Crónica breve para os quatro anos de um menino

0
460

RELOGIONão tem sido mesmo nada fácil esta aprendizagem, lidar com o silêncio é complicado, muitas vezes te faço perguntas e não obtenho respostas. Parece que existe um filtro, uma rede, um obstáculo ou um separador entre as perguntas e as respostas, entre o que eu quero saber e o que tu queres que eu saiba. Nada a fazer neste caso.
Estes quatro anos são muito mas são pouco, ao mesmo tempo. Muito para quem tem esses quatro anos de idade; pouco para quem tem sessenta e quatro. Com quatro anos eu brincava na estrada de macadame em Santa Catarina onde passavam poucos automóveis nas manhãs sempre frias com o mar ali tão perto. Uma vez por ano vinham os presos da cadeia da Comarca das Caldas da Rainha para limpar as valetas da estrada. Guardavam as enxadas e os carros de mão no nosso quintal. Eu comia pão de milho com café muito quente e to comes cereais com leite ao pequeno-almoço. Os meus brinquedos eram latas de atum a fazerem de carros de bois e uma pinha pequena a fazer de carga. Puxava os cordéis e dizia alto os seus nomes sempre iguais: Boirisca e Benfeita. Hoje sento-me ao teu lado e vejo a Baby Tv, o Canal Panda, o Disney Junior ou o Jim Jam. Onde eu tinha um mundo a preto e branco, tu tens a festa das cores ali no vidro da televisão. Tu tens no quarto gavetas grandes de roupa a estrear e eu tinha camisas novas feitas de camisas velhas do meu pai, teu bisavô. Os meus calções nasciam das calças velhas arranjadas pela minha mãe na máquina de costura «Singer». Não conheceste a tua bisavó que morreu em 1995, o teu mundo é o admirável mundo novo de quem apenas pode festejar quatro anos ao lado dos meus sessenta e quatro. Conclusão provisória disto tudo: A vida é um mistério, não é um negócio. Todas as manhãs há uma a menos. Aproveita.

José do Carmo Francisco