A Ordem de Cister deixou várias marcas da sua história e da sua obra, das quais as mais visíveis são as abadias que erigiu. No dia 12 de Novembro o Mosteiro de Alcobaça recebeu onze outras abadias, que ali deram a conhecer os seus espaços e modelos de gestão. Além de uma história e património comum, vêem colocar-se nos seus caminhos os desafios à sustentabilidade.
Uns estão ‘perdidos’ nas montanhas e florestas, outros viram vilas erguer-se ao seu redor. Uns são gigantes obras arquitectónicas e outros são pouco maiores que uma casa de habitação. Uns são públicos, outros privados e ainda há os que estão entregues a associações de cidadãos. Falamos de abadias cistercienses, que existem um pouco por toda a Europa e que estão ligados em rede pela Carta Europeia de Abadias e Sítios Cistercienses.
Além da grandeza, os desafios que enfrentam são diferentes, tal como o percurso que registaram na História, mas a sustentabilidade é um problema comum.
Gazeta das Caldas esteve presente no encontro de abadias europeias que ocorreu a 12 de Novembro no Mosteiro de Alcobaça, onde representantes de doze abadias de Portugal, Espanha, França, Itália, Polónia, República Checa, Alemanha, Bélgica, Dinamarca e Reino Unido apresentaram os respectivos modelos de gestão e ideias de desenvolvimento.
Criar e comercializar produtos – alimentares e de outros tipos – ligados com a História, abrir as portas promovendo eventos e iniciativas que respeitem a tradição, desenvolver experiências de visitação que apelem aos vários sentidos, são algumas das acções que os responsáveis têm desenvolvido e que recomendam.
O trabalho em rede e o peso da comunicação são aspectos que também não foram ignorados. A forma como se comunica deve ser concisa e de fácil compreensão, deve ter em conta o público-alvo e adoptar as novas tecnologias.
Utilizar estes edifícios, ou parte deles, como alojamento também tem sido uma das formas utilizadas para ajudar a combater a falta de verbas.
Outro dos pontos assentes: dentro do possível e através de todos os meios, a História deve ser mantida e transmitida.
Sendo certo que é muito complicado descobrir os motivos que trazem tantos turistas a Alcobaça, provavelmente o maior será o de encontrar e conhecer o património cisterciense no seu estado mais puro e bem conservado, conhecer a sua História.
Em Alcobaça, apesar de tudo, as marcas históricas ainda estão visíveis e há iniciativas que as ajudam a transmitir, como, por exemplo, as visitas ao sistema hidráulico com especialistas na matéria.
Não é que esteja tudo feito, muito pelo contrário, mas este é um daqueles casos em que a identidade é o melhor activo. E nesse sentido têm sido procuradas formas de conjugar a modernidade com o património e de honrar a tradição, com iniciativas como o videomapping e os doces conventuais ou a ligação à música através do festival Cistermúsica e da gravação de videoclips e cd’s que aproveitam a acústica e a beleza do espaço.
água a correr no Mosteiro
A fundação do mosteiro em Alcobaça ocorreu quando D. Afonso Henriques cedeu 44 mil hectares a S. Bernardo de Claraval. Um gesto que pode ter sido decisivo no reconhecimento da independência portuguesa.
Esta foi a última abadia construída durante a vida de S. Bernardo. A igreja é a terceira maior da Ordem de Cister e tem várias semelhanças com a segunda maior, a de Pontigny (França).
A relevância dos monges no desenvolvimento da região é notória e a abadia estendeu a sua influência até bem longe.
Após 1834 o mosteiro e os seus bens foram nacionalizados e foi posteriormente usado como Paços do Concelho, Câmara Municipal, prisão, tribunal, banco, teatro, hospital, finanças, conservatória, escola, quartel, lar, biblioteca, entre outros.
Este ano a igreja do mosteiro de Alcobaça recebeu mais de 400 mil visitantes e o mosteiro cerca de 210 mil, num aumento de 15% face ao ano anterior.
Entre técnicos, administrativos, recepcionistas e vigilantes, trabalham no mosteiro de Alcobaça 17 funcionários. Um número que deverá ser aumentado este ano.
De olhos postos no futuro, Ana Pagará, directora do Mosteiro, revelou que pretendem “melhorar condições de acessibilidade, segurança e apreensão da informação”, bem como criar “um centro interpretativo e um museu”.
Colocar a água da levada do rio a correr novamente sob o mosteiro é outro dos projectos em curso, ainda que para isso não se vá reabilitar todo o sistema hidráulico que foi destruído.
No encontro de abadias, Paulo Inácio, presidente da Câmara de Alcobaça, chamou a atenção para “os diversos constragimentos que o ordenamento jurídico português coloca no acesso a fundos comunitários para requalificação de património histórico”. O autarca comparou a situação nacional com a de outros países europeus e disse que a situação actual impede o acesso a fundos que seriam importantes.
Paulo Inácio afirmou ainda que o encontro ajuda a colocar Alcobaça numa posição central no contexto da rede europeia de abadias cistercienses e salientou o papel deste instrumento na captação de investimento.
O subdirector geral do Património Cultural, David Santos, disse que o encontro se insere numa política de relações internacionais do Mosteiro que pretende também afirmar o centro do país. Já Dominique Mangeot, presidente da Rede Europeia de Abadias e Locais Cistercienses, destacou a importância do encontro na transmissão da herança deixada pela Ordem.
Mosteiro de Coz inscrito na Carta Europeia
Há vestígios da ocupação humana em Coz (concelho de Alcobaça) desde o tempo dos romanos, na época em que existia a Lagoa da Pederneira que fornecia alimento e colocava aquele local na rota do comércio.
Fundado em 1279 para mulheres viúvas, integrou a Ordem de Cister a partir do século XVI, tornando-se num dos mais ricos mosteiros de Cister femininos em Portugal e contribuindo para o desenvolvimento local.
Abandonado em 1834, viu partes do seu complexo serem transformadas em habitações, armazéns, palheiros e pocilgas.
Em 2011 a autarquia comprou terrenos ao redor do mosteiro e começou a tentar recuperar a propriedade. Em 2013 teve início a demolição dos elementos posteriores a 1834. Em Fevereiro do ano que agora finda foi entregue ao Ministério da Cultura uma pré-candidatura a património nacional. Dois meses depois, na Alemanha, propôs-se a entrada na Carta Europeia de Abadias e Sítios Cistercienses, o que aconteceu já em Novembro. I.V.
São Cristóvão de Lafões – um casal que restaurou um mosteiro
Situado num ponto alto e rodeado por árvores, este mosteiro tem vista para o rio Varoso. Fundado, crê-se, em 1138 é provavelmente o primeiro mosteiro cisterciense na Península Ibérica, mas da construção primitiva nada resta, pois o existente resulta da reconstrução no séc. XVII.
Albergou monges durante quase 700 anos, até à sua exclaustração. Gozando de uma grande autonomia, era uma abadia nullus, ou seja, que não respondia à tutela do bispo.
Após a expulsão das ordens religiosas passou para posse privada durante 150 anos, sendo adquirido pelos actuais proprietários, sem a igreja e sem telhado, em 1984.
Daí para cá têm tentado reconstruir o espaço, tendo em 2004 lançado um projecto de turismo de habitação com oito quartos.
Jervaulx – Reino Unido – Um projecto familiar
Fundada em 1156 a abadia de Jervaulx demorou 25 anos a construir. Os monges ocuparam-na até o rei Henrique VIII, em 1546, ordenar que todos os mosteiros que não produzissem o suficiente para pagar as suas contribuições fossem fechados, porque não eram necessários.
Daí que muitos dos objectos que deram vida a esta abadia estejam espalhados por mosteiros mais ou menos próximos. Actualmente é uma ruína que foi adquirida há 140 anos por privados. Chegou à família Burdon em 1971 e foram estes que lançaram novas obras de conservação em 1984.
Fontfroide – França – Um jardim de rosas que abastece a cidade
Escondida nas montanhas no sul de França, a abadia de Fontfroide foi erguida em 1093 dedicada à ordem Beneditina. É anexa à ordem de Cister em 1145. A peste negra assolou este mosteiro, que foi mantido por poucos monges até à revolução francesa. Acabou por ser abandonada depois da lei de separação entre o Estado e a Igreja, sendo adquirida muito mais tarde por um artista francês que a restaurou.
No encontro esteve um dos 48 actuais proprietários, que deu a conhecer o restaurante, o vinho e o festival de músicas do mundo que todos os anos decorre na abadia. Anualmente do jardim de rosas da abadia saem enxertos de roseiras novas para a população plantar.
Chiaravalle della Colomba – Itália – Um mosteiro que foi usado como hospício
O mosteiro de Chiaravalle della Colomba, em Itália, foi construído em 1136, tendo albergado os monges até 1444, ano em que foi entregue a um privado.
Voltou a erguer-se com o revivalismo monástico, até que em 1810 os monges foram expulsos por Napoleão e os quartos passaram a ser usados pelo Hospício Civil de Piacenza.
A sacralidade do espaço não deixou que os monges o abandonassem por muito tempo e em 1937 restabeleceram-se neste mosteiro.
Oia – Espanha – A única abadia de Cister costeira da Península Ibérica
Na Galiza encontramos a única abadia cisterciense na Península Ibérica que se localiza na costa. Trata-se do mosteiro de Oia, que foi construído em 1137 e convertido à ordem de Cister em 1185.
Ajudou a vigiar e proteger a costa galega no século XVII. Foi já depois da invasão de Napoleão que foi deixado ao abandono em 1835.
Actualmente pertence a uma associação sem fins lucrativos que diz que a tecnologia tem sido a chave para manter o espaço.
Esrum – Dinamarca – Resta entre oito e dez por cento do complexo original
Na costa dinamarquesa encontramos o mosteiro de Esrum. Tendo sido fundado pela ordem Beneditina, foi doado pelo rei a S. Bernardo de Claraval.
Os monges cistercienses ajudaram a desenvolver aquela região até as abadias passarem para o poder da monarquia, no início do século XVI.
Actualmente pertence ao estado dinamarquês, que em 1992 restaurou tudo o que conseguiu. Sobreviveu entre oito e dez por cento do complexo original. O mosteiro, que em 2015 recebeu 64 mil visitantes, emprega 12 pessoas e a fundação mais 13.
Bierwznik – Polónia – Gerido por uma associação sem fins lucrativos
Construído pelos cistercienses, foi ocupado durante 200 anos pelos monges de Cister. No século XVI é convertido para a Igreja Protestante. Acaba por cair na mão de privados até ao fim da segunda grande guerra. Em 1957 a igreja católica volta àquele mosteiro. Destruído, recebe em 1992 uma investigação arqueológica e já neste milénio obras de reconstrução.
Pertence a uma associação sem fins lucrativos para preservação da memória, que conta com 20 associados.
Herkenrode – Bélgica – Cerveja e chocolate conventuais
Fundado em 1182 o mosteiro de Herkenrode foi, cem anos mais tarde, o primeiro mosteiro feminino dos Países Baixos e um dos mais importantes e ricos.
Viveu períodos alternados de prosperidade e declínio, até que durante a revolução francesa a abadia acabou por ser vendida. Em 1826 um fogo destruiu a igreja, o claustro e uma parte do mosteiro.
Actualmente os perto de 100 hectares dentro da cerca estão a ser restaurados por privados, respeitando a função original. Dos campos de Herkenrode sai chocolate e cerveja.
Bronnbach – Alemanha – A última morada de um rei português
Fundada no mesmo ano que Alcobaça, no vale de Tauber, a abadia de Bronnbach esteve 650 anos ao serviço dos cistercienses e ao seu redor viu nascer uma vila com a oferta de vários serviços.
Em 1803 os bens foram concedidos à casa Lowenstein. E foi pela ligação a essa família que esta foi a última residência do rei D. Miguel, que lá viveu o seu exílio.
Mais tarde, em 1986, o distrito de Main-Tauber adquire os seis hectares por 1,9 milhões de francos e actualmente tem planos para que a água volte a correr em Bronnbach, como se pretende fazer em Alcobaça. Uma das maiores diferenças entre Bronnbach e Alcobaça é o orçamento, sendo o de lá bastante superior.
Zdar – República Checa – Uma viagem pela História com os aparelhos mais modernos
A abadia de Zdar, na República Checa, tem mudado constantemente de proprietários. Numa dança entre público e privados, o agora castelo tem um museu repleto em inovação que lhe tem valido elogios. Fundado em 1252, passou dois séculos depois para a posse do rei que era descendente de um dos fundadores. O rei tentou restaurar o que havia sido destruído e repor o que havia sido roubado durante as guerras hussitas.
Em 1689, já depois de ter passado pela posse de um cardeal e de outro proprietário, sofre um incêndio. Um cenário que se repetiria cerca de cem anos depois. No século XIX passa para a nobreza e em 1948 é nacionalizado. Já no fim do século XX é restituído à família Kinsky.