Caldas da Rainha poderia ter rotas turísticas relacionadas com os refugiados

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Gazeta das Caldas
Carolina Pereira (à direita) é a autora de “Refugiados da II Guerra Mundial nas Caldas da Rainha

Caldas da Rainha poderia tirar proveito turístico da sua História e constituir rotas relacionadas com os vários refugiados que a cidade termal acolheu: desde os Boers em 1901 e 1902 passando pelos detidos alemães da I Grande Guerra, dos espanhóis que fugiram da guerra civil, até aos muitos estrangeiros que durante a II Guerra Mundial fugiram do nazismo.
Esta é a opinião de Irene Vaquinhas, investigadora e docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, que apresentou no sábado, 13 de Janeiro, no CCC, o livro da leiriense Carolina Pereira, “Refugiados da II Guerra Mundial nas Caldas da Rainha”.

“Este livro é um importante testemunho da preservação da memória identitária da cidade das Caldas enquanto porto de abrigo de refugiados em fuga de Hitler e do Holocausto”. Palavras de Irene Vaquinhas, a historiadora que orientou Carolina Pereira na sua tese de mestrado, que originou o livro “Refugiados da II Guerra Mundial nas Caldas da Rainha”.

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Sala cheia para ouvir falar de um tema que interessa aos caldenses

Para a investigadora, o facto de Caldas da Rainha ter acolhido os estrangeiros – cerca de 500 – foi um acontecimento importantíssimo do século XX e com grande significado para a história desta localidade.
“Quando a guerra acabou, o número de pessoas deslocadas no continente europeu era de 45 milhões, números que impressionam e podem ser comparados com o actual drama dos refugiados da Síria e de outros países”, afirmou a docente.
Irene Vaquinhas recordou que Portugal era o último posto da rota dos Pirinéus, antes da partida para outros países geralmente os EUA. E que as Caldas ficou mesmo no coração de muitos dos que passaram alguns tempos na cidade. A docente até citou a luxemburguesa Renée Libermann, que acabou por permanecer e fazer a sua vida por terras lusas. A refugiada afirmava com incontido orgulho, inclusivamente numa entrevista que daria à Gazeta das Caldas nos anos 90 que “isto é o meu país e eu considero as Caldas a minha terra”.
Irene Vaquinhas teceu rasgados elogios à autora da obra, Carolina Pereira, que com apenas 23 anos tem um invejável percurso académico que já lhe mereceu várias distinções. O estudo sobre os refugiados e que resultou da sua tese de mestrado valeu-lhe 18 valores e deu origem ao livro agora apresentado no CCC. A docente afirmou que a sua aluna leiriense é “um grato exemplo da nova geração de historiadores portugueses”.
Sobre o livro, Irene Vaquinhas, sublinhou que a jovem autora cruzou informação obtida por fontes documentais camarárias, distritais, internacionais e algumas que estão disponíveis on-line.
O governo português impôs uma política de acolhimento dos refugiados fora dos grandes centros, mas estabelecendo as chamadas “zonas de permanência obrigatória e de residência fixa”, fora das grandes zonas urbanas. Foram locais como a Ericeira, Curia, Luso, Figueira da Foz, Funchal e Caldas da Rainha que receberam os refugiados dado que tinham capacidade hoteleira para os poder alojar.
Por todo o lado, nas terras onde viveram, os refugiados “imprimiram vivacidade e alegria, alterando hábitos e costumes das populações”, disse a historiadora, explicando que às Caldas chegaram, nos anos 40, espanhóis, franceses ingleses, alemães, holandeses, polacos e checos. A cidade foi nesses anos “uma Babel de nacionalidades e de línguas”, disse a docente que salientou que Carolina Pereira “espreitou” como era vida dos refugiados e conta como era o seu quotidiano.
A autora, no seu livro, reconstituiu algumas experiências de vida dos refugiados como do lutador de boxe italiano Pino Pavari, o russo Papa Ours e da actriz berlinense Helga Liné que viveram nas Caldas da Rainha e que contribuíram para que esta se tornasse cosmopolita. Uma das novidades foi, por exemplo, o aparecimento dos salões de chá.
Também o desporto era algo muito praticado pelos refugiados dado que funcionava e ajudava a promover a inclusão. Este é um traço singular, sem paralelo noutras zonas de residência fixa.
“Os caldenses tiveram uma profunda tolerância com os refugiados estrangeiros”, disse Irene Vaquinhas, explicando que, por exemplo, em França o acolhimento dos deslocados – sobretudo os da guerra civil espanhola – era feito em campos de internamento.
E se nas Caldas os refugiados tinham liberdade condicionada (não podiam andar mais do que alguns quilómetros em volta da cidade), “nada tinha a ver com o arame farpado de outras paragens”, disse a historiadora.

Rotas turísticas sobre os refugiados

Irene Vaquinhas sublinhou o facto das Caldas da Rainha ser há muitos anos um local de refúgio. Primeiro a cidade acolheu os refugiados da guerra dos Boers no início do século XX, depois prisioneiros alemães da I Grande Guerra, em seguida espanhóis fugidos à guerra civil, entre 1936 e 1939, até aos refugiados da II Guerra Mundial.
Na sua opinião, este aspecto poderia dar origem a rotas turísticas, cuja constituição beneficiaria da muita pesquisa história que já foi feita neste tipo de trabalhos académicos. Estas rotas poderiam dar à cidade projecção internacional.
Segundo Carolina Pereira, o seu livro “fala sobre humanidade, respeito e tolerância para com o outro” e mostra a forma aberta como a população caldense recebeu e acolheu os deslocados.