O Governo anunciou que a Fortaleza de Peniche afinal não vai ser um hotel, mas sim um museu nacional da liberdade e resistência ao fascismo. E disponibilizou 3,5 milhões de euros para obras de conservação e primeira fase de instalação do núcleo museológico.
Os candidatos à Câmara local – ouvidos pela Gazeta das Caldas – aplaudem a decisão de intervir na Fortaleza, mas querem mais. Uma das ideias mais fortes é a ligação à arte e à cultura, mas também há quem defenda a possibilidade de dar a conhecer Peniche naquele espaço.
Mas também há quem ainda suspire pelo Revive (que permitiria o hotel), apesar de a maioria já estar focada na sustentabilidade do museu.
A Fortaleza de Peniche tem sido um tema controverso. A inclusão no programa Revive, que permitiria ali construir um hotel, levou a um abaixo-assinado contra essa intenção. O governo recuou e agora encontrou 3,5 milhões de euros (do Portugal 2020) para recuperar aquele monumento e, numa primeira fase, criar um museu nacional da liberdade e da resistência contra o fascismo. A avançar, será o 15º museu nacional.
O anúncio foi feito no fim do Conselho de Ministros que decorreu naquele espaço, a 27 de Abril (43 anos depois da libertação dos presos políticos). O projecto prevê a reconversão dos blocos A, B e C, fortaleza, baluarte, cisterna e portos, e a abertura do museu até 2019.
Ninguém está contra a recuperação da Fortaleza, mas a maioria dos candidatos à Câmara quer mais do que o referido museu para aquele espaço.
Ainda o programa Revive
João Santos, cabeça de lista do CDS à Câmara de Peniche, está desagradado com a decisão e defende que “a Fortaleza deveria estar incluída no programa Revive” porque isso criaria emprego e atraíria turistas.
Criticou a selecção do grupo de trabalho que estudou a requalificação e uso futuro da Fortaleza afirmando que “aí começam as lacunas neste processo pois são burocratas e tecnocratas ligados a facções cujo objectivo não é defender os interesses locais”. E aí quem tem a culpa, segundo o candidato, é o poder local representado no executivo municipal (CDU, PS e PSD), porque “não tiveram a coragem, a vontade e a capacidade para defender os interesses dos cidadãos”.
Mas como a decisão está tomada, agora defende que é importante divulgar bem o que ali for feito e ter um espaço de mostra de produtos locais conjugada com a memória da fortaleza antes e durante a luta contra o regime.
Também deve ser criada “uma envolvência mais atractiva com eventos e exposições de diferentes formas de arte”. Ainda assim, realça, “deve ter outras valências” que possibilitem a criação de postos de trabalho, como um hotel que coabite com o museu.
Não chega para suster a degradação
O candidato do PSD, Filipe Sales, tem uma ideia semelhante: saúda esta decisão, mas não a retirada do Revive. “Nada desta posição conflitua com a nossa, que era a inclusão no programa Revive, porque estava prevista a concessão de seis mil dos 20 mil metros quadrados” e o restante teria sempre de ter intervenção pública, ainda que o privado pudesse cofinanciá-la. “Não podíamos ter um hotel nos escombros”, notou.
Relativamente à verba apontada (3,5 milhões de euros), apontou que não se sabe quando e onde serão aplicados e que este valor “não chega para suster a degradação” e muito menos para a intenção de criar um museu.
“O museu não se devia cingir só à liberdade e luta contra o fascismo, devia enfatizar as actividades de Peniche, como as conservas e a construção e reparação naval”, disse Filipe Sales, concluindo que “merecia um museu do mar”.
A sustentabilidade é um dos temas que preocupa o candidato do PSD, bem como a dispersão da rede museológica de Peniche.
Traz alguma esperança
Quem assinou o primeiro protocolo para instalar uma pousada da Enatur na Fortaleza, foi Jorge Gonçalves, actual candidato pelo PS, à época presidente de Câmara.
A obra nunca avançou – nem com fundos comunitários – e o Revive só previa facilidade de crédito (ou seja, o contexto era menos favorável do que no tempo em que houve fundos), pelo que o autarca nunca colocou muita fé neste último programa.
Jorge Gonçalves valoriza a mais recente decisão que “traz alguma esperança” e realça que nenhum governo depois do 25 de Abril a havia tomado.
Defende que ,além da história da prisão política, o museu deve incluir a história da fortaleza enquanto tal e que deve integrar um centro cultural que centralize a rede museológica.
Outra ideia é ter um centro de ciência viva ligado ao mar e que, tanto o restaurante como a esplanada, são opções com as quais concorda.
A importância das novas tecnologias e a ligação com a ideia de liberdade são fundamentais para a futura atractividade. Relativamente à gestão, também acha que deve ser partilhada e é fundamental que a recuperação “seja rápida e que a utilização seja uma alavancagem para Peniche”.
Decisão histórica
Já o candidato da CDU, Rogério Cação, diz que esta é uma “decisão histórica”. Também ele tem preocupações com a sustentabilidade, considerando que o café e o restaurante serão uma ajuda. Mas a sustentabilidade também terá como pilar o Estado porque a fortaleza terá um museu nacional fazendo com que parte dos custos sejam suportados pela DGPC.
“Finalmente vai haver condições”, desabafa o candidato comunista, que acha que “esta é a melhor decisão nesta altura”.
Confessou-se “espantado” com a inclusão no programa Revive, que dava continuidade a uma possibilidade aberta há muito tempo que nunca foi aproveitada. “Felizmente para nós houve uma inversão da situação e o governo garantiu a criação de um memorial à liberdade”, disse.
Rogério Cação concorda que a Fortaleza deve ter um auditório para conferências e espectáculos e um espaço para as artes. “Não deve ter só um museu, deve ter vida”, afirmou.
Outra das ideias do candidato à autarquia é trazer de volta os concertos musicais, feiras medievais e recriações históricas.
Triplicar o número de visitantes
O actual presidente da Junta de Freguesia de Peniche, Henrique Bertino é candidato pelo Movimento de Eleitores Independentes de Peniche e “gostava que o documento relativo ao uso da Fortaleza estivesse mais adiantado”.
Defende que em vez de um, devem ser criados dois museus: um da resistência e outro da história e tradição de Peniche, que realce produtos e actividades endógenas.
Considera que a Fortaleza deve ser um contributo para o desenvolvimento económico do concelho e que com estes dois museus os visitantes podem triplicar dos actuais 100 mil por ano para os 300 mil.
Depois de idealizar os dois museus, pretenderia “analisar o espaço restante e decidir o que lá colocar”. Quanto a um possível auditório, perguntou: “onde, para ser usado quando e para quê?”.
Quanto à concessão a privados, o autarca diz que não se envolve na questão ideológica e que não o choca um restaurante, uma esplanada, ou até um hotel.
Relativamente à gestão, considera que deve ser partilhada e que a população deve ser ouvida. Henrique Bertino defende também que o Campo da República, em volta da Fortaleza, deveria ser melhor aproveitado.
É subaproveitar o espaço
Já Márcia Henriques, do Movimento Independente de Cidadãos por Peniche, não é contra a ideia do museu da resistência, mas acha que a Fortaleza é muito grande só para esse efeito e que o espaço ficará subaproveitado.
Daí que a advogada defenda que aquele deve ser um local cultural, que pode ter um auditório e que receba artistas e artesãos. “As celas poderiam ser transformadas em ateliers”, concluiu.
Nos pátios poderiam realizar-se feiras e mercados e deveriam ser dinamizadas uma galeria de arte, uma loja de souvenirs com produtos típicos e um parque de merendas.
Márcia Henriques quer “acreditar que esta é uma medida para cumprir e não uma medida eleitoralista” e acusa o governo de ainda não ter dado a conhecer o que quer fazer, porque não se sabe se esta ideia de museu passa por requalificar paredes e celas e abrir as portas, ou se há algo mais pensado para dinamizar o espaço. Além disso, a candidata independente levantou outra questão: a entrada será paga? E caso seja, o que se irá pagar e quanto custará? “Neste momento está tudo muito no ar”, aponta.