Joana Louro
médica
Bem sei que este não é o meu registo habitual, mas não resisti a tentação!
Hoje escrevo a propósito do célebre perfume intimo que a Cristina Ferreira acaba de lançar e que pretende dar frescura à zona genital feminina. E escrevo sobre o seu nome.
Vamos por partes. Não sou fã da Cristina Ferreira, não aprecio nem a forma, nem o conteúdo. Não lhe reconheço o empoderamento, nem valido o registo. Mas não é isso que está em cima da mesa. O conceito do perfume comercializado repugna-me enquanto mulher e consumidora. Mas também não é isso que importa.
Mas tudo isto mereceu-me uma serie de reflexões. Não sou de todo uma perita no tema, não estudo, nem faço investigação nesta área e hoje nem sequer escrevo enquanto medica. Escrevo enquanto mulher e mãe, mãe de duas filhas. E a verdade é que nós mulheres ainda temos um longo caminho!
Um caminho de honestidade semântica! É fundamental chamar as coisas pelos nomes! O conhecimento do nosso corpo é uma arma poderosa. E ganhamos poder com a informação correta. O desconhecimento ainda está na base de muitas situações de risco e vários autores defendem que as crianças que sabem os nomes corretos das partes íntimas são menos vulneráveis ao abuso, porque muitos dos abusadores manipula e usa a ingenuidade da criança. Desde cedo, dizemos barriga, cabeça, perna porque havemos de estar a usar os nomes mais descabidos (recuso-me a mencioná-los) para chamar à vulva e ao pénis? Falar das partes íntimas pelos nomes e sem vergonha é o correto! Aliás, muitos estudos demonstram que, perante uma situação de abuso ou violência sexual, se uma criança consegue falar do seu corpo sem vergonha, conseguirá com mais facilidade explicar o que lhe está a acontecer.
Um caminho de informação! A sexualidade ainda é um tabu para a sociedade e para muitas famílias. Mas educar para a sexualidade é tão importante como ensinar os nossos filhos a andar ou falar. E não podemos confundir sexualidade, com sexo ou relação sexual.
Um caminho de aceitação! De sermos donas e senhoras do nosso corpo, de podermos vestir e mexermo-nos como quisermos, de dizer não e sim as vezes que quisermos. De aceitarmos as nossas formas e os nossos cheiros também. Sem culpas.
Eu quero que as minhas filhas saibam que o nosso sangue é vermelho, que é no útero que a vida cresce, que a celulite faz parte do envelhecimento e as rugas também. Que o nosso cheiro é natural. E já agora que a menopausa existe e é uma importante etapa. Quero que cresçam a saber que há uma vulva, uma vagina e quais as suas diferenças… e já agora um clitóris também.
E eu serei uma mulher muito mais completa e feliz se souber que todas as avós, mães e filhas têm este conhecimento e partilham esta informação. E chamam as coisas pelos nomes. Isto sim é Poder. Isto sim é Liberdade. ■