O poeta Armando Silva Carvalho, um dos nomes maiores da literatura portuguesa contemporânea, natural do Olho Marinho e que faleceu em Junho passado com 79 anos, terá um espaço em Óbidos dedicado à sua vida e obra. A criação do movimento que pretende dar a conhecer a importância cultural deste autor foi sugerida pela coordenadora do Folio, Celeste Afonso, aquando da homenagem que lhe foi prestada no festival e contou, desde logo com a participação do ministro da Cultura, Luís Castro Mendes.
A terceira edição do Folio, que arrancou a 19 de Outubro, decorre até ao próximo domingo, com diversas conversas de autores, música, apresentações de livros. Encerra com o concerto “Ficções do Interlúdio” com Helder Bruno, que conta com os convidados especiais Nuno Guerreiro e Ricardo Carriço.
Óbidos vai ter um espaço dedicado ao poeta Armando Silva Carvalho, onde será reunido parte do seu espólio, mas também toda a informação que permita dar a conhecer melhor o homem natural do Olho Marinho, que é uma referência na literatura portuguesa contemporânea. A Sociedade Portuguesa de Autores enviou, inclusive, o seu nome em vida à Academia Sueca para ser submetido ao prémio Nobel da Literatura.
A ideia para a criação de um movimento de cidadãos foi lançada por Celeste Afonso durante a homenagem feita ao poeta. A coordenadora do Folio gostaria de já ter um grupo a trabalhar aquando das comemorações do terceiro ano da classificação de Cidade Criativa da Literatura, a assinalar a 11 de Dezembro. O espaço aberto à colaboração de todos quantos tenham conhecimentos sobre o autor, irá reunir entre outros documentos, a intervenção feita pelo ministro da Cultura durante a homenagem.
O objectivo é “dar a conhecer melhor o homem atrás do poeta, que se resguardava muito”, explicou Celeste Afonso, acrescentando que, não pretendendo entrar na sua intimidade, querem “humanizar” Armando da Silva Carvalho. Após o anúncio houve logo pessoas que disseram que queriam fazer parte, como foi o caso do escultor José Aurélio que se ofereceu para fazer o retrato do poeta.
Celeste Afonso falou também da vontade de que o autor seja trabalhado nas escolas de Óbidos, embora não esteja incluído no programa nacional.
Admirador confesso da obra de Armando Silva Carvalho, o ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, que também é autor literário, partilhou que desde muito jovem leu e acompanhou o seu discurso poético. “É um poeta muito importante, que se inscreve na tradição lírica corroendo-a, na linha de [Alexandre] O’ Neill mas com mais dureza, com uma maior crueldade”, disse.
De acordo com o governante a poesia de Armando Silva Carvalho é de revolta e de afirmação, quando fala de coisas tão dolorosas e humanas, como nos seus últimos poemas, sobre a vida hospitalar.
Na cerimónia de homenagem, que decorreu no sábado e onde participou também o poeta Gastão Cruz, o governante referiu-se ainda ao autor como um homem “profundamente ligado à terra e ao Portugal interior”. Também os seus primos, residentes na região, partilharam algumas características de Armando Silva Carvalho, como a sua modéstia e timidez. “Os livros dele não são muito acessíveis, é uma poesia profunda, mas tem partes que leio e gosto imenso”, contou José Carlos Carvalho, orgulhoso da obra literária do primo. O outro primo, Jorge Carvalho, agradeceu a palestra e homenagem feita no festival e disse que esta deveria de se repetir. Está agora a começar a recolher toda a informação que o autor tem em sua casa para ver se há documentos que podem ser publicados.
Também presente na cerimónia esteve o amigo, e também escritor, António Torrado. “Pertencemos à mesma geração e vivemos com alegria as alegrias alheias desses amigos e com tristeza as suas tristezas”, disse o autor que guarda uma recordação “muito viva” do seu compadre, dado que Armando Silva Carvalho era padrinho de um dos seus filhos.
“Fiquei contente por ver uma sala cheia atenta a um tema com tão pouco peso no dia a dia, como é a poesia”, disse o autor à Gazeta das Caldas. Mas António Torrado também estava a participar no Folio, ainda que indirectamente. Ele foi o autor do texto que, juntamente com uma ilustração de Mafalda Milhões, acompanha a peça cerâmica “O pião das nicas”, lançado em Setembro do ano passado pela empresa caldense Laboratório d’estórias, à venda no mercado do livro ilustrado e da ilustração, que decorreu durante o passado fim-de-semana na Praça de Santa Maria.
Cerca de meia centena de autores e criadores expuseram os seus trabalhos, criando ali uma “revolução” ilustrada, mostrando esta arte de diferentes formas.
Prémio Nacional de Ilustração
Integrado no festival, foi entregue, no domingo, o Prémio Nacional de Ilustração, a Fátima Afonso pelas ilustrações do livro “Sonho com asas”.
A entrega do prémio decorreu logo após a inauguração da PIM! – Mostra de Ilustração para Imaginar o Mundo, integrada no Fólio Ilustra, que conta com a participação de 21 autores. Entre os autores estão Gémeo Luís, Rachel Caiano, Ana Biscaia, Catarina Sobral, Marta Madureira, André da Loba ou Sérgio Godinho.
Este ano a mostra faz uma homenagem a Manuela Bacelar, uma ilustradora para a infância, e a primeira distinguida do Prémio Nacional de Ilustração.
Sérgio Godinho, que este ano mostra em Óbidos a sua faceta de ilustrador, com dois trabalhos expostos, considera que “é absolutamente indispensável” este tipo de festivais. Já o ano passado tinha estado na vila, numa conversa e num espectáculo, e este ano quis vir assistir ao evento durante dois dias.
Também o ministro da Cultura, Luís Castro Mendes, homenageou o festival, que este ano acontece “contra ventos e marés”, aludindo à falta de apoio comunitário para a sua realização. “A comunidade intermunicipal entendeu que havia outras prioridades para alocar os fundos comunitários”, disse o governante que não comenta as opções que as autarquias tomam. No entanto, realçou “o papel extraordinário” que a autarquia de Óbidos teve na mobilização de parceiros que permitiram suportar os custos do festival cuja programação ascende a um milhão de euros.
O Ministério da Cultura apoiou o evento com uma verba de 10 mil euros, que não é o montante “desejável, mas foi o que foi possível”, reconheceu o governante.
Antes, já na inauguração do PIM!, o presidente da Câmara, Humberto Marques, tinha falado das dificuldades no financiamento para criar um festival desta dimensão. “Não nos vão calar, não nos vão apagar. Não sou um homem da esquerda nem revolucionário mas é necessário dar a indicação dessa dificuldade”, disse o autarca, agradecendo publicamente o trabalho feito pela coordenadora do Folio, Celeste Afonso, e pela sua equipa.
Propaganda política nas paredes da EPAC
Parte dos antigos armazéns da EPAC, transformada em auditório da Praça da Criatividade, tem as suas paredes revestidas de cartazes políticos alusivos ao nascimento da democracia. São na sua maioria pertença da colecção Ephemera, de Pacheco Pereira, que, no primeiro dia de Folio, partilhou algumas das curiosidades contidas nestes cartazes datados de 1974 a 1976 e que abrangem todo o espectro político da altura.
A mostra começa com a célebre emissão de cartazes do MFA com desenhos de Abel Manta e Vespeira, alguns deles já bastante raros. Continua depois com os do MDP, mais convencionais, e os do MRPP, onde um deles faz mesmo um apelo à execução pública dos fascistas. “Foi divertido ver a Troika a entrar para uma reunião na Assembleia da República e ter que passar por estes cartazes cheios de foices e martelos e outros símbolos”, contou o historiador, lembrando que estes cartazes estiveram em exposição na Assembleia da República aquando dos 40 anos do 25 de Abril.
Pacheco Pereira destacou também o interesse dos primeiros cartazes do CDS, que foram feitos por gráficos alemães e que alertam para problemas como a miséria com fotos de mendigos e uma senhora sem uma perna, e que foram deixados de ser colocados por serem considerados muito miserabilistas. O investigador falou também dos cartazes do PPD/PSD, cuja simbologia é a mesma da LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária), inspirada nas setas que vêm dos anos 30 e da luta contra o nazismo. Curioso é também o facto dos cartazes iniciais do PSD, a maioria da autoria do cartoonista Augusto Cid, não usarem a cor de laranja.
Revolução contra o desperdício
No domingo à entrada da vila a revolução era contra o desperdício. Tartes feitas com maçãs pequenas, queimadas do sol, ou com uma pequena parte podre, eram trocadas por donativos que serão depois empregues em iniciativas florestais, entre elas a de reflorestação da área ardida no concelho com os últimos incêndios.
A engenheira do ambiente Patrícia Faria, que estava responsável pela banca, contou à Gazeta das Caldas que o “negócio” estava a correr bem, pois das 20 tartes feitas, teria cerca de três por vender. A primeira experiência foi feita com maçã reineta, mas no futuro contam alargar a receita à pêra Rocha e a outras variedades de fruta existentes no Oeste, permitindo ao projecto “Fruta no ponto” evoluir e tornar-se autónomo.
“Antes a fruta era aproveitada para o consumo dos animais mas agora fica a apodrecer nos pomares ou, a que é desviada nos armazéns, é vendida para a indústria transformadora a um preço que não chega ao da produção”, explicou a engenheira que quer dar aos produtores locais uma alternativa para a sua comercialização.
Durante o dia de domingo foram também distribuídas 800 árvores autóctones, como sobreiros e pinheiros, cedidos pelos Viveiros Furadouro, pelos visitantes do Folio. Para além de levarem as árvores, os interessados deixaram ainda o seu contacto para participar, como voluntários, na acção de reflorestação que está a ser organizada pela comunidade local.
Ao lado, um atelier de serigrafia, permitia ao público “deitar palavras ao vento”. Cada pessoa escolhia uma palavra que era serigrafada e depois atada a elásticos, ficando ao vento.
Todas estas iniciativas, dinamizadas pela equipa do Espaço Ó, terminaram com a festa da comunidade. A mesa repleta junto à Porta da Vila era resultado da colaboração de todos quantos quiseram participar. Além da comida houve quem colaborasse com a música e a poesia, fazendo a festa acontecer.
A meio da tarde Júlia Farinho, uma das voluntárias, não tinha mãos a medir. De casa trouxe uma tarte e acabara de pôr em cima da mesa os jarros de água aromatizada. “Estou cá desde as 10h30 e adoro tudo isto que se está a fazer, acho que valoriza ainda mais Óbidos, que eu adoro”, conta à Gazeta das Caldas a natural de Queluz mas que escolheu este concelho para residir.
Abertura “sem festa” por causa dos incêndios
O Folio “abriu portas” a 19 de Outubro mas “sem festa” por se assinalar o luto nacional devido aos incêndios e suas vítimas. Na primeira mostra a ser inaugurada, nessa mesma tarde, “O Aceitador do Medo”, o artista moçambicano Gonçalo Mabunda, referiu que o título pode ser relacionado com a tragédia que se abateu no centro do Portugal com os incêndios, em que as “vítimas, tal como o Aceitador do Medo: têm que fugir ou aceitar”.
Pelo Museu Abílio encontram-se expostas 32 esculturas feitas com despojos da guerra civil de Moçambique. A poucos metros, no Museu Municipal, encontra-se exposta a mostra “Memórias da Liberdade – Arte e Direitos Humanos”, cedida pelo CCB, e que compreende 30 das 53 obras de artistas de 23 países, que compõem a colecção.
O Folio sai este ano pela primeira vez das muralhas da vila, para ocupar o espaço do quartel dos bombeiros, os antigos armazéns da EPAC e a Praça da Criatividade. É ali que está o maior auditório, que tem recebido vários autores, como foi o caso dos humoristas Ricardo Araújo Pereira e António Prata, que juntou mais de 200 pessoas.
Nesta edição do Folio foi também lançado o selo dedicado às Cidades Criativas da Unesco, Óbidos e Idanha a Nova, com um custo de 87 cêntimos.