Ana Calçada esteve em Óbidos durante 12 anos, nos quais dinamizou projectos emblemáticos como o Junho das Artes

Depois de mais de uma década a coordenar a rede de Museus e Galerias do município, Ana Calçada deixa Óbidos, para continuar
a trabalhar em projectos na área da cultura. Formada em sociologia e especialista em design, Ana Calçada esteve na concepção do Junho das Artes, trouxe à vila grandes artistas e trabalhou a relação da arte com o território e a comunidade

“Atraída pelo potencial de cultura associado à vila de Óbidos e à dinâmica da autarquia”, Ana Calçada veio para este concelho há 12 anos integrar a equipa da Óbidos Criativa.
Começa por ocupar-se das duas galerias existentes na época, a do Pelourinho e a novaOgiva, e coordena, durante mais de uma década, a rede de museus e de galerias, que integra os museus Municipal, Paroquial e Abílio, as duas galerias, o Centro de Design e a casa museu Abílio Matos e Silva.
“Os meus primeiros desafios foram montar o Museu Abílio e o Centro de Design, que era uma peça extraordinária, excêntrica, no país”, recorda, acrescentando que, nesta área, apenas existia o Centro Português de Design, de onde Ana Calçada tinha vindo como directora da promoção e informação nacional e internacional.
Mas outros desafios se colocaram no percurso desta lisboeta que passou a última década em Óbidos.
Era necessário um novo “discurso” para a cultura e para os espaços museológicos, confrontando linguagens artísticas, entre as obras clássicas do acervo e obras contemporâneas.
A resposta foi dada com a atracção de artistas conceituados a nível nacional como Ana Vidigal, Cristina Ataíde, José Aurélio, Samuel Rama ou Pedro Calapez.
O relevo conseguido com o Junho das Artes, num trabalho de equipa nas quatro edições realizadas, trouxe a Óbidos largas dezenas de artistas jovens e de artistas conceituados, como Rui Horta Pereira, Ana Jotta, André Banha, Tiago Baptista, Ricardo Jacinto e Pedro Cabrita Reis.
“Ao tempo foi um projecto inovador, desafiador, que ocupava a vila, mas que ia para além das muralhas da vila”, recorda a responsável, sublinhando que o evento demonstrou o potencial de relação entre artistas e como a arte contemporânea pode dialogar com o território.
O museu municipal, como espaço central de Óbidos vivia de uma exposição permanente que exigia uma abordagem “contemporânea e filosófica actual, com outra dinâmica provocatória de diálogo com o visitante”.
Propôs-se, então, a trabalhar no sentido de mostrar o património existente, mas com outra visão sobre as coisas e a evolução do mundo. “Criar novos discursos através da partilha do acervo da Misericórdia, das paróquias de Óbidos e do município, foi um desafio que construímos enquanto equipa”, disse a gestora cultural, enaltecendo a cumplicidade e dinamismo dos elementos que com ela trabalhavam. Dedicaram-se salas a temas, como a do barroco. Do diálogo com outras instituições nasceu, há dois anos, a sala Josefa d’Óbidos, numa homenagem à pintora obidense e que junta peças do acervo da autarquia, mas também outras, pertença da Misericórdia de Óbidos e do Novo Banco, que cedeu uma natureza morta. Iniciou-se ainda um processo para a criação de um Centro de Conhecimento, designadamente dedicado ao Barroco e a Josefa d’ Óbidos, com o objectivo de produzir conhecimento sobre a obra da pintora obidense e do conjunto de artistas que terão passado pela escola de Óbidos.
“A intenção é fixar e desenvolver no território, o estudo e conhecimento neste período histórico da arte e, esta sala marca o momento para dar início a este trabalho”, considera Ana Calçada.

LIGAR A ARTE À COMUNIDADE

A galeria novaOgiva, criada pelo alcobacense José Aurélio e considerada um dos ex-libris da vila, foi, nos últimos anos, uma verdadeira montra para artistas conceituados que se relacionaram e integraram com a comunidade através das obras produzidas, como foi o caso da Fernanda Fragateiro, Ângelo de Souza, Nuno Nunes Ferreira e Pedro Proença.
“Ligar a arte à comunidade educativa foi, para mim, uma peça fundamental”, disse, dando como exemplo o programa “O Museu vai à escola”, onde as peças iam ao encontro dos alunos, proporcionando a reflexão.
Os museus Paroquial e Abílio integraram-se também, na lógica das exposições temáticas, no primeiro caso, relacionadas com a arte sacra e, no Abílio, afirmando um diálogo entre o espólio do cenógrafo e o projecto do artista da área das artes do palco.
Referindo-se ao Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos, Ana Calçada referiu que este permitiu criar “nova alma e um novo fôlego” à vila, fomentando uma cumplicidade dos espaços e das próprias livrarias e trazendo novo público, mais exigente. Lamenta que este ano aquele festival não se realize, numa lógica de “reinvenção adequada” à situação actual, pois considera que se pode vir a perder a expressão cultural que atingiu.

ABRAÇAR OUTRO TIPO DE DESAFIOS

A pandemia veio alterar a forma como a Cultura é consumida e, também, em muitos casos, produzida. Mas, na opinião de Ana Calçada, veio mostrar, também, a urgência de se apostar e olhar para a cultura como um bem, não só de conforto e lazer, mas também económico.
“Temos de fazer com que as pessoas vejam o que é feito pelos artistas e curadores através dos meios digitais, mas também conduzi-las aos lugares porque sentir, cheirar, tocar e entrar no espaço, não podem ser esquecidos”, realça.
Em relação à Cultura em Óbidos, a responsável considera que “quem fica vai, certamente, fazer um percurso diferente”, sugerindo o enriquecimento entre a chancela Vila Literária e o concelho.
“Parece-me fundamental que a palavra, o livro, seja cada vez mais a marca de Óbidos, um caminho que nos distingue do conjunto dos outros territórios, não só na região como no próprio país”, conclui.
Ana Maria Calçada, que atingiu a idade de aposentação, parte agora para abraçar outros projectos culturais com a determinação de continuar o percurso de conhecimento na área a que se dedicou na Rede de Museus e Galerias.
“É outro tipo de desafio, sem ter uma relação institucional fixa”, afirma à Gazeta das Caldas.