“No dia 15 de Outubro tivemos a corporação toda a servir a população do concelho”

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Gazeta das Caldas
Nelson Cruz, comandante dos bombeiros das Caldas da Rainha

Nelson Cruz, comandante dos bombeiros das Caldas, fez à Gazeta das Caldas um balanço da actividade operacional do ano em curso, que já conta 125 incêndios no concelho. Mesmo assim, quase tudo se resume ao dia 15 de Outubro, no qual as 11 ignições ocorridas no concelho, levam o comandante a crer na existência de mão criminosa e numa actuação organizada. Nelson Cruz realça, no entanto, a capacidade da sua corporação, que naquele dia esteve toda ao serviço da população.

O ano de 2017 está a ser particularmente difícil para os bombeiros portugueses e nas Caldas não foi diferente. Desde o início do ano os soldados da paz foram chamados 125 vezes para extinguir incêndios florestais, 107 dos quais dentro do período do dispositivo de incêndios, desde 15 de Maio.
No entanto, foi num só dia que foi consumida a esmagadora maioria da área ardida este ano nas Caldas, que totaliza pouco mais de 400 hectares.
“Foi um ano um pouco atípico na forma como o incêndio se propagava, com velocidade muito acima do normal”, descreve Nelson Cruz, comandante dos bombeiros das Caldas. Se por um lado a natureza dos ventos teve o seu papel, por outro o comandante reforça que de ano para ano a agressividade dos fogos tem-se vindo a agravar e os proprietários dos terrenos têm responsabilidade. “Cada vez há mais mato e os proprietários não limpam aquilo que lhes pertence, seja na floresta ou à volta da sua casa. Se o fizessem os incêndios não se propagavam com tanta facilidade”, observa.

Se a grande maioria dos incêndios foram de fácil domínio, houve meia dúzia   que causou mais dificuldades. Nelson Cruz recorda o fogo nos Casais da Paraventa (Vidais), em Julho, “que em quatro ou cinco minutos passou a A15 com grande violência”.
Este foi o principal incêndio no concelho até 15 de Outubro. “Até esse dia tivemos um incêndio de cada vez e isso permite-nos atacar com todos os meios que pomos na rua e com a triangulação que existe das corporações vizinhas”, realça o comandante. Porém, a 15 de Outubro tudo foi diferente.

ORIGEM CRIMINOSA

“Temos que falar de origem criminosa porque tivemos 11 incêndios nesse domingo, dos quais seis em simultâneo”, sublinha Nelson Cruz, que não tem dúvida em apontar que houve mesmo uma estratégia por detrás das ignições. “As coisas foram organizadas por quem larga o incêndio de forma a dar poucas hipóteses ao combate”, afirma, recordando que a corporação caldense estava a ajudar no incêndio do Olho Marinho quando recebeu o alerta para a Serra do Bouro e pouco depois para o Carvalhal Benfeito. Nessa noite surgiriam ainda mais quatro incêndios.
A corporação tem cinco veículos de combate a incêndio florestal (um deles adquirido no passado mês de Setembro) e quatro autotanques. Só para acudir aos fogos que lavraram ao mesmo tempo toda a frota não chegava, sendo que só na Serra do Bouro seria necessário o dobro dos meios que a corporação caldense dispõe.
A acumulação de ocorrências foi mesmo a principal dificuldade. Nelson Cruz diz que foi necessário recorrer ao plano B: trabalhar com poucos carros e pouca água e dar prioridade à salvaguarda dos bens e da vida.
O comandante elogia a capacidade de resposta que os seus bombeiros demonstraram naquele dia, em que os 110  bombeiros da corporação estiveram ao serviço da população. Foram 92 os bombeiros envolvidos nos fogos e cerca de 20 ficaram de prevenção para os serviços de urgência.
Na sexta-feira anterior, 13 de Outubro, Nelson Cruz analisou o boletim meteorológico e deixou em pré-alerta a corporação que, quando chamada, respondeu de pronto. Inclusivamente as equipas para cada veículo já estavam definidas e Nelson Cruz observa que nem foi preciso accionar a sirene.
A 15 e 16 de Outubro, só em dois incêndios foram consumidos mais de 350 hectares de terreno, quando nos restantes dias do ano o total ardido não atingia os 50 hectares. Mesmo assim o balanço é positivo, não tendo sido registados feridos nem desalojados.
Os incêndios florestais representam apenas 3% da actividade dos bombeiros das Caldas. Por ano são realizados 17.000 transportes de doentes, dos quais 5.000 são de emergência pré-hospitalar e os restantes são transporte para consultas ou tratamentos hospitalares. Os bombeiros respondem ainda aos incêndios urbanos e aos acidentes rodoviários.

Bombeiros fazem a própria manutenção

Desde o Verão do ano passado o quartel dos bombeiros tem sido alvo de melhorias de diversa ordem. A intervenção começou com a colocação de uma cobertura numa zona que antes era um pátio e agora está transformada num pavilhão onde estão estacionadas diversas viaturas.
Entretanto já foram remodeladas a oficina, as camaratas, a sala dos bombeiros e a parada. Foi substituída a cobertura que utilizava telhas com amianto e pintada toda a fachada do quartel.
Todos os trabalhos têm mão-de-obra dos próprios bombeiros. “Reactivámos uma coisa que havia antigamente e que se tinha perdido, que era fazermos nós as obras e a manutenção das viaturas”, conta Nelson Cruz. Desta forma, poupa-se dinheiro à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha, que é aplicado na aquisição de mais equipamento para a operação do corpo de bombeiros. Este ano a corporação adquiriu uma nova viatura de combate a incêndios florestais e equipamentos como novas agulhetas e portas-mangueiras.
Actualmente está a ser ampliada uma sala no primeiro andar que é utilizada para ginástica, dança e outras iniciativas. Esta obra tem como objectivo resolver um problema grave de infiltrações pois aquele espaço era um terraço.
O próximo passo será reestruturar as casas de banho.

“Hoje a Protecção Civil serve para pôr os boys e não tem credibilidade”, diz Nelson Cruz

“Há falhas nesta estrutura da ANPC [Associação Nacional de Protecção Civil], há muito que sou dos comandantes que discordam com a forma como o sistema funciona”, diz Nelson Cruz.
E um dos problemas é a instrumentalização política que cada governo faz de uma estrutura que necessita de estabilidade para desempenhar bem a sua função.
“Hoje a ANPC serve para pôr os boys, não tem credibilidade na forma como está a ser gerida, independentemente de quem é o comandante nacional”, afirma Nelson Cruz.
O comandante da corporação caldense diz que é um erro trocar os comandantes distritais a quatro ou cinco meses dos incêndios, e também a rotação de comandantes que tem existido, porque desta forma “nunca se consegue ter toda a estrutura afinada e coordenada”.
Nelson Cruz considera que devem ser assacadas responsabilidades à ex-ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, e o ex-secretário de Estado, Jorge Gomes, pelas tragédias que aconteceram, por terem retirado do comando nacional o caldense José Manuel Moura, “uma pessoa que sabia o que estava a fazer, com competência e provas dadas”.
O comandante dos bombeiros das Caldas até reconhece que Rui Esteves foi dos melhores comandantes distritais em Castelo Branco, mas diz que ele “não teve capacidade da resposta”. O responsável não compreende como o ex-comandante nacional não apareceu em toda a tragédia de Pedrógão Grande, e tem ainda mais dificuldades em compreender como ficou a comandar nessa ocasião o segundo comandante, “sem nunca ter ido a um incêndio”.
Nelson Cruz defende que existiram erros, quer por parte do ministério, quer da ANPC, ao não terem sabido interpretar os alertas de risco muito elevado de incêndio para antecipar e prolongar a fase Charlie, na qual estão disponíveis mais meios nos quartéis dos bombeiros para o ataque inicial.
“Se reparar, as mortes dão-se antes da fase Charlie e depois da fase Charlie”, comentou, acrescentando que na sua opinião “falhou claramente o reforço de meios numa altura fora do dispositivo, mas em que as informações indicavam risco elevado de incêndio”.
E se foi grave ter acontecido em Julho, em Pedrógão, foi ainda mais grave ter-se repetido quatro meses depois, nas mesmas circunstâncias. “Chegámos a 30 de Setembro, o risco de incêndio continuava a ser o máximo e a ANPC, não sei se com indicações ou por sua autoria, cortou o dispositivo de forma drástica”, mesmo alertada pela Liga dos Bombeiros para manter o dispositivo.
“A isto chama-se falta de profissionalismo numa estrutura que é altamente profissionalizada. Ali não há o voluntariado, não há amadorismo e estas coisas não podem ser perdoadas”, completou.