Caldas da Rainha está entre as poucas dezenas de municípios que adoptaram o Orçamento Participativo (OP). Este mecanismo de incentivo à participação da população na vida política da sua comunidade é um dispositivo relativamente recente na história das democracias electivas ou representativas e traduz a vontade das pessoas participarem directamente nas decisões e na vida política das suas terras. Por cá, foi um tema introduzido pelo deputado municipal do BE, Fernando Rocha, aquando da sua passagem pela Assembleia Municipal no mandato 2009-2013 e, em boa hora, convertido pelos vereadores socialistas em proposta à Câmara Municipal (CMCR). Iniciava-se assim, em 2012, um novo ciclo de participação dos caldenses na vida política da sua comunidade.
Apesar de alguns solavancos iniciais, o processo lá começou e em dois anos de OP, foram votados cerca de duas dezenas de projectos. Estando as verbas para os executar inscritas nos orçamentos anuais dos exercícios de 2013 e 2014, seria normal que os mesmos tivessem passado à fase de execução e nesta altura, três anos depois, já se vissem resultados dos primeiros projectos. Infelizmente não vivemos num mundo ideal, nem vivemos sequer num mundo normal, onde o responsável pelo orçamento local, a Câmara Municipal, colocaria ao dispor dos proponentes dos projectos votados os meios e os mecanismos para os levarem à prática.
A coisa começou a inverter-se e a subverter-se logo após a votação do primeiro OP. Sugerida a constituição de uma pequena comissão de trabalho que esboçasse um conjunto de sugestões normativas tendentes à constituição de um regulamento de participação e execução do OP, depois de algumas reuniões com um técnico superior da autarquia, aparece no ano seguinte o famigerado regulamento de participação. Além de não integrar quase nada do resultado das reuniões da comissão, o OP foi de tal maneira mutilado que passou de um formato de sugestão, eleição e execução de pequenos projectos pelos seus proponentes, para uma espécie de concurso de ideias a concretizar pela CMCR. A partir desta altura torna-se até abusivo tratar este processo como OP. A bem da clareza devia receber e ser tratado por outra designação.
Em dois anos de existência do OP a taxa de execução dos projectos foi tão reduzida que a CMCR, apesar de não reconhecer a sua incapacidade, veio anunciar a decisão de passar o OP a bienal. Com dois projectos concretizados e a maior parte deles sem nem sequer ter começado, revela-se aqui toda a incompetência da CMCR para lidar com este formato. Seja ele mais participativo na fase de execução pelos proponentes, ou da mera execução da CMCR, como é o caso da maioria dos projectos de 2014.
Este processo do OP não está isento de virtudes. Ele veio revelar, em tons mais vivos e mais expressivos, o défice organizativo da CMCR para executar processos ligeiramente mais complexos que a mera gestão corrente a que está habituada. Senão vejamos: nada se faz sem uma pequena séria de longas reuniões, onde se conversa muito e, operacionalmente, se avança pouco. Todo o processo decisório está afunilado no respectivo vereador do pelouro “competente”, acompanhado pelo seu staff num gabinete constituído por muita simpatia e pouca capacidade técnica para fazer avançar projectos. Não há delegação de competências em chefias intermédias. Direcções sectoriais são elementos desconhecidos do organigrama da CMCR.
Este défice organizativo é, por sua vez, revelador da incapacidade do partido sucessivamente eleito em dotar a CMCR de uma orgânica adequada aos tempos que correm e aos desafios contemporâneos. A prometida “nova dinâmica” deste executivo é só mais um slogan vazio, que sucede aos anteriores slogans vazios. Ou pior: é revelador de uma determinada concepção do exercício do poder local, em que o executivo chama a si a totalidade das decisões, das grandes às mais pequenas tarefas, onde nada se mexe sem a sua ordem ou consentimento. Com total desprezo por qualquer corpo técnico que possa qualificar as suas decisões. Esta mentalidade de feitor de quinta dos autarcas é hoje um factor de atraso do nosso desenvolvimento.
Lino Romão