Isabel Castanheira diz que as Caldas da Rainha poderia ter Bordalo como marca pois é tão importante para a cidade como Gaudi é para Barcelona.
A livreira, conhecida investigadora da obra bordaliana, gostaria que fosse feita uma estátua de Bordalo na cidade, onde as pessoas poderiam tirar fotografias como fazem com Pessoa no Chiado.
A uma semana de lançar o seu livro “Rafael Bordalo Pinheiro à Sombra dos Plátanos” – que terá lugar a 24 de Junho, pelas 15h00, no Parque – Isabel Castanheira fala à Gazeta sobre a sua paixão pelo artista que viveu 21 anos nas Caldas.
GAZETA DAS CALDAS: Como nasceu este projecto “Rafael Bordalo Pinheiro à Sombra dos Plátanos”?
ISABEL CASTANHEIRA: Como sabia que este ano se assinalavam os 90 anos de inauguração da estátua de Bordalo no Parque, quis saber como tinha sido todo o processo de execução da peça e o que foi dito na inauguração. Para isso tive que recorrer à Gazeta das Caldas pois esta foi fundada em 1925 e a estátua foi inaugurada dois anos depois. No início queria fazer algo sobre a inauguração do busto e relembrar, não só a estátua, como também o aniversário da elevação das Caldas a cidade que aconteceu no mesmo ano em meses diferentes. Só que os responsáveis da Gazeta das Caldas decidiram que esta recolha poderia ser um livro. Posteriormente conversámos com Pedro Maia, um dos responsáveis da Gracal que é uma tipografia local e que vai imprimir o livro. A Câmara e a ACCCRO posteriormente comprarão exemplares.
GC: Encontrou as informações pretendidas nas páginas da Gazeta de há 90 anos?
IC: Sim, é na Gazeta que se encontra relatado todo o processo de criação da obra. Foi um processo tipicamente caldense! Existiam dois grupos que, sem saber, estavam a trabalhar com o mesmo propósito: fazer uma estátua de Rafael Bordalo Pinheiro. Um dos colectivos incluía o escultor Teixeira Lopes e o outro grupo, Alfredo Pinto de Sacavém que contactou outro artista para fazer o busto a Rafael. Do primeiro grupo fazia parte Francisco Elias e tinha o apoio de Manuel Gustavo, filho do artista. Quando se aperceberam disto, o segundo grupo desistiu do projecto e ofereceu posteriormente os desenhos preparatórios para o busto ao Museu Bordalo Pinheiro.
GC: Que outros assuntos seleccionou nesta sua recolha?
IC: Há um assunto que me surpreendeu. Na altura as pessoas queixavam-se que quase não se podia passar na Rua do Jogo da Bola (Rua das Montras, Rua Almirante Cândido dos Reis) porque era tanto o fumo das fábricas de cerâmicas existentes na cidade. Há também uma polémica sobre este assunto, que envolve não só ceramistas como Avelino Belo como turistas que estão contra estes fumos. Há um senhor que assina como “Frequentador das Termas” e que é muito acintoso sobre este assunto. Esta é uma disputa que se estende por várias edições até que o próprio jornal teve que colocar um términos na contenda.
GC: Nesta sua pesquisa pelos primeiros anos da Gazeta das Caldas houve mais surpresas?
IC: Sim, várias. Encontrei, por exemplo, personalidades muito consideradas a nível local e nacional a colaborar nos primeiros anos deste semanário. Entre estas, Ramalho Ortigão, Alfredo Pinto de Sacavém, Luís Teixeira, o político Magalhães Lima, o historiador Mário Gonçalves Viana, Henrique Lopes de Mendonça (cunhado de Rafael Bordalo Pinheiro e autor da letra do hino) e Cruz de Magalhães, poeta que foi o fundador do Museu Bordalo Pinheiro em Lisboa. Há outros autores, como os jornalistas Acúrsio Cardoso e João Grave, e também Júlio de Lemos, Nogueira de Brito, Júlio Palmeirim, Fernando Correia e António Montês.
GC: Há mais artigos além dos da Gazeta dos anos 20?
IC: Sim, em anexo há textos sobre o mesmo tema que foram publicados no jornal O Progresso (1945) sobre o dia de aniversário da cidade das Caldas e que também aborda Bordalo Pinheiro. Adicionei outro, editado num suplemento do Diário da Manhã que foi escrito por Luís Pastor de Macedo. O jornalista andou à procura da casa onde nasceu Bordalo Pinheiro. Transcrevi também do Ocidente, um texto do João da Câmara sobre o falecimento de Bordalo Pinheiro em 1905.
Trata-se de uma compilação de artigos que li e que transcrevi para este livro, onde os mesmos vão surgir por ordem cronológica.
GC: Que imagem escolheu para capa do livro?
IC: Na capa está o busto de Bordalo, a preto e branco, feita com base numa fotografia que me foi oferecida por Margarida Araújo. A estátua está sob os plátanos daquela Rua do Parque D. Carlos I. Este é mais um pequeno contributo para que Bordalo Pinheiro possa ser recordado. Enquanto eu puder, irei continuar a contribuir para que sua personalidade e obra sejam mais conhecidas.
UM “DICIONÁRIO GRÁFICO” EM MARCHA
GC: O que é que pode ser feito para dar a conhecer a obra bordaliana?
IC: Bordalo Pinheiro pode ser visto de várias perspectivas dado que ele foi caricaturista, desenhador, decorador, ceramista, jornalista e político. A mim o que me interessa é sobretudo o seu lado de caricaturista pois ele foi excepcional e dedico-me sobretudo aos “papéis” que ele deixou.
Sou uma pessoa de sorte pois tenho uma instituição que me abriu as portas e me permite aceder a vários elementos sobre o artista e que é o Museu Bordalo Pinheiro, em Lisboa, a quem eu muito agradeço. Estou neste momento a trabalhar sobre cartas que Bordalo escreveu a várias pessoas entre estas o seu filho Manuel Gustavo.
GC: Tem mais projectos em mãos?
IC: Sim, estou a fazer desenvolver um trabalho que designei por “Dicionário Gráfico” e que reúne trabalhos gráficos que Bordalo fez ao longo da vida. Além das revistas e das caricaturas que fez (creio até que por necessidade financeira), ele ilustrou vários livros. Tenho reunido para cima de 80 obras nas áreas do romance, da poesia, de histórias e de viagens. Que eu saiba nunca foi publicado nada deste género.
Será um grande livro pois reúne todas as ilustrações bordalianas, dado que estou a fazer uma recolha integral. Entre estas contam-se, por exemplo, as ilustrações da primeira edição de “O Demónio de Ouro” de Camilo Castelo Branco.
GC: Essa não é uma tarefa fácil….
IC: Não, não é… e é também dispendiosa dado que tenho que procurar os livros nos alfarrabistas… Estou a ter muito gosto em fazer este trabalho de pesquisa que já dura há três anos… Ir à procura da cena que ele ilustrou obriga-me a mergulhar na obra do escritor e do ilustrador. Há outros livros mais conhecidos, como os Teatros de Lisboa no qual Bordalo trabalhou com o seu amigo Júlio César Machado.
Cerca de 70% dos livros que eu recolhi não são muito conhecidos. Há também capas que ele ilustrou. Ando nessa “pesca” e inclusivamente também pesquiso no próprio Museu Bordalo Pinheiro.
UMA ESTÁTUA DE BORDALO A TRABALHAR
GC: É uma conhecida defensora da marca Bordalo ligada às Caldas da Rainha. O que mais podia ser feito?
IC: Acho que se poderia apostar em acontecimentos relacionados com Bordalo Pinheiro que poderia estar para as Caldas como o Gaudi está para Barcelona.
Já na pesquisa que fiz para este livro há a ideia de mandar fazer todas as placas toponímicas na Fábrica Bordalo Pinheiro. É uma boa ideia, válida ainda hoje.
Também apoiei a Rota Bordaliana que era algo que estava também no pensamento da Elsa Rebelo. Levantei ainda a hipótese de se fazer uma estátua de Bordalo Pinheiro a trabalhar. A ideia não é original pois basta lembrar o Fernando Pessoa no Café Brasileira no Chiado em Lisboa. A cidade não tem a imagem dele e poderia ficar ao cimo da Praça, ao pé do Posto de Turismo. De certeza que haveria muita gente a ir vê-lo e a fotografar-se junto à estátua. Era uma maneira simpática de o homenagear na cidade que ele escolheu para viver.
GC: Quanto anos é que Bordalo viveu nas Caldas? Por onde andava? Os caldenses acolheram-no bem?
IC: Ele veio em 1884 e faleceu em 1905 portanto viveu cá 21 anos. Outra coisa que me seduz nele é a sua paixão pelos bichos, sobretudo pelos gatos. Para modelar aquela bicharada toda, ele tinha que gostar dos animais.
Creio que ele passaria a maior parte do seu tempo na fábrica e as pessoas iam ter com ele. Ao fim da tarde deveria vir ao café tomar algo com os conhecidos. Ele continuava a ser um lisboeta.
Acho que numa primeira abordagem, nós não somos muito simpáticos com quem vem de fora. Só abrimos os braços depois de conhecermos um pouco as pessoas. No início não deve ter sido fácil, pois ele veio fazer cerâmica para uma terra de ceramistas….
GC: Faz, então, sentido falar nas Caldas como a cidade de Bordalo?
IC: Acho que sim, mas tudo o que se faça tem que ser planificado. Hoje vivemos num mundo global e se fizermos eventos pequenos, estes passam despercebidos. Vamos pôr as Caldas no mapa como cidade de Bordalo e planear os próximos passos a dar nesse sentido. Porque é que os prédios novos que são feitos não são revestidos com azulejo? Podemos começar por aí… A cidade pode ser de Bordalo sem esquecer que é termal e que tem a cerâmica na sua génese. Há cá vários ceramistas que, se lhes fosse pedido para contribuir com peças para a cidade, eles fariam isso. Há tanto artista talentoso. É preciso investir nas obras dos contemporâneos. Veja-se as intervenções de Elsa Rebelo, numa iniciativa da Rodoviária. É preciso personalizar a cidade com a cerâmica e com a água… Falta na cidade um pouco de audácia…
GC: Como vê hoje o período em que teve a Livraria 107?
IC: A livraria foi uma etapa feliz de minha vida. Antes trabalhei em empresas – Sorefame, Banco de Angola e Pão de Açúcar – e quando vim para cá é que abri a 107. Trouxe às Caldas da Rainha mais de 100 autores, sempre a convite da livraria. Hoje é moda fazer encontros literários por todo o país, financiados pelas câmaras e até por fundos comunitários. Orgulho-me muito de ter cá trazido vários autores, entre eles o Prémio Nobel José Saramago (por duas vezes). As coisas têm os seus tempos próprios. Hoje seria difícil voltar a fazer os encontros literários. No entanto, nunca recuso convites para falar sobre Bordalo. Seja com a Gazeta, com escolas como a EHTO ou o Estabelecimento Prisional, gosto de ser útil e de partilhar o que sei com os outros.
São sempre experiências fantásticas e eu é que tenho de agradecer essas oportunidades. É sempre muito gratificante.
GC: Que projectos é que gostaria de concretizar proximamente?
IC: Queria que se concretizasse a estátua de Bordalo a trabalhar na cidade das Caldas e depois gostava muito de conseguir publicar o Dicionário Gráfico que reúne o trabalho gráfico do artista. N.N.