos é, em si mesmo, história. Estas linhas são, assim, uma forma de prestar homenagem a uma instituição que molda a identidade da cidade e da região há cem anos e que, durante um curto, mas exigente ciclo de três anos, tive a honra e a responsabilidade de ajudar a dirigir.

Entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2023 desempenhei, orgulhosamente, devo dizê-lo, o cargo de diretor-adjunto do jornal. Foram três anos intensos, desafiantes e, sobretudo, muitíssimo gratificantes. Foram três anos que me marcaram e deram o privilégio de viver por dentro uma das mais belas aventuras do jornalismo regional com que poderia sonhar quando, em pequeno, sonhava ser jornalista e contar histórias aos outros.

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O tempo mostrou-me que tinha razão em aceitar o desafio. Descobri uma cidade e uma região que me acolheram, conheci profissionais dedicados que me ensinaram tanto, e confirmei, semana após semana, que o jornalismo regional tem uma importância vital. A Gazeta das Caldas não é apenas um jornal: é um espelho onde a comunidade se revê, é uma ponte entre gerações, é um registo vivo da memória coletiva. Faz parte da vida de gerações de caldenses e, por isso, foi uma grande responsabilidade assumir a direção do jornal.

O desafio começou com um choque de realidade: pouco depois de assumir funções, chegou o primeiro confinamento. O país parava, as ruas esvaziavam-se e o futuro tornava-se uma enorme incerteza. Como manter de pé a edição semanal da Gazeta quando tudo parecia estar contra nós? Felizmente, antes da pandemia tínhamos já conseguido implementar um novo sistema de edição que permitia aos jornalistas escrever diretamente para o “buraco”, como se diz na gíria da profissão. Esse detalhe técnico, que à partida poderia parecer menor para alguns, até da casa, acabou por ser decisivo: se não fosse essa mudança, muito provavelmente a Gazeta teria interrompido a sua publicação, como aconteceu com tantos outros periódicos locais espalhados pelo país. Não foi o nosso caso. Reforçámos o online e continuámos a ser um farol para as Caldas e para a região.

E nos meses seguinte prosseguimos. “Reinventámos” o jornal. Adaptámo-nos ao contexto adverso e, sem jamais abdicar dos princípios e valores que fazem da Gazeta um projeto único, encontrámos novas soluções: modernizámos o layout, diversificámos as fontes de financiamento, lançando revistas, suplementos e projetos especiais. Cada número publicado, semana após semana, era uma vitória. Cada edição era a prova de que resistir é possível quando se acredita na importância da missão. Crescemos em audiências, em assinaturas e em publicidade. Era possível. A Gazeta estava mais viva que nunca.

Em termos pessoais, dirigir o maior jornal do distrito e do Oeste foi uma enorme responsabilidade. Eu, um ilustre desconhecido, nazareno dos sete costados e que tinha desenvolvido o meu percurso em Leiria e Alcobaça, chegava às Caldas com todos os sonhos do mundo. Aceitei a tarefa sem olvidar o peso da herança. O convite surgiu na sequência da saída do Carlos Cipriano, cujo trabalho e dedicação marcaram de forma inequívoca a história recente do jornal. Não escondo: tremi. O Carlos era (e é) uma referência a vários níveis e seria difícil, sequer, igualar o que ele fez na Gazeta. Mas também sabia que não se recusa a oportunidade de contribuir para uma obra coletiva tão maior do que qualquer um de nós. Assim tentei. Dei o melhor de mim, com o apoio do José Luís, da administração, da redação e dos colaboradores. Como esquecer a edição do 96.º aniversário, que teve 96 (!) páginas? Como esquecer as edições em que tive o prazer de ter dois vultos locais, como o Carlos Querido e a Ana Sá Lopes, como diretores? Quanta honra. Como esquecer aquela verdadeira odisseia de ir a Itália acompanhar o final do Giro com o João Almeida, em 2021? Quantos jornais regionais ousariam ir tão longe? Mas nós fomos. Fizemos tudo, até ao momento em que senti que devia entregar o leme. Nestas coisas, é preciso saber sair e, embora o custo emocional tenha sido grande, senti que cumprira a minha missão.

Olho para trás com gratidão. Foi bonita a viagem. E olho para a frente com esperança: que a Gazeta das Caldas dure, pelo menos, mais cem anos. Porque jornais como este não são apenas páginas impressas em papel; são parte da história, serviço público. Puro e duro. Num tempo em que tantas certezas se desfazem e em que o jornalismo enfrenta pressões sem precedentes, celebrar um centenário é uma conquista extraordinária. A Gazeta das Caldas está de parabéns. E todos nós, leitores, jornalistas, colaboradores e cidadãos, estamos também de parabéns por termos contribuído para a sua longevidade. Que venham mais cem.

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