As escolas têm estipulado no seu regulamento interno que os telemóveis não podem ser utilizados dentro da sala de aula. Mas a dependência dos jovens aos smartphones leva a que os professores tenham que adoptar estratégias para que estes não mandem mensagens, joguem, ou espreitem as redes sociais durante as aulas.
Mas como? Se nos primeiros tempos muitos optavam pela proibição total dos telemóveis, acabando por “confiscar” os aparelhos aos alunos desobedientes, cada vez há mais docentes que fazem do telemóvel uma ferramenta de trabalho. O efeito é surpreendente: quando os alunos usam o telemóvel de forma autorizada na sala de aula, ficam menos tentados a usarem-no às escondidas e para outros fins.

De nada servem as comparações com o passado. “A presença das novas tecnologias na sala de aula é uma realidade incontornável e que não vai andar para trás, pelo contrário, é cada vez mais uma constante”, diz Catarina Silva, professora de Filosofia há 40 anos. Que acrescenta: os telemóveis já fazem parte da cultura das novas gerações que não imaginam sequer um mundo sem os smartphones.
À medida que os telemóveis foram evoluindo, cresceram os riscos e as oportunidades. Se de início apenas eram usados como meio de contacto (fazer chamadas ou enviar mensagens), hoje é um mundo de possibilidades. Há aplicações para tudo e mais alguma coisa, surgiram as redes sociais e as ferramentas internas multiplicam-se do alarme, à agenda, da câmara fotográfica à calculadora. Com a chegada da internet passou a ser possível pesquisar no telemóvel, receber e enviar a e-mails e fazer downloads de conteúdos.

“Tudo isto acarreta prós e contras dentro da sala de aula”, afirma Catarina Silva, que prefere começar pelas potencialidades do telemóvel. Fácil de transportar, às vezes é mais prático para um professor recorrer aos smartphones dos alunos do que requisitar uma sala de computadores para que estes façam um trabalho de pesquisa.
“Trata-se de olhar para o telemóvel como algo útil e educativo e não apenas proibitivo”, refere a docente, acrescentando que tem cada vez mais colegas receptivos à ideia de fazerem dos telemóveis um aliado em vez de um inimigo.
É o caso de Conceição Vidigal, professora de Físico-Química, que faz questão de incluir o telemóvel na lista de materiais necessários para o ano lectivo. “Há alunos que ficam muito surpreendidos, mas eu explico-lhes que pretendo que usem o telemóvel como ferramenta de trabalho: para cronometrar tempos, tirar fotografias, ou filmar experiências, por exemplo”, explica Conceição Vidigal, realçando que, no caso da sua disciplina, há situações experimentais em que é muito difícil anotar aquilo que se observa porque as mudanças ocorrem em segundos. “É preferível que os alunos filmem a experiência e que depois a analisem com mais detalhe para elaborarem os relatórios”, defende.
Quando as matérias são muito abstractas – pensemos na aprendizagem dos átomos ou do Sistema Solar – o uso das novas tecnologias também pode ser uma mais valia. Vídeos, representações gráficas e programas de simulação são algumas das ferramentas que ajudam os alunos a visualizar esses conteúdos menos próximos da realidade perceptível.

Tecnologias não substituem o professor

No entanto, desengane-se quem achar que as novas tecnologias substituem a figura do professor. “Continuamos a ser necessários para orientar os alunos, caso contrário estes facilmente se dispersam e concentram-se noutros detalhes, como o aspecto gráfico”, explica Conceição Vidigal, que também costuma usar aplicações de leitura de códigos QR (tipo códigos de barras) para incentivar os alunos a descobrirem qual é o trabalho de casa da sua disciplina. “Até parece que depois o fazem com outro ânimo”, refere.
Carla Jesus, professora de Informática há 13 anos, ouve frequentemente colegas de outras disciplinas dizerem-lhe que, no seu caso, é fácil utilizar as novas tecnologias porque dá aulas em salas equipadas com computadores. “Aquilo que eu lhes digo é que hoje em dia basta haver internet e telemóveis para se fazerem actividades engraçadas”, afirma. Como exemplos, Carla Jesus fala-nos do Kahoot e do Padlet, duas aplicações às quais os alunos têm acesso no seu smartphone através de um link que é dado pelo professor.
A primeira consiste num questionário criado pelo docente, com perguntas de escolha múltipla ou verdadeiro/falso, em que os alunos à medida que respondem conseguem ver também o desempenho dos seus colegas.  Quem vai à frente com mais respostas certas? Quem está a responder em menos tempo? Tudo isto são aspectos que a aplicação mostra ao aluno e que o incentivam a participar na actividade. Carla Jesus costuma usar o Kahoot para fazer revisões das matérias dadas na aula anterior: “eles gostam muito e a mim permite-me analisar quais são os tópicos em que eles ainda têm mais dificuldades”.
Já o Padlet é uma espécie de quadro de cortiça digital que os alunos vão completando com post its criados por eles. “É uma ferramenta muito útil quando faço debates, especialmente para os estudantes mais tímidos que não se sentem à vontade para participar nas aulas porque lhes permite dar a sua opinião por escrito”, explica Carla Jesus, acrescentando que o quadro de cortiça é depois projectado na sala de aula com as ideias de toda a turma.

“AS AULAS TRADICIONAIS NÃO PODEM DESAPARECER”

Carla Jesus ensina  informática recorrendo às novas tecnologias, mas reconhece que estas ferramentas só devem entrar na sala de aula quando enriquecem a prática lectiva, tornando-a mais interessante. “Há momentos em que é necessário recorrer aos métodos tradicionais, planear uma aula mais expositiva, embora seja cada vez mais difícil ter a atenção dos alunos nesses contextos”, diz a docente.
Conceição Vidigal concorda e acrescenta que os próprios alunos também se aborrecem quando há tecnologia a mais dentro da sala de aula. “Quando deixa de ser uma novidade, há o risco de eles se fartarem. Por isso é essencial diversificar os métodos: num dia usa-se o simulador, noutro o telemóvel, no seguinte o quadro e o caderno, depois o PowerPoint”, explica a professora de Físico-Química, que não tem dúvidas em afirmar que hoje em dia exige-se aos professores que sejam mais criativos do que há uns anos.
Mas dentro das escolas, ainda há docentes resistentes à aplicação das novas tecnologias. Na opinião de Conceição Vidigal, há quem se recuse a inseri-las na sala de aula por comodismo: “há professores que não querem aprender, estão habituados ao velho método e já sabem de trás para a frente as matérias que vão expor, então não estão dispostos a mudar”.  Até porque preparar conteúdos digitais também dá muito trabalho.
Carla Jesus acrescenta que depois há professores que, embora gostassem de aprender mais sobre novas tecnologias e até estivessem dispostos a usá-las nas suas aulas, têm pouco à vontade. Mesmo os que já frequentaram formações.
“Os docentes mais experientes deveriam ter no seu horário tempos livres para acompanharem os colegas com mais dificuldades pois muitas vezes o que lhes falta é confiança nos primeiros tempos”, refere a formadora, que critica o facto de nestes últimos anos o Governo ter investido em equipamentos nas escolas sem também ter apostado em recursos humanos que ensinassem aos professores como utilizá-los.

PROFESSORES DEVEM DAR O EXEMPLO

Os tempos têm mudado muito rápido. Há 20 anos os telemóveis não existiam dentro da sala de aula, até há 10 serviam apenas para mandar mensagens e fazer chamadas, hoje são um mundo de possibilidades em ponto pequeno. Para os professores, a dependência cada vez maior que os jovens têm dos smartphones implica estar de olho mais atento aos movimentos dos alunos.
“Custa-lhes imenso desligarem-se do aparelho e como têm cada vez mais dificuldade em concentrar-se, basta que a aula esteja a ficar mais maçadora que eles tentam usar o telemóvel como escape”, realça Catarina Silva, que integra o Grupo de Prevenção da Indisciplina da sua escola. A professora revela que não é tanto o uso dos telemóveis, mas principalmente as reacções dos alunos quando os professores lhes confiscam os aparelhos que motivam as participações disciplinares. Actualmente a lei não permite aos docentes que retirem os telemóveis aos alunos, por isso têm que ser estes a entregá-los. “Alguns aproveitam-se disso para ainda nos provocarem – dizem-nos que não podemos mexer nos telemóveis deles”, explica Catarina Silva, que não é apologista que um professor avance para uma participação assim que vê que o aluno está com o telemóvel.
“Prefiro chamar-lhe a atenção em primeiro lugar, sem lhe retirar o telemóvel, e só caso volte a apanhá-lo é que recorro a essa medida”, afirma a docente, que acredita ser possível educar os estudantes a não usarem os smartphones através da transmissão de bons valores.
Em certas escolas, por exemplo, é comum que os alunos deixem os seus telemóveis numa caixa antes da aula começar, mas Carla Jesus acha que faz mais sentido que essa caixa comece por estar vazia. Só se o aluno for visto a usar o aparelho é que vai lá colocá-lo. O mesmo pode ser feito em dias de teste para evitar que os alunos copiem. É que hoje, mais do que as cábulas feitas em papel, os jovens optam por tirar fotografias aos resumos das matérias. Ou então trocam mensagens entre si durante as avaliações.
“É preciso ter muito cuidado porque eles são tão bons a manusear o telemóvel que quase nem precisam de tirá-lo do bolso”, adverte Conceição Vidigal nem sequer permite que os seus alunos vejam as horas no smartphone, mas reconhece que há excepções em que o professor deve usar o bom-senso.
“Se eles estão com um problema familiar grave e me avisam no início da aula que alguém da família lhes pode ligar, eu permito que atendam”, ilustra a professora, alertando que é necessário avaliar todas as situações porque há pais que, embora saibam qual é o horário escolar dos filhos, estão constantemente a telefonar-lhes durante as aulas para tratar de assuntos que não são urgentes.
Muito embora nem todos os professores lidem da mesma forma com o telemóvel enquanto intruso na sala de aula – há deles mais permissivos, outros mais inflexíveis – a maioria tem a consciência que os professores devem ser os primeiros a dar o exemplo. Para os mais esquecidos, há já aplicações que silenciam automaticamente o telemóvel no horário que o docente definir.