Na estação arqueológica de Parreitas (Alcobaça) foram encontrados vestígios de ocupação romana entre os séculos II e VI, através de moedas, cerâmica, lucernas, ânforas e até uma oficina vítrea. Mas a zona apresenta sinais de uma ocupação pré-histórica nas grutas em volta das lagoas da Pederneira e de Alfeizerão por ali ser fácil recolher sílex.

A meia encosta, elevada sobre a Lagoa da Pederneira, encontrava-se uma casa senhorial romana (villae). Supõe-se que não pertenceria a romanos de Roma, mas sim a indígenas já romanizados.
Dividia-se em duas zonas: a de habitação e a agro-pecuária, com as respectivas infraestruturas (lagar, fornos de pão e de cerâmica, adega e estábulos).
Com um pátio central e a entrada virada a norte, para proteger dos ventos, a casa tinha um sistema de canalizações.
A Lagoa da Pederneira seria a maior fonte de sustento (peixe e bivalves) e de sal. Anzóis e pesos de rede que ali foram encontrados comprovam essa ideia. A agricultura e a pecuária seriam outras das formas de obter alimentação e rendimentos.
Era também a Lagoa que colocava Parreitas na rota das trocas comerciais marítimas. Disso é prova, por exemplo, a olaria em terra sigillata africana, produzida no norte de África e encontrada na villae.
Na estação arqueológica foram encontradas 90 moedas. A maior parte refere-se aos anos de 260 a 274 d.C. e de 364 a 395 d.C.. A mais antiga é um denário da época de Antonino Pio (dos anos 155 ou 156 d.C.) e a mais recente é um cízico de Honório (393-395 d.C.).
Parreitas teria ainda uma oficina vítrea, testemunhada nos quase 500 pedaços de vidro recolhidos e nos vestígios de fabrico. Tigelas, pratos, copos, taças, jarras, potes, garrafas, unguentários, cânulas, pulseiras, contas e pendentes seriam os objectos ali produzidos.
Entre os achados de Parreitas há um que salta à vista: dois fragmentos do que se crê que seja um poema original esculpido em pedra. O texto não está completo, o que não permite a sua leitura, mas a estrutura remete para a poesia.
A villae foi ocupada até à época medieval e abandonada numa busca por melhores terras agrícolas, numa deslocação para mais perto do Bárrio.
Primeiramente mencionada por Manuel Vieira da Natividade, as escavações nas Parreitas só começaram em 1980, então lideradas pelo arqueólogo Pedro Barbosa. Os trabalhos duraram até ao início do novo milénio e a partir daí o achado arqueológico ficou ao abandono.
Recentemente foi cercado e fechado para evitar o vandalismo e agora, com a rota do património cultural e turismo sustentável, procura divulgar-se este património através de visitas guiadas.
Dos trabalhos de investigação resultou um livro que dá a conhecer, não só os achados e conclusões sobre Parreitas, como também “A região de Alcobaça na época romana”. A obra conta com textos de diversos autores e a coordenação de Pedro Barbosa e foi um dos mais importantes suportes para este artigo.
É o arqueólogo Pedro Barbosa quem, no livro, levanta uma importante questão: “até que ponto estaria despovoada a região à chegada dos monges de Cister?”.
É bom notar que o Oeste é rico em vestígios romanos, muito pelas três grandes lagoas (que foram ficando mais pequenas), que se configuravam como portos seguros: Alfeizerão, Óbidos e Pederneira.
No livro traçou-se o que se pensa que seria a principal estrada romana no Oeste, entre Olisipo (Lisboa) e Collipo (perto da Batalha) que passaria junto à Serra de Montejunto, pelo Cadaval em direcção a Eburobrittium e pelas Caldas, Alfeizerão (onde existem dois miliários romanos que comprovam a passagem da via), Alcobaça e Aljubarrota, seguia para Norte para Collipo.
“As campanhas deviam ter continuado”
No dia 25 de Março, 30 pessoas quiseram conhecer o património, numa visita guiada por Cipriano Simão, da Casa da Cultura de São Martinho.
A actividade começou com uma explicação no Museu Monográfico do Bárrio (na sede da Junta de Freguesia), onde estão expostos alguns dos achados e uma exposição interpretativa.
Seguiu-se a saída para a estação arqueológica, com uma paragem para dar a perceber os motivos para a ocupação humana naquela zona.
A intensa chuva obrigou a uma conclusão mais rápida da visita, seguindo-se um workshop sobre ervas aromáticas e a distribuição de plantas aos participantes.
Cipriano Simão notou a falta de meios financeiros para explorar a restante área. “As campanhas deviam ter continuado”, afirmou, esclarecendo que “não foi explorada a zona envolvente que tem construções anteriores à villae”.
Além disso, informou que Valado dos Frades também tem vestígios de ocupação romana, onde foi encontrado um sarcófago esculpido que está no Museu de Arqueologia em Lisboa (identificado como sendo encontrado em Alfeizerão).
Relativamente à ligação com o Castro de Santa Catarina disse que teoricamente teria ligação, até porque o castro é pré-românico, mas “enquanto não houver estudos não podemos datá-lo”.
Já Filipa Gomes, presidente da Junta do Bárrio, recordou que na época em que houve escavações havia uma parceria entre a equipa de arqueólogos e o IEFP, que permitia que jovens se candidatassem para obterem formação e ajudar nos trabalhos.
Na década de 90 o projecto acabou e agora o “sonho é cativar universidades do país e do estrangeiro para trazer equipas”.
A autarca foi “informada pelo arqueólogo da Câmara de que fundamental agora não é a escavação, mas a preservação do material existente” e fez notar que existem “caixotes com peças que foram encontradas” e que podiam ser usadas para realizar uma exposição que complementasse a que existe.
A visita estava integrada na rota do património cultural e do turismo sustentável, que continua no sábado, 22 de Abril, com nova visita guiada, mas ao Mosteiro de Coz.
A 6 de Maio realiza-se um percurso pedonal por Alcobaça, a 10 de Junho está prevista uma lição sobre Aljubarrota e a 8 de Julho é possível conhecer “São Martinho, para lá da praia”. Esta é uma iniciativa da Câmara de Alcobaça.
Eburobrittium: escavações interrompidas há 11 anos
Na região Oeste há uma civitas romana (uma pequena cidade) que durante anos foi uma lenda: Eburobrittium, a meio caminho entre Olisipo e Callipo. Localiza-se em Óbidos, tendo sido descoberta em 1995 depois de serem encontrados vestígios de ocupação romana durante as obras da A8 em 1994.
Em 2013 foi classificada como Sítio de Interesse Público, um processo começado pela Câmara de Óbidos em 1997 e concluído 16 anos depois.
Os últimos trabalhos de escavação em Eburobrittium decorreram em 2006, mas a Câmara de Óbidos afirma que, daí para cá, “tem efectuado trabalhos menos visíveis e mediáticos” e que “estudantes e investigadores continuaram a desenvolver estudos sobre o espólio recolhido nas escavações, em particular, no domínio da cerâmica”.
Hoje Eburobrittium tem as portas fechadas e a erva a crescer. Os 11 anos sem trabalhos de campo fazem-se sentir. A autarquia apresentou à Direcção Geral do Património Cultural um projecto de limpeza, manutenção e conservação do espaço, procurando “minimizar os efeitos da erosão sobre os vestígios expostos e regular a circulação das pessoas que visitam o sítio”.
Está também a ser preparado (pelo menos desde 2015, conforme foi noticiado na Gazeta das Caldas a 14 de Maio desse ano) um protocolo de cooperação entre a Associação Nacional de Farmácias (proprietária do terreno), a DGPC e o município para definir os objectivos de valorização para Eburobrittium.
A Câmara diz ainda que “sempre que exista oportunidade ou solicitações, o Serviço de Arqueologia do Município de Óbidos efectua acções de divulgação, designadamente, visitas guiadas” e conclui realçando que garante a conservação do espólio em depósito e apoia estudantes e investigadores que se dediquem a Eburobrittium.