Uma turma de 8º ano da Escola Básica D. João II esteve no dia 5 de Maio no tribunal das Caldas da Rainha para participar numa simulação de julgamento. Os 22 alunos tinham em mãos a tarefa de trabalharem um caso fictício de violência no namoro e apresentá-lo numa sala de tribunal a sério. Houve quem assumisse o papel de advogado, procurador, testemunha, vítima ou arguido.
Esta iniciativa realizou-se pela primeira vez nas Caldas e inseriu-se no projecto Justiça Para Todos, promovido pelo Instituto Padre António Vieira com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. O objectivo é educar os jovens sobre o funcionamento do Estado-de-Direito e aproximá-los do sistema judicial.
A única figura real presente na sala é a juíza Cristina Timóteo. As advogadas, o procurador, a secretária, o arguido, a vítima e todas as testemunhas são personagens fictícias, interpretadas pelos 22 alunos da Escola D. João II. Embora o julgamento não seja a sério, os estudantes têm os nervos à flor da pele e encaram o seu papel com responsabilidade, como se estivessem numa situação verdadeira. O caso que está em cima da mesa acusa Ricardo Runa de ter agredido a namorada, Patrícia Anabela Fragoso, atrás do pavilhão da escola, no dia 14 de Março de 2016. Os dois jovens têm 17 e 16 anos, respectivamente, e namoraram durante quatro anos. Além deste episódio, acusa-se ainda Ricardo de ter dado um estalo a Patrícia, dia 12 de Março, e de no dia seguinte lhe ter enviado mensagens de tom ameaçador pelo facto desta não lhe ter dado notícias pelo telemóvel durante algumas horas.
Depois do arguido Ricardo ter optado pelo silêncio em tribunal, chega a vez de ouvir a vítima Patrícia e as testemunhas apresentadas pela defesa e acusação. São chamados a depor amigos, professores, funcionários e a directora da escola, psicólogos e familiares. Mas também a médica que acompanhou Patrícia Anabela no dia em que esta foi assistida no hospital, supostamente após a agressão. A juíza informa todas as testemunhas que mentir em tribunal é considerado crime, punível com pena até cinco anos de prisão ou uma multa de 600 dias.
São também apresentados documentos que servem de prova, como relatórios médicos e despesas farmacêuticas. Todo este material, apesar de fictício, cumpre as normas legais e foi elaborado pelos alunos, com o apoio da advogada-tutora desta actividade, Ana Paula Enxuto. O projecto Justiça Para Todos tem como parceiro o escritório Abreu Advogados, de Lisboa, mas a turma de 8º ano preferiu contactar uma advogada local.
No ensaio geral, realizado duas semanas antes, Ricardo Runa foi absolvido. No dia 5 de Maio, na simulação de julgamento, o veredicto foi diferente: o arguido foi considerado culpado e condenado a dois anos de prisão com pena suspensa. A juíza Cristina Timóteo explicou que os tribunais decidem suspender as penas quando o réu não tem antecedentes criminais e se considera que só o facto de ter sido condenado é suficiente para que não volte a cometer um crime.
“Um dos aspectos mais interessantes desta iniciativa é que é dinâmica e não tem um desfecho pré-determinado pois tudo depende de como correm as sessões de julgamento”, disse Cristina Timóteo, realçando que no ensaio geral as alunas que estavam no papel de advogadas da acusação entenderam que para vencerem o caso tinham que se preparar melhor.
“Isso fê-las perceber que os arguidos não são condenados à partida e que numa sala de audiências é o réu quem tem mais direitos”, acrescentou a juíza, que salientou a importância deste projecto como forma de sensibilizar os jovens para o funcionamento do sistema judicial. “Os alunos até podem nem sair daqui futuros advogados ou juízes, mas ao menos saem cidadãos mais conscientes dos direitos e deveres”, frisou.
“EXPERIÊNCIA MUITO ENRIQUECEDORA”
Desde Fevereiro que esta turma do 8º ano trabalha na iniciativa Justiça Para Todos, com a coordenação da professora Maria Alexandre Rebola. Dos vários casos que tinham disponíveis – como tráfico de seres humanos, bullying ou roubo – optaram por escolher a temática da violência no namoro. Dividiram-se em diferentes grupos de trabalho, o que tornou a tarefa ainda mais difícil (e real) pois o lado da acusação não conhecia os argumentos do lado da defesa e vice-versa.
As alunas Mariana Silva, Filipa Agostinho e Maria Caiado saíram do julgamento muito satisfeitas por se ter feito justiça: “achamos que a violência no namoro é um problema comum e muito actual, mas nem sempre os agressores são julgados, por isso estamos contentes”. As jovens acrescentaram que “a experiência foi muito enriquecedora e educativa” e que, embora soubessem que a sessão era apenas uma simulação, vestiram a toga de advogadas com seriedade e vontade em desempenharem bem o seu papel.
Escola Raul Proença também participou
Além da Escola D. João II, também a Raul Proença aderiu ao projecto Justiça Para Todos, com 37 alunos da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica. Estes participaram em três simulações de julgamento, no dia 3 de Maio, levando a tribunal casos de tráfico de seres humanos e de homicídio. Os alunos foram acompanhados pelo professor Mário Barreiro e contaram com o apoio dos advogados Anabela Blanc, Luís Costa e Paulo Silveira.
Esta foi a primeira vez que escolas do concelho se deslocaram ao Tribunal das Caldas para participarem em simulações de julgamento.
E Leiria teve que autorizar Caldas…!
A Escola D. João II convidou a Gazeta das Caldas para assistir à sessão de julgamento Justiça Para Todos e, no dia 5 de Maio, à hora marcada (14h00), a jornalista encontrava-se no tribunal. Só que quando se apresentou à entrada, foi-lhe dito, pelos funcionários e pela própria juíza, que não poderia fazer cobertura jornalística da iniciativa sem ser dada autorização por parte da gestão da Comarca de Leiria. Isto ao mesmo tempo que iam entrando para a sala de audiências familiares de alunos e professores, a quem o acesso foi permitido e que até puderam filmar a sessão.
Ora, para obter tal autorização foi indicado à jornalista da Gazeta das Caldas que enviasse um e-mail para o tribunal de Leiria e, mais tarde – tendo em conta que a sessão já tinha começado – que ligasse directamente para o serviço de gestão. Vinte minutos depois, foi finalmente permitida a entrada da imprensa na sala. Este foi um episódio em que a burocracia falou mais alto que o bom senso, com a agravante que se tratava de um julgamento que nem era real e para o qual o nosso jornal havia sido convidado pela escola.
Não deixa de ser estranho que seja um órgão de soberania a restringir o acesso a uma cobertura jornalística violando a liberdade de expressão e o direito a informar.