José Ramalho
ator & marionetista
Por estes dias anda o Mundo especado a catar emoções, acompanhando o movimento do esférico, na ânsia de ver a sua nação ser a ganhadora do Mundial. Recheado das óbvias surpresas, quando equipas regressaram mais cedo a suas casas derrotadas por outras, no dizer popular, de inferior condição no universo do ludopédio.
A leitura sobre a qualidade das equipas, continua a fazer-se numa visão colonialista, onde se consideram as potenciais ganhadoras, associadas às potências ocidentais. Tudo se baralha, quando as leis da física contribuem para a alteração deste estado de coisas. Apesar de jogarem com o pé que têm mais à mão, antológica figura de estilo, gerada na emoção do relatador em directo, a bola é redonda e os onze matulões têm hoje acesso às mesmas tecnologias de treino. Acrescido do facto mais elementar, a maioria destes jogadores, independentemente do País de origem, partilham os mesmos campeonatos altamente competitivos, ou seja, o elevador social funciona neste campeonato sociológico do jogo do esférico. Há fazedores competentes em todos os cantos do mundo, capazes de competir na alta esfera do futebol, que acrescido da adrenalina de estarem na montra global, fazem destes competidores, gladiadores do mundo contemporâneo, capazes de provocarem as suas avós e tias mais cordatas a saltarem dos sofás, perante os sucessos alcançados, em cada jogada, em cada performance e em êxtase, cuidado com as apoplexias, quando a bola se acomoda nas redes da baliza contrária.
Não domino o universo desta disciplina da ciência arrendondada, por vezes, pasmo embasbacado, quando ouço comentadores especialistas da esfericidade falarem deste mundo, com uma linguagem tão cifrada e sofisticada, acrescido de alguma pose na postura e tom de voz que fico a pensar que estarão a reflectir filosoficamente sobre os maiores mestres do pensamento. Deixando-me imbuir nalgumas destas conversas, já menos distraído, lá percebo que falam de futebol. Ora bolas!
O espectro da comunicação social, para lá dos dedicados à especialidade, nas suas múltiplas plataformas, há muito que se deixou invadir e transvasa em abundância em horário e quantidade, que não deixa ninguém indiferente. Somos atropelados por esta matéria de facto, em qualquer cantinho, sem direito a fora de jogo ou mesmo penalti.
Sem querer retirar mérito ao conhecimento que os ditos especialistas, denotam sobre esta matéria, com melhor ou menor qualidade de vocabulário e retórica, fico sempre mais atento, quando alguém desta tribo convoca para este universo gente de outros campeonatos, dos quais sou mais adepto.
Vem isto a propósito de Pepe, o jogador da selecção, que convocou Sebastião da Gama (1924-1952), o poeta de Azeitão, precocemente desaparecido, para nos falar do SONHO, com o mérito de trazer o autor e o poema para as parangonas. Também teria vindo a propósito se tivesse optado por trazer D. SEBASTIÃO do Fernando Pessoa (1888-1935) ou por Al-Mu’tamid (1040-1095) com SOLTA A ALEGRIA!. “…pois o meu maior afã / é beber minha golada /nesta tarde tão louçã / ao som de belas cantigas.”
Nem todos os profissionais do esférico têm a sagacidade cultural e intelectual do argentino Jorge Valdano, cujos textos, estruturados, reflectem pensamento crítico sobre o universo da bola, na correlação com as práticas performativas, que nos aproximam nos universos dos códigos semânticos.
Mas fico sempre mais animado quando figuras públicas fazem trazem a campo jogadores dos campeonatos das Artes.
Pelo sonho é que vamos / Comovidos e mudos.■
(1)Verso do poema JOSÉ de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)