O livro “Rafael Bordalo Pinheiro à Sombra dos Plátanos”, de Isabel Castanheira, foi lançado a 24 de Junho, no Parque D. Carlos I, junto ao busto daquele artista. Cerca de uma centena de pessoas reuniu-se naquele espaço, onde não são habituais os eventos literários, tendo tido ainda oportunidade de assistir a interpretação do artista feita com primor pelo actor José Ramalho. A autora pediu aos representantes do poder local uma grande escultura de Bordalo Pinheiro no centro da cidade onde as pessoas se possam retratar, como fazem com Pessoa, na Brasileira, no centro de Lisboa.
Sessenta cadeiras trazidas pela União de Freguesias de N. Sra Pópulo, Coto e S. Gregório não foram suficientes para todos os que quiseram assistir ao lançamento de “Rafael Bordalo Pinheiro à Sombra dos Plátanos”. Cerca de uma centena de pessoas reuniu-se no parque para este momento, numa tarde ensolarada.
“A 15 de Maio de 1927, aqui neste mesmo local, os caldenses reuniram-se para prestar homenagem a Rafael Bordalo Pinheiro, aquando da inauguração deste busto que nos faz companhia”. Palavras da autora, referindo que esta iniciativa teve o intuito de celebrar o nonagésimo aniversário daquela obra do escultor Teixeira Lopes. Para festejar, Isabel Castanheira trouxe uma prenda para Bordalo, em formato de livro, intitulado “Rafael Bordalo Pinheiro à Sombra dos Plátanos”.
Trata-se de uma obra “despretensiosa” que reúne textos referentes a Rafael Bordado, a ceramistas e à cerâmica, publicados entre o ano de 1925 – ano da criação da Gazeta das Caldas – e 1927, ano em que este busto foi inaugurado e “por feliz coincidência”, Caldas foi elevada a cidade.
Desta forma a livreira homenageia a cidade e o seu filho adoptivo, entidades que, cada vez mais, “se entrelaçam numa existência comum”. E enquanto a livreira discursa, eis que surge, trajado a rigor, o próprio Bordalo Pinheiro. É sempre fantástica a interpretação que o actor e encenador José Ramalho faz daquele artista. O monóculo, os botões de punho, a casaca… nada é descurado. Todo o seu discurso é apoiado em factos históricos e este Bordalo reencarnado representa igualmente um grande apreço por Isabel, dada a paixão e a investigação que esta dedica à vida e obra bordaliana.
“Digo-lhe Mestre, é sempre bem-vindo e apareça mais vezes”, disse a autora, que voltou a pedir aos responsáveis autárquicos para que fosse feita uma escultura de Bordalo no centro da cidade. “Este busto que aqui vemos é o único monumento dedicado a Bordalo nas Caldas. Localizado num local ermo, ele existe solitário, longe da cidade que também foi sua”, reforçou a autora que ainda imagina “um Rafael, de teque na mão, a trabalhar numa jarra, ou num gato, sentado no espaço junto ao Turismo, no coração da cidade, que ergue o seu olhar para a Praça, a interagir com quem o procura para uma selfie ou para dois dedos de conversa”.
Isabel Castanheira não defende uma figura de museu, mas sim a de “um artista operário dedicado à sua arte, com quem todos nós possamos conversar sobre os últimos sururus citadinos”, rematou.
José Luís de Almeida Silva, director da Gazeta das Caldas destacou o papel activo da autora no que diz respeito à dinamização de iniciativas culturais. “A Isabel Castanheira pega sempre em coisas novas e antigas para dar força a Bordalo e à vida cultural caldense”, referiu o director deste semanário que espera que outras iniciativas congéneres possam acontecer no futuro. José Luís Almeida Silva referiu ainda que até ao Verão, está no CCC a exposição do World Press Cartoon, “uma iniciativa muito boa que também se pode relacionar com Bordalo”.
O presidente da Câmara, Tinta Ferreira, congratulou-se com a iniciativa e referiu a importância das acções levadas a cabo pela sociedade civil. O edil caldense acha que fazer uma estátua de Bordalo Pinheiro no centro da cidade “é uma boa ideia” mas, a três meses de eleições, coíbe-se de mais comentários. No entanto, referiu que não deixaria de ser um bom chamariz turístico “tal como já são as outras peças da Rota Bordaliana”.
Mais de 100 escritores passaram pela 107
“Todos temos memória e saudade de uma loja de livros que existia na cidade, que era um centro de divulgação cultural e que trouxe às Caldas mais de 100 autores consagrados… a Loja 107”, disse Carlos Querido, também autor e amigo de Isabel Castanheira, que apresentou o livro no evento.
O também colaborador da Gazeta das Caldas referiu que encerramento daquele espaço deixou “um vazio, um deserto de livros no centro caldense” e deu a conhecer que nessa altura, Isabel Castanheira ia para Leiria aprender encadernação. Essa foi uma forma de continuar ligada ao mundo dos livros, a um mundo em vias de extinção, foi a sua maneira de atravessar o deserto, foi a sua maneira de não se render”, disse o escritor-juiz que ainda regressou ao espaço 107 para relembrar a omnipresença de Bordalo. “Havia bordalos, bordalinhos, zés-povinho, em imagens, bustos, cartazes e serigrafias…”, contou fazendo referência ao facto de Isabel Castanheira ter vindo para a rua “com aquela gente toda (autor e personagens) à procura de vestígios da presença de quem, verdadeiramente, sempre cá esteve, na cidade que ele (Bordalo) tornou capital de um reino de humor e de ironia”. Foi o tempo do livro “Caldas de Bordalo” e que Carlos Querido apresentou em três iniciativas que decorreram no CCC, no Museu Bordalo Pinheiro e no El Corte).
Viajar no tempo através da Gazeta
“Desta vez foi diferente. A Isabel não veio para a rua com o Bordalo e com aquelas personagens todas”, disse o orador. Ao invés, “optou por percorrer as páginas dum jornal duma instituição, também ela uma guardadora de memórias, como a Isabel”, comentou referindo-se à Gazeta das Caldas.
Para Carlos Querido, os jornais são um fenómeno “curioso” pois, apesar de parecerem efémeros, quando têm mais de 90 anos – como é o caso da Gazeta – “é possível percorrê-los, como se viajássemos no tempo, e regressássemos ao passado, para descobrir o pulsar da vida de uma cidade no momento anterior àquele em que nascemos”. E por isso o livro agora apresentado reúne “recortes de jornais, transcrições que nos trazem a memória de grandes figuras da época”, disse o orador, recordando que foi feita pesquisa nas edições de 1925 a 1927 e recolhidos os testemunhos de anónimos e de autores como Eduardo Mafra Elias, Alfredo Pinto (Sacavém), Luís Teixeira, Henrique Lopes de Mendonça, Magalhães Lima, Ramalho Ortigão, Fernando Correia, António Montês e Avelino Belo.
A história deste ceramista foi recordada por Carlos Querido, dado que este frequentou a Escola de Desenho Industrial Rainha D. Leonor (fundada por decreto de Emídio Navarro, datado de 1884), que está na génese da Escola Rafael Bordalo Pinheiro (instituição com mais de 130 anos), e ali torna-se “um aluno brilhante”. Trabalhou com Bordalo e dirigiu o jornal Direito do Povo, publicado entre 20 de Novembro de 1910 e 22 de Janeiro de 1911. Nos recortes referentes a Avelino Soares Belo e que contam da recolha de Isabel Castanheira, um anónimo intitulado “Frequentador das Caldas” insurge-se contra a poluição das chaminés das fábricas de cerâmica. Avelino Belo responde, em carta publicada na edição de 23 de Maio de 1926, afirmando que os fornos cerâmicos em Caldas datam de 1488 e os primeiros oleiros desse tempo foram Vicente Annes, Álvaro Annes e Francisco Lopes. “Era este último quem fornecia a louça ao hospital”, acrescentou o orador explicando que Avelino Belo defendeu com unhas e dentes a indústria cerâmica desta vila tinha 438 anos na sua idade e, apesar do fumo ,era um sector muito importante para a economia local.
“Há mais recortes, mais figuras, caldenses, e não só, e muitas notícias curiosas sobre Bordalo Pinheiro, ou não tivesse sido a Isabel a escolher os textos que recortou”, disse Carlos Querido sugerindo que “folheemos o livro, como quem folheia páginas de um jornal que resistiu ao tempo e à efemeridade”.
Esta iniciativa de Isabel Castanheira com Gazeta das Caldas contou com o apoio da Câmara Municipal, da Gracal, da ACCCRO e da União de Freguesias N.ª Sra do Pópulo, Coto e S. Gregório.