HISTÓRIAS DA EMIGRAÇÃO – Joaquim Faustino – o emigrante que viveu na Alemanha, França e Estados Unidos

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Gazeta das Caldas
O casal Joaquim e Ilda Faustino na sua casa, em A-da-Gorda, onde residem em permanência desde 2005 | F.F.

Joaquim Faustino, natural de A-da-Gorda (Óbidos), emigrou para Alemanha em 1965. Tinha 22 anos, a tropa feita e um tio em França, razões suficientes para o fazer partir à aventura. Dois anos depois deixa terras germânicas e vai para França, mas na década de 80 volta para Portugal, de onde volta a partir, desta vez para terras do Tio Sam. New Jersey será a sua casa durante 25 anos, até que regressa definitivamente à A-da-Gorda em 2005. Actualmente Joaquim tem 76 anos e a sua mulher Ilda tem 71. Confessa que de todos os países onde esteve, é a Alemanha que lhe deixa mais saudades. Já Ilda que com ele viveu em França e nos Estados Unidos, confessa ter um fraquinho pela França.

 

Nascido em A-da-Gorda (Óbidos) a 11 de Outubro de 1942, Joaquim Faustino fez a escola primária na terra e começou a trabalhar. Filho de uma doméstica e de um carpinteiro, não seguiu as pisadas do pai, ao contrário do irmão mais velho, e começou cedo a aprender a profissão de pedreiro, que manteria até ir para a tropa e, inevitavelmente, para o Ultramar.
Começou por assentar praça no RI5 nas Caldas da Rainha e depois foi para o Regimento de Lanceiros 2 (em Belém) para ser polícia militar. A Força Aérea nessa altura abre vagas para recrutar 50 pessoas e ele inscreve-se. Foi seleccionado, rumou a Tancos, onde esteve meia dúzia de meses, e foi para Cabo Verde. Joaquim Faustino teve sorte e não se queixa da guerra, (até porque naquele território não havia guerra), mas os 28 meses que passou na Ilha do Sal não foram fáceis. Quase não havia de que comer e a água, recolhida do mar, passava por um filtro que a tornava mais ou menos potável. “Tínhamos um litro de água para dois dias e com muito calor era difícil de aguentar”, recorda à Gazeta das Caldas.
Também esteve durante dois meses na Guiné Bissau, onde permaneceu sempre no aeroporto, salvo nas poucas vezes que saía para ir à cidade, Bissau, para passear.
Joaquim Faustino regressa à terra natal em Dezembro de 1964, com 22 anos, e logo encontra um tio que já estava emigrado em França e por cá estava a passar as festividades. É ele que o incentiva a emigrar. Como na altura, ter estado no Ultramar dava o direito a obter passaporte, o jovem foi a Lisboa tratar dos papéis e inscreveu-se para emigrar para a Alemanha, país que estava a pedir muita mão-de-obra e garantia, além do emprego, também o alojamento.

 

Apanhou o comboio para a Alemanha e saiu em França

 

Na madrugada de 23 de Julho de 1965 Joaquim Faustino deixava a estação de Santa Apolónia, em Lisboa, numa viagem de comboio que tinha como destino a Alemanha. A primeira paragem fez-se em Hendaya (França), onde os passageiros foram divididos consoante o destino do trabalho. Joaquim e outros 30 jovens, que não conhecia, seguiram viagem até Bochum (entre Dusseldorf e Dortmund), na região do Ruhr, e foram trabalhar nas obras.
Chegados à estação tinham à sua espera um canal de televisão e alguns jornais para fazer notícia do contingente português que garantia mão-de-obra às fábricas germânicas. Sem saberem o que fazer, foram recebidos por um “senhor prior”, que falava um pouco de português e os orientou até aos patrões. Depois foram levados para os apartamentos onde ficariam alojados em quartos de dois, quatro e seis pessoas. Joaquim ficou num quarto com mais três trabalhadores das obras.
Começou a trabalhar como servente, mas pouco tempo depois passou a conduzir um dumper que acartava cimento, madeira e tijolo para a construção de altos fornos para uma siderurgia. “Como eu talvez me ajeitasse a trabalhar como choffeur desse dumper, lá estive durante ano e meio. Gostava bastante de lá estar”, recorda sobre a permanência naquela região industrial de exploração de carvão.
Durante o período do Natal, que veio passar à A-da-Gorda, reencontrou o tio emigrado na França e, desta feita, foi convencido. “Quando voltei a partir, fiquei em França e à Alemanha nunca mais voltei”, conta, recordando que chegou a Paris e, em vez de apanhar o comboio na Gare du Nord para Bochum, tinha os tios à sua espera em Austerlitz, acabando por ficar na capital francesa.
Começava o ano de 1967 e Joaquim foi para Fontenay-aux-Roses (no sudoeste de Paris), trabalhar como pedreiro juntamente com o tio. Ainda nesse ano, em Julho, voltaria a Portugal, para casar com Ilda, a sua namorada desde os tempos em que ainda trabalhava nas obras.
Anos antes, Joaquim Faustino andava a arranjar a escola da Lagoa Parceira quando conheceu Ilda, então com 14 anos, que passava em frente à obra quando ia da casa dos pais para a do irmão.
Pouco tempo depois, a jovem iria trabalhar como empregada doméstica para A-da-Gorda e o contacto com Joaquim foi-se estreitando, até que começaram a namorar.
O namoro manter-se-ia, por correspondência, durante o tempo em que Joaquim esteve na tropa e depois na Alemanha.

25 anos nos EUA

 

Poucas semanas após o casamento, e sem tempo para a lua de mel, Joaquim Faustino regressa a França sozinho. Ilda, já com os papéis do passaporte tratados, iria juntar-se ao marido em inícios de Outubro desse ano. A jovem, então com 20 anos, estava ansiosa por se juntar ao companheiro. Trabalhou como “femme de menage” (empregada de limpeza) em várias casas e foi também em França que os seus filhos nasceram, primeiro uma menina (Gabriela), em 1973, e quatro anos mais tarde um rapaz (Daniel).
Após uns anos nas obras, Joaquim foi para a fábrica da Citroen trabalhar como motorista. A França foi a sua casa até 1975, altura em que voltaram para Portugal. Gostavam muito de viver naquele país, mas a humidade era terrível para as otites de que a filha padecia e, por conselho médico, procuram um clima mais ameno.
A-da-Gorda voltou a ser a sua casa, mas por pouco mais de quatro anos, altura em que voltaram a fazer as malas, desta feita para o continente americano, onde já vivia uma irmã de Ilda, que há muito tempo vinha insistindo para que fossem para lá. Partiram em Março de 1981 e instalaram-se em New Jersey, onde foram trabalhar para uma empresa de reparação de peças de automóveis.
Joaquim trabalhou durante três anos até que teve um acidente de trabalho e reformou-se por invalidez. Ainda trabalhou nas obras até regressar, definitivamente, a Portugal, em 2005. Já a esposa, Ilda, manteve-se na fábrica até ao retorno a terras lusas.
Durante os anos em que lá estiveram foram muitas vezes a Newark,  que fica a 20 minutos de Manhattan, centro de Nova Iorque e onde vivem milhares de imigrantes portugueses, para conviver com os amigos e sentirem-se um pouco mais “em casa”.
Os filhos, Gabriela e Daniel, estudaram, casaram e ficaram pela América. Logo após regressarem, Joaquim e Ilda ainda foram visitá-los algumas vezes, mas agora são eles que vêm passar férias a Portugal.
“Eu sou americano, atenção!” exclama Joaquim, que adquiriu a dupla nacionalidade. A esposa não quis e hoje tem pena porque sabe que será mais difícil se quiser voltar para estar junto dos filhos.

 

A dificuldade da língua

 

E línguas, foi fácil a adaptação? “Muito difícil”, reconhece Joaquim Faustino, embora tenha a noção de que entre os mais de 30 portugueses que estavam a trabalhar na empresa alemã, era ele que melhor se “safava” pois, como era motorista, tinha que comunicar com os alemães para fazer os pedidos e entregas de materiais.
“Como convivia muito com os alemães fui obrigado a aprender qualquer coisa”, disse, acrescentado que o francês foi um pouco mais fácil de aprender. Como moravam no centro de Paris e tinha que se deslocar de Metro, teve que começar a desenrascar-se e depois “até comprava o jornal” para aprender mais, recorda o emigrante. Já a língua inglesa não o entusiasmou tanto.
Ilda Faustino também aprendeu mais facilmente o francês porque trabalhava com famílias gaulesas. Já nos Estados Unidos trabalhou sempre com espanhóis e portugueses, pelo que não aprendeu o inglês com a mesma facilidade.
Ainda em relação à América, onde esteve a viver durante um quarto de século, Joaquim Faustino nota grandes diferenças nos dias de hoje, muito fruto da presidência de Donald Trump.
Reconhece que hoje é mais difícil emigrar, seja para que país for. “Na altura em que eu fui, quem emigrava tinha trabalho quando chegava, hoje a emigração é mais especializada”, considera.
O casal agora divide o tempo entre os passeios que gostam de dar e a casa em A-da-Gorda. “Sou muito caseiro, não me dá para ir para cafés. Passei a vida casa-trabalho, trabalho-casa e, talvez por isso, tivesse perdido o hábito de vida em cafés”, conclui Joaquim, actualmente com 76 anos.

 

 

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Joaquim Faustino na Alemanha, em 1966 | D.R.

 

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O casal em França, a fazer um piquenique num parque na zona de Versailles | D.R.

 

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Com os filhos, Gabriela e Daniel, nos EUA, em finais da década de 80 | D.R.